Cidade ainda sofre consequências do rompimento da barragem da Vale em Córrego do Feijão, quase cinco anos após a tragédia
Por Aydano André Motta*
Festas de dia das mães e dos pais, protocolares no calendário escolar, não são mais celebradas em colégios de Brumadinho (MG). Viraram sinônimo de dor – praticamente todas as instituições de ensino têm crianças que perderam um ou dois (ou tios, avós, padrinhos, madrinhas) no rompimento da barragem de Córrego do Feijão. Quase cinco anos após a tragédia que vitimou 272 pessoas (ainda há três desaparecidos), a morte está tatuada na alma da população – e assim será para sempre.
Autora da barbaridade, a Vale (dona da mineração na cidade) segue com suas atividades, agora com vergonha. Tapumes emolduram as estradas próximas às montanhas de onde a companhia arranca o minério – e sua riqueza. A estratégia, aliás, se espalha por Minas Gerais. Os rombos na massacrada Mata Atlântica e os imensos buracos nas colinas profanam a paisagem na progressão geométrica de sempre, mas agora no armário.
A mineração prospera, enquanto a tristeza está sedimentada em Brumadinho. Os 38.915 habitantes aferidos no Censo 2022 convivem o tempo todo com os fantasmas da tragédia do rompimento da barragem que arrasou o distrito de Código do Feijão num apocalipse de lama e dejetos tóxicos produzido pela Vale.
Um pórtico na chegada à cidade – e bem no acesso ao local da catástrofe – piora o cenário, ao exibir fotos dos mortos e o número 272. Muita gente considera a construção de mau gosto, por usar a imagem das vítimas. Entre os moradores, a tragédia causa uma mistura de sentimentos. Há os que se constrangem diante de qualquer pergunta; lembram habitantes de Medellín, quando ouviam referências a Pablo Escobar. Outros desfilam revolta diante da ausência de punições e lentidão no pagamento de indenizações.
Faixas no portal lembram, além dos desaparecidos, a impunidade dos responsáveis pelo rompimento – a tragédia subsequente, na qual a mineradora (a quarta maior do mundo, com valor de US$ 62 bilhões e operação em mais de 30 países) usa todos os instrumentos, artimanhas e atalhos para não ressarcir famílias pela dor irreparável.
A renda emergencial prometida pela corporação também não chega a pelo menos 30 mil pessoas atropeladas pelos 12 milhões de metros cúbicos de rejeitos, que devastaram rios, florestas, arrasaram casas, empreendimentos e comunidades inteiras. Ao todo, 26 municípios e 297 hectares (quase 300 campos de futebol) de Mata Atlântica foram atingidos. A água de rios e nascentes continua marrom, fedorenta, ainda contaminada pelo minério de ferro.
A esmagadora maioria dos mortos era de funcionários da própria Vale, o que faz da catástrofe o maior acidente de trabalho da história do Brasil – disparado. Mas poucas indenizações foram pagas, aumentando a indignação. Um memorial às vítimas está em fase final de construção, e ainda envolto nos mesmos tapumes que escondem a mineração. Brumadinho (cidade das mais antigas de Minas, mais do que Ouro Preto, por exemplo) receberá ainda dois pórticos em suas entradas, projetados pelo escritório de Oscar Niemeyer, na entrada pela Rodovia Fernão Dias e no Parque do Rola Moça. As obras seguem em ritmo lento.
Uma mobilização tenta alterar a legislação que rege as mineradoras, buscando valorizar a vida no lugar do lucro. As chances de sucesso são, claro, invisíveis, por certeza desesperadora: Brumadinho, como todas as outras cidades do estado, depende da mineração para sobreviver. É perturbador conversar com empreendedores locais, e constatar a resignação de quem precisa de algo tão odioso. O estupro à terra para a extração de riquezas está no alicerce econômico de Minas Gerais. Realidade que nenhum tapume consegue esconder.
Jamais por acaso, outdoors pelas ruas e estradas de Brumadinho informam que os postos de saúde municipais oferecem psicólogo de graça à população. “Saúde mental é para todo mundo”, convocam os reclames. Serviço essencial, diante de tantos paradoxos, tristezas, mortes.
*Aydano André Motta – Jornalista, Editor no Projeto #Colabora, Escritor, Pesquisador de cultura popular, Comentarista esportivo, Articulista, Palestrante.
Fonte: Projeto Colabora – Apoie o #Colabora
Publicação Ambiente Legal, 02/11/2023
Edição: Ana Alves Alencar
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