Global Stocktake entra na pauta da COP28: entenda o que é o documento e porque ele é um dos temas mais importantes da conferência
Por Bibiana Maia*
Com o Acordo de Paris, firmado na COP20, em 2015, os países signatários tiveram o dever de casa de criar e cumprir as NDCs (Contribuições Nacionalmente Determinadas, em inglês). Essas metas têm o objetivo de estipular a redução de emissões de gases do efeito estufa a fim de manter o aumento da temperatura média global em 1,5 graus Celsius. Com o Global Stocktake (GST), ou Balanço Geral, em português, previsto no artigo 14 do acordo, chegou a hora de avaliar em que ponto estamos na governança global para o clima. O caminho culmina na revisão das NDCs, que acontece em 2025, na COP30, em Belém do Pará. O documento entrou na pauta das negociações nesta sexta (01/12), mas já sabemos que as notícias não são animadoras.
É a primeira vez que acontece este processo, que se repetirá a cada cinco anos. O GST é como fazer um inventário que permite que os países e outras partes interessadas avaliem em que etapa estamos no processo coletivo de cumprir os objetivos do Acordo de Paris. Isto significa analisar tudo o que foi realizado sobre ação climática, identificando as lacunas e trabalhando para resolver os desvios. Este documento está sendo desenhado desde 2021, com uma coleta de dados até março deste ano, e se encerra na COP28. Com ele, espera-se que os países fortaleçam suas políticas climáticas e os comprometimentos para acelerar a ação.
A criação das NDCs, como o nome entrega, segue um processo de baixo para cima, a partir de discussões internas dos países, além de envolver todos os signatários do Acordo de Paris. Diferentemente do Protