Juliana Arini
Hoje a maior produção de carne do planeta vem da criação de porcos, com 109 milhões de toneladas por ano de proteína animal. Uma projeção da Organização das Nações Unidas para Alimentação e a Agricultura (FAO) prevê que, em 2050, a piscicultura ultrapasse essa produção, chegando a 1.767,5 milhões de toneladas por ano.
A criação de peixes em tanques-redes, construídos nos ambientes naturais, representa a maior parcela da aquicultura atual. Será que o futuro dos rios é ser dominado por fazendas de proteína animal? Quais seriam os impactos desse avanço da produção de alimentos em direção às águas?
No Pantanal, o aumento da piscicultura em tanque-rede é uma proposta polêmica. Os possíveis impactos ambientais relacionadas a essa produção fazem com que muitos olhem a atividade com desconfiança. A questão dos resíduos e a contaminação dos rios por peixes exóticos são os principais pontos.
Para Claumir Muniz, pesquisador do Projeto Bichos do Pantanal e professor da Universidade do Estado do Mato Grosso (Unemat), ainda não há tecnologia para suportar essa atividade na região. “A piscicultura é uma alternativa ótima para reduzir a pressão de pesca sob as espécies comerciais, porém o tanque-rede é uma opção complicada. Aqui não há qualidade da água o ano todo, em alguns meses o oxigênio chega a quase zero e podemos perder toda a produção”, explica Muniz.
A alternativa atual da região são os tanques escavados. “O tanque-rede pode ser um caminho para espécies de ciclo curto, que se desenvolvem rápido, como as corimbas, mas você precisa abater os juvenis. Nesse caso há mais custos e essa produção deixa de ser uma solução viável”, afirma Muniz.
As doenças e a invasão dos rios por peixes de baixa variedade genética são outros obstáculos. “Na situação atual, temos mais contras do que a favor para o tanque-rede no ambiente pantaneiro. Precisamos investir em mais estudos”, conclui.
O potencial de expansão da atividade e o baixo impacto ambiental, significativamente menor do que outras atividades humanas nos rios, como o lançamento de esgoto in natura, são os argumentos dos que defendem o aumento da piscicultura nas bacias hidrográficas brasileiras. Mesmo sem grandes investimentos de pesquisa, a aquicultura já cresce até 12% ao ano.
Para Silvio Romero de Carvalho Coelho, doutor em aquicultura pela Universidade de São Paulo, a domesticação dos peixes é a última fronteira da alimentação humana. “O planeta conta com uma população de 7 bilhões e as fontes de proteína precisam aumentar. O uso dos recursos, principalmente hídricos, para a produção de gado são questionados. Agora precisamos nos voltarmos para os animais ainda não domesticados: os peixes e os insetos”, explica Coelho. “Acredito que os peixes são mais atrativos do que os insetos”, brinca.
O pesquisador explica que ao contrário do trigo, que integra a dieta humana há 5 mil anos, e o gado, que foi domesticado há 300 anos, as espécies de peixes dos rios brasileiros são pouco exploradas – um verdadeiro tesouro oculto.
Segundo a FAO, das 148 espécies de grandes herbívoros, somente 14 foram domesticadas e 5 são responsáveis por 90% da produção pecuária mundial – bovinos, suínos, frangos, ovinos e caprinos. Dados da World Conservation Union revelam que existem 31.000 espécies de peixes, 47.000 de crustáceos, 85.000 de moluscos e 13.000 de algas. De todas essas, apenas 16 espécies de peixes são usadas na produção de proteína. No Brasil a tilápia é uma das espécies mais produzidas pela aquicultura. É irônico, pois temos a maior rede hidrográfica do mundo e produzimos toneladas de tilápia e carpas, duas espécies exóticas. Daí tantos apelos por pesquisas e desenvolvimento de novas tecnologias.
Para Coelho, a atividade além de possibilitar novas fontes de proteína pode ajudar profissões ameaçadas, como a do pescador tradicional dos rios. No Mato Grosso, por exemplo, já existe, a proibição de pesca de peixes como o dourado, que desde de janeiro 2012 tem a pesca proibida por cinco anos em todo a porção brasileira do rio Paraguai.
Mas, transformar pescadores tradicionais em produtores de peixe é um caminho que requer investimento e atenção do governo. “O pescador é naturalmente capacitado, afinal tem décadas de atuação prática. Ele entende da saúde da qualidade da água e de todas sutilezas que envolvem manejar um peixe. Agora, para dar certo, ele precisa de treinamento e apoio financeiro, com linhas de financiamento que possibilitem a continuidade da atividade até ela tornar-se sustentável”, afirma Coelho. “Agora, é impossível dizer que a profissão de pescador vai acabar. Isso nunca vai ocorrer, porém a piscicultura, em alguns casos, pode ser um caminho para salvar a estagnação imposta pela natureza para a atividade”, conclui Coelho.
O “panga” é um exemplo da necessidade de atenção com o crescimento da piscicultura. Produzido em países como Filipinas, Indonésia, Tailândia e Vietnã, o peixe é uma das espécies de rio mais vendidas do mundo, porém a sua produção começou nas águas mais poluídas do rio Mekong, na Ásia. A qualidade ambiental e sanitária da carne do panga é muito questionada.
Para reverter esse quadro, desde 2012, os governos asiáticos, investiram em pesquisa e assistência técnica para melhorar a qualidade do panga exportado para a Europa. “Provavelmente em cinco anos, o panga pode dominar a produção mundial de peixes, tal como ocorre hoje com o salmão, que também deu um grande salto de qualidade na sua criação”, explica Coelho.
Para evitar que as fazendas de peixes virem foco de contaminação e poluição, a (inevitável) expansão da piscicultura no Brasil também precisa respeitar a singularidade dos nossos rios. Uma questão pouco debatida e que precisa ser observada com mais atenção pelo governo e a opinião pública.
No Pantanal, o aumento da produção de peixes parece ser um caminho sem volta. Caso o Projeto da Lei de número 750 de 2011, conhecido como a “Lei do Pantanal” – de autoria do senador Blairo Maggi – seja aprovado, haverá uma moratória da pesca nos rios da região. Se isso acontecer, o consumo de peixe, que tem um grande peso como fonte de proteína animal para os moradores da região, terá a aquicultura como única fonte.
Fonte: Juliana Arini/ Blog do Planeta Sustentável
Fotos: Claumir Muniz e Silvio Romero de Carvalho Coelho.
Juliana Arini, jornalista especializada na cobertura de temas socioambientais ligados à Amazônia, ao Pantanal, à questão indígena, à Economia Verde e ao setor elétrico. Recebeu dois prêmios por sua atuação: CEBDS Imprensa e Revista Imprensa CPFL/BBC. Trabalha na empresa Planeta Sustentável, Projeto Bichos do Pantanal. Cursou Faculdade de Comunicação Social Cásper Líbero.
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