Criminalizar o senso comum é fobia à cidadania
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro
É no detalhe das coisas que se percebe a grande inversão de valores em curso no Brasil.
Meu falecido tio Antenor Pinheiro, um homem rígido e policial respeitado no estado de Goiás, alertava com humor e sabedoria que devíamos nos precaver de três coisas: “prostituta sem dinheiro, pastor sem fiel e jornalista sem assunto”. Estivesse ele vivo, hoje, acrescentaria os radicais sem pretexto, e as autoridades sem juízo.
Parte de nossa tragédia institucional decorre dessa simbiose imbecil: minorias radicais em busca de pretextos para gerar um conflito, acobertadas por autoridades sem juízo que usam o conflito para exercer sobre a sociedade sua medíocre tirania.
Trata-se de mais uma face da assimetria que caracteriza nossa geração de tutela dos interesses difusos, dos conflitos de quarta geração, e da pasmaceira geral existente no Poder Público, que sequer se ocupa em saber o que é isso.
Supremacismo vitimizador
Denomino esse fenômeno de supremacismo vitimizador: o domínio ideológico agressivo das minorias sobre os aparelhos produtores de cultura da sociedade. Esse domínio é acobertado pela autoridade imbecil, que pressupõe “equilibrar o conflito assimétrico” favorecendo a expressão agressora minoritária.
O resultado desse desequilíbrio tem sido desastroso.
O tecido social das sociedades é construído organicamente. Ele é alimentado pelos valores morais cultivados pelos cidadãos comuns – com suas virtudes e misérias. É o senso comum o fator de equilíbrio social.
No entanto, graças ao supremacismo vitimizador, as relações sociais da cidadania vêm sofrendo impressionante esgarçamento. Os poucos movimentos de resistência são denunciados como preconceito e sofrem policiamento hipócrita das autoridades. O objetivo é destruir o senso comum, criminalizando-o, e inibir opiniões discordantes aos valores propugnados pelas minorias – cuja conduta apresenta crescente agressividade.
A ideia embutida na causa é impor aceitação incondicional dos valores distorcidos, como a nova regra a ser seguida – e não admitir qualquer tolerância crítica. Explico: o tolerante é aquele que discorda, mas não discrimina – é aquele que garante o debate e o pluralismo de valores e ideias no mundo democrático, compreendendo as diferenças e respeitando o senso comum – até mesmo para mudá-lo.
Para os supremacistas-vitimizadores, o tolerante é justamente o grande inimigo. Ele quebra o ciclo da violência, evita a confrontação e desmoraliza o discurso “politicamente correto”, usado pelos supremacistas como canal de extravasamento dos seus rancores, atitudes segregacionistas e ofensividade, gerados por seus recalques.
O tolerante, por não discriminar, deve ser incriminado pelo que pensa. Para tanto, sua opinião discordante será sempre rotulada pelos supremacistas como “fobia”.
A criminalização da consciência
Sofrer represália por emitir opinião – algo impensável em qualquer democracia clássica, torna-se regra na democracia dos rancorosos.
A democracia do rancor dissimula a ditadura dos ofendidos, onde a cordialidade é substituída pela repressão a todo senso comum, criminalizando a consciência dos que se postam “fora do gueto”, sob o pretexto da vitimização.
Todo totalitarismo se consolida neurolinguisticamente. No caso do supremacismo vitimizador, o rancor perverte terminologicamente o bom senso.
Na ditadura dos ofendidos, discordância confunde-se com “fobia” e, então, por dedução “lógica”, como na novilíngua orwelliana, passa a ser propositadamente confundida com discriminação.
Trata-se de um mecanismo perverso, adotado pelo Estado totalitário denunciado por Geoge Orwell no seu romance-pesadelo “1984”. O duplipensar criminaliza a diversidade social em favor do supremacismo de minorias organizadas (que em tese deveriam compor justamente essa diversidade).
O mecanismo distorce valores e extermina o pluralismo democrático – cultural, religioso, político, moral e ético. Vai além disso – inibe a consciência.
