Ao participar de um simpósio sobre a Amazônia e responder a questões sobre agressões ambientais que o bioma vem sofrendo, o vice-presidente da República, Hamilton Mourão, afirmou que o Brasil não suporta mais ser enxovalhado e rotulado de vilão ambiental por conta de erros cometidos no passado na ocupação da Amazônia.
Mourão, que também é presidente do Conselho da Amazônia, afirmou que este entendimento sobre o país seria “habilmente orquestrado por grupos políticos e econômicos a quem convém manter o Brasil acossado da defensiva, tentando justificar suas ações na região como se fosse mau inquilino da propriedade alheia”.
Para saber de que forma o Brasil pode e deve se livrar desse rótulo de vilão ambiental a Sputnik Brasil conversou com o advogado Antônio Fernando Pinheiro Pedro(*), especialista em Direito Ambiental e profundo conhecedor da política brasileira.
Ele começou afirmando que para se livrar desse rótulo o país deve “fazer a lição de casa”. O mundo globalizado de hoje, vive um embate entre forças interessadas em impor um ordenamento ditado por grandes interesses econômicos e financeiros, segundo o especialista.
“Esses interesses são concentrados. O mundo também hoje é acossado por interesses geopolíticos e esses interesses são ditados pela demanda comercial internacional, pela segurança no abastecimento alimentar e pela necessidade de provimento de recursos energéticos. Nós enfrentamos também conflitos assimétricos regionais, ameaças ditadas por desequilíbrios ecossistêmicos e pela emergência do clima. Esse ambiente exige autoridade dos governos locais e isso impõe a necessidade do que eu sempre chamei de soberania afirmativa, através da prática efetiva do controle territorial”, explicou Antônio.
Então, segundo ele, esse controle territorial — que se processa por meio do mapeamento, do planejamento e do ordenamento territorial — se exerce pela disposição das atividades econômicas no espaço geográfico.
“Daí, a gente passa a exercer o licenciamento, a fiscalização e o monitoramento. Pois bem, nosso país tem absoluta necessidade de implementar todas essas seis ações de forma cronológica. Isso não vem ocorrendo há décadas no Brasil, infelizmente”, lamentou o advogado.
A polarização ideológica na alternância do poder interrompe a cada gestão os programas e políticas da anterior, não permitindo assim um planejamento. Já a judicialização da política trava a implementação por qualquer governo de qualquer projeto, programa, ou política em curso, continuou o especialista.
Qual caminho o Brasil deve seguir para respeitarem sua política ambiental
Segundo Antonio, Mourão está correto em seu diagnóstico. O que se deve fazer é “buscar um mapa” e traçar os rumos para assumir um planejamento estratégico. “E nós já temos o mapa: o Macrozoenamento Ecológico Econômico da Amazônia Legal. Ele foi aprovado em 2010 depois de mais de três décadas de articulação”.
Para o especialista, o documento é exequível, “mas está no lugar errado, no Ministério do Meio Ambiente, e está sendo ignorado. É preciso resgatar esse macrozoneamento e encaminhar para o lugar certo que é a Secretaria de Assuntos Estratégicos para ser implementado a partir da Presidência da República”.
Esse zoneamento pode, de acordo com Antonio, sofrer alguma modificação, mas ele é um guia para se direcionar a política ambiental brasileira.
“O que eu acho, assumindo esse macrozoneamento, é que acabaríamos com essa lenga-lenga interminável, esse discurso interminável das necessidades do povo carente da região, defesa dos povos da mata, fronteira agrícola, demandas por energia, saneamento e terra, questão indígena, que surgem a toda hora”, avaliou o analista.
Brasil acuado na questão ambiental
Para falar sobre por quem o Brasil poderia estar sendo acuado na questão ambiental, Antonio disse que era preciso contextualizar a situação. Os recursos ambientais como um todo passaram a ser econometrizados, passando a integrar um contexto econômico e político internacional muito maior.
“A gente precisa contextualizar um fenômeno da globalização em relação aos insumos agrícolas e minerais que possuímos porque ele envolve biomas e bacias hidrográficas. Então, na verdade, os recursos ambientais como um todo passaram a ser utilizados, a integrar um contexto econômico e político internacional muito maior, que hoje é objeto de tratados internacionais”, disse Antonio.
Ele explicou que a distribuição geográfica de tecnologia e de recursos sempre é desigual. Enquanto as tecnologias avançadas eram desenvolvidas do centro de poder, as reservas naturais sempre estiveram localizadas em países periféricos ou em áreas que não devem ser regulamentadas juridicamente.
Com isso — citando o trabalho da geógrafa Berta Becker — Antonio explicou que há sempre essa pressão dos países centrais em busca dos recursos existentes nos países periféricos e que isto é facilitado por uma ausência de regulamentação jurídica nestes países.
“Então, desse quadro de desigualdade de apropriação e uso das riquezas naturais, é óbvio que o Brasil torna-se objeto de cobiça, de forma difusa, dissimulada, por atores diversos e por intenções as mais diversas. O Brasil está no centro dessa cobiça internacional”, avaliou.
Ele deu o exemplo do presidente Vladimir Putin, da Rússia, que estabeleceu “uma linha muito inteligente de interesses internacionais” que sempre pesaram sobre os rumos do país, afirmando que a soberania da Rússia está vinculada a atualização e manutenção dos interesses nacionais neste conceito de economia globalizada. “Não é diferente com o Brasil”, sentenciou o especialista.
Política de preservação ambiental
Mourão também afirmou que o movimento de 1964, conforme suas palavras, “pavimentou caminhos para uma política de preservação ambiental, mas após o regime militar esses caminhos foram abandonados”.
Antonio diz ser essa uma afirmação polêmica, mas que afinal, durante o regime militar, foram implementados o Código Florestal, a Lei de Proteção à Fauna, o Estatuto da Terra, a legislação de segurança do trabalho, a legislação de responsabilidade por dano nuclear, a Lei de Controle de Poluição em Zonas Críticas, a Lei de Parcelamento do Solo, a Lei de Zoneamento Industrial de regiões metropolitanas e o marco legal da Política Nacional de Meio Ambiente.
“Todos os fundamentos do planejamento territorial, inclusive da Amazônia Legal, também ocorreram nesse período militar. Foi com o advento da Nova República, com a Constituição de 88, que surgiu esse jacobinismo político e ele tratou de ‘jogar a criança com a água do banho’, porque os políticos a partir de então compreenderam que todos os avanços do período militar eram entulhos autoritários, então passaram a desconhecê-los”, ponderou o analista.
Segundo Antonio, o fato é que, ainda hoje, o país tem como base doutrinária para sair dos impasses que enfrenta este “patrimônio” auferido a partir do golpe de 64.
Em relação ao fato de se a abertura de estradas pelo regime militar no período em que governou o país teria intensificado o processo de desmatamento ilegal na Amazônia, além de ocupação desordenada do território, Antonio avaliou que essa visão seria biocentrista.
Para o especialista, essa carga biocentrista seria movida por interesses muito mal definidos e estaria contaminando parte do discurso do movimento ambientalista brasileiro, havendo sempre a necessidade de estabelecer eixos logísticos para a correta afirmação da soberania sobre o território nacional, em especial o território amazônico, que sempre foi um “grande vazio geográfico”.
“Então é importante quando a gente se refere a esse dilema proposto pelos ambientalistas, lembrá-los do princípio 4 da declaração das Nações Unidas sobre meio ambiente e desenvolvimento, que informa que a preocupação com o meio ambiente é parte integrante do desenvolvimento sustentável. Ou seja, ele não pode ser visto separadamente deste, o direito humano ao desenvolvimento não pode ser excluído em função de crenças sobre a imputabilidade de determinado bioma, que por sua vez é essencial para a economia dos brasileiros e do planeta”, finalizou Antonio.
Ouça a entrevista clicando aqui ou na imagem abaixo:
*Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e da Comissão Nacional de Direito Ambiental do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB. É Editor-Chefe dos Portais Ambiente Legal, Dazibao e responsável pelo blog The Eagle View. Twitter: @Pinheiro_Pedro. LinkedIn: http://www.linkedin.com/in/pinheiropedro