Para os supremacistas, a consciência deve ser criminalizada e o comportamento policiado, inclusive na intimidade do lar.
Filhos são submetidos a doutrinações invasivas e autoridades imbecis confundem educação com ensino.
Pais submissos à doutrinação reagem mal contra professores bons, na mesma proporção com que se inibem covardemente ante doutrinadores supremacistas – estes acobertados pelo discurso vitimista e pelo policiamento de autoridades imbecis.
Vale também contrário sensu – quando alunos se vitimizam ante professores críticos e pais reagem mal, acionando os mesmos imbecis alocados na ponta do parágrafo anterior…
O grande contra senso
A falta de caráter parece ser a pedra de toque do ativismo supremacista. Fatos e valores são elementos manipuláveis.
Atitude é qualidade imperdoável. Anos de cultura, moral e educação não devem mais resistir à frase de efeito idiota gerada no conflito de rua.
A conquista civilizatória nos levou a construir padrões morais e, sobre eles, conquistar a ética, buscar sempre a integridade, agir com responsabilidade, respeitar as leis, compreender a vontade da maioria e respeitar o senso comum, amar o trabalho, produzir para o bem comum e agir com cordialidade.
Absolutamente nenhuma dessas conquistas interessa ao supremacismo vitimizador. Pelo contrário, por uma questão de “correção política”, agir nos moldes acima expostos revelará “fobia” e “preconceito” social…
Suprema conquista da miséria humana pela glorificação do rancor.
Essa distorção vitimista em favor da falta de caráter, hoje, é moldada e manipulada pelos supremacistas infiltrados nas mídias.
Aparelhado por minorias, o sistema público de comunicação social transfere a atenção devida a assuntos graves de risco à sociedade, valorando filigranas de dramas de menor importância – mas que atendem ao barulhento e rancoroso supremacismo.
Vamos aos exemplos:
1. Cracolândia e a glorificação da miséria humana
Um exemplo dessa transferência de energia assimétrica está no episódio do conflito social e urbanístico dos governos do Estado e do Município contra traficantes e usuários que ocupavam a “cracolândia”, na cidade de São Paulo. Um assunto de segurança e saúde pública, envolvendo profunda degradação humana e ambiental, graças ao supremacismo vitimista, transformou-se em um teatrinho das dicotomias simbióticas.
Mídias e aproveitadores do conflito alheio se ocuparam da glorificação da miséria humana.
O elenco farsesco do enredo vitimizador envolveu traficantes oportunistas, comunistas enlameados, fascistas no armário, ecochatos a serviço de interesses inconfessáveis, defensores públicos e privados de direitos humanos (e das drogas), minorias barulhentas, indivíduos marginais, políticos corruptos, mídia comprada, intolerantes a toda prova e intelligentsia à beira da psicopatia. Um circo de pulgas com sucesso garantido nos becos escuros dos guetos ideológicos que assaltam o cidadão comum.
O resultado, por óbvio, é o caos. Os governantes, agora, cumprem a sina de desalojar zumbis em busca da própria destruição, sem poder encaminhá-los a um tratamento de desintoxicação legalmente previsto e propositadamente ignorado, seja por autoridades interessadas no discurso supremacista da vitimização social, seja por burocratas imbuídos em enxergar um problema a cada solução…
Pior ainda é ver que a história já está a repetir-se, agora como farsa. Em 2013, o médico Drauzio Varella, declarou à Folha de São Paulo estar revoltado com a mesma polêmica, envolvendo o mesmo governador de estado e a prefeitura, com relação às internações compulsórias. Considerava o médico, então, a discussão “ridícula”. “Que dignidade tem uma pessoa jogada na sarjeta? Pode ser que internação compulsória não seja a solução ideal, mas é um caminho que temos que percorrer. Se houver exagero, é questão de corrigir”, disse o médico – tido aliás como um aliado da causa das minorias…
2. O que são milhões de vítimas perto de algumas centenas…
A assimetria dos interesses midiáticos não tem limite.
O Portal G1 do sistema globo elaborou um mapa estatístico de ocorrências de “homofobia” (como se fobia fosse o delito e não a discriminação…). Neste quadro os jornalistas listaram pouco mais de três centenas de casos tristes de fatos notificados de toda ordem – briga de família, agressões, desinteligência e injúrias envolvendo gays, registrados em dez anos de atividade da polícia especializada em discriminação racial e de gênero, na Capital paulista.
A inutilidade da energia dispendida no levantamento é patente. Os dados mostram que a discriminação contra homossexuais em SP é fenômeno numericamente ínfimo perto de outros casos de violência e discriminação. Com efeito, ainda que se quadruplicasse hipoteticamente o número de ocorrências de agressões “homofóbicas” registrado em dez anos (usando o decênio referido no “mapa” do portal) … o número decenal não chegaria perto do número semanal de furtos, roubos, homicídios, violência contra crianças, pedofilia, estupros de mulheres, agressões domésticas, etc… cujo mapeamento nunca foi interessante porque, afinal, “isso… é problema do cidadão comum”.
O aparelhamento ideológico da mídia e do Estado se revelou no episódio. No caso do portal G1, a matéria buscou atender interesses vitimistas às vésperas da curiosa parada LGBT, em SP. Um factoide para alimentar mais um pretexto de agressão ao senso comum.
3. O vacilão e a vacilona
Outro caso – mais grave, é o da tragédia do marginal que foi surpreendido roubando um triciclo especial de um paraplégico e, então, teve a testa tatuada por um tatuador revoltado com o roubo com a frase “sou um ladrão vacilão”. O episódio abusivo foi gravado pelos justiceiros e transmitido nas redes sociais. Logo, supremacistas dos direitos “dos manos” – caíram como moscas na carniça, e a agressão cometida – logicamente um crime – já está sendo enquadrada como tortura. O caso é um filé para os supremacistas – adolescente, drogado, filho de família destruída, vitimado por “gente comum”. A covardia do roubo praticado contra um paraplégico… virou coisa secundária.
No mesmo período, o Comando Vermelho do Rio de Janeiro filmou o destroçamento, a pauladas, dos braços e mãos de uma senhora negra, após obrigá-la a ler um “salve”, que informava ter ela furtado um celular “na comunidade”. Desse caso, os jornais não se ocuparam. Ao que tudo indica, sequer o Estado disso se ocupou. A justificativa é perversa. Trata-se de coisa “a ser resolvida na comunidade” pois não envolveu “cidadãos comuns” que “mereçam reprimenda” ( com exceção, lógico, da senhora vitimizada pela barbaridade…).
Não interessa aos supremacistas, por óbvio, explorar um crime bárbaro envolvendo a relação de poder em uma comunidade “vítima da violência policial” (e que, portanto, não deve ser enquadrada como vítima do crime organizado…). Ademais, a “justiça” foi praticada pelo “Estado Paralelo” – menina dos olhos revolucionários das minorias rancorosas, sem compromisso com qualquer moralidade…
4. Arrogância travestida de vitimização.
Por fim, o caso do voo da Avianca, entre Brasília e Rio de Janeiro, durante o qual a jornalista Míriam Leitão, ela própria uma supremacista, sentiu, na pele, o sectarismo político praticado por militantes petistas (supra sumo do supremacismo vitimizador).
Entre agressões impropérios e atitudes injuriosas, o que Míriam anotou no seu artigo onde relata o episódio, foi a inação da tripulação ante as agressões e o fato dos agressores estarem munidos de celulares, prontos a filmar alguma reação dela – provavelmente para costurar mais um episódio de vitimização supremacista.
Resultado da tragédia: cidadãos comuns não se solidarizaram com Míriam porque temeram, e temem, reagir à covardia e serem taxados de portadores de alguma fobia social, quando não de fascistas.
O rótulo, pelo visto, já é o bastante para posicionar qualquer autoridade imbecil ao lado da minoria barulhenta e radical – no caso do episódio da Avianca, covarde e desprezível.
Onde fica a liberdade de expressão?
No supremacismo vitimizador, o que está institucionalizado é a fobia ao cidadão comum. E pelo visto, graças à imbecilização da autoridade, a fobia ao cidadão é legalmente autorizada.
Como os supremacistas entendem que não há “preconceito reverso” – eles se dão ao luxo de rotular como preconceituosa toda a sociedade que os cerca – como se sobre o entorno só pudesse prevalecer o “direito de gueto”. Na imposição da ditadura dos ofendidos, os supremacistas sempre contam com imbecis investidos de autoridade para lhes dar guarida.
A guerra nesse campo é internacional. Mas nos países onde o judiciário trava constante batalha contra a mediocridade, o direito de expressão do senso comum ainda respira.
Nos Estados Unidos – terra de origem do discurso politicamente correto, a *Suprema Corte recentemente decidiu que:
“A fala que degrada com base na raça, etnia, gênero, religião, idade, deficiência ou qualquer outro plano similar é odiosa; Mas o orgulho de nossa jurisprudência sobre liberdade de expressão é que nós também protegemos a liberdade de expressar “o pensamento que odiamos”. (…) “Não existe uma excepção constitucional para o chamado ‘discurso de ódio’. Na verdade, os governos têm a obrigação de proteger a expressão controversa.”
No Brasil, no entanto, a pior judicatura da história do judiciário está submetendo os direitos e garantias fundamentais à mediocridade militante.
Nossa constituição dispõe que “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”,; que “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”; que “ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei”; que “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença” e que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.
Suficiente? Infelizmente não.
Para os medíocres ativistas judiciais, empenhados em implementar a democracia dos rancorosos, a aplicação assimétrica dos interesses difusos em favor das minorias “vitimizadas”, força a balança da justiça brasileira pesar em favor da cultura da intolerância pretextando, justamente, combater o discurso de ódio.
Ou seja, a regra no Brasil é cair na armadilha silogística evitada pela Suprema Corte Norte-Americana…
Conclusão
David French, jornalista americano consagrado e responsável pela coluna “The Corner” da National Review , constatou que se “a lei protege a liberdade de expressão tão fortemente como sempre, a cultura, no entanto, está crescendo cada vez mais intolerante”.
De fato, ainda que perfeitamente aceitável o conflito de ideias, as manifestações de repúdio e condenação social a manifestações dissidentes, a percepção que se tem é que o cidadão está sendo induzido a ver a liberdade de expressão como “uma ameaça” e não como um dos ativos mais vitais da nossa democracia republicana e constitucional.
O risco é exatamente este: judicializar a liberdade e derrotar o senso comum em favor do rancor.
Se a sociedade não sair da letargia, em especial o que sobra de inteligência nos seguimentos jurídicos, a inversão de valores irá se impor por lei… e a cidadania se tornará uma atividade marginal.
* https://www.supremecourt.gov/opinions/16pdf/15-1293_1o13.pdf
Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro da Comissão de Direito Ambiental do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e da Comissão Nacional de Direito Ambiental do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB. É Editor- Chefe do Portal Ambiente Legal, do Mural Eletrônico DAZIBAO e responsável pelo blog The Eagle View.
Ótimo texto. Ter uma opinião diferente hoje é quase, “às vezes conseguem nos imputar”, um crime.
Excelente texto! Só acho que deveria usar uma linguagem mais simples para o texto se tornar mais acessível a mais gente. Afinal esse é o objetivo,não?
Estava indo bem até minimizar a agressão sofrida pelo marginal com a testa tatuada. Um dos princípios básicos de um estado de direito é não fazer justiça com as próprias mãos. O marginal deveria ter sido restringido e encaminhado para ser devidademente punido. Se o estado é leniente juridicamente, ai é outra história. Mas NUNCA a justiça com as próprias mãos deve ser aceita. Isso é barbárie.
O artigo em questão em nenhum momento minimizou a tortura infligida ao adolescente. Deixou claro tratar-se de crime e anotou a ação repressiva do estado contra o ato. A comparação foi em relação a outro fato igualmente bárbaro, que não teve repercussão.
A procura de um texto coerente para usar em sala de aula, encontrei esse! Gostei demais ! Parabéns, Antônio!
Obrigado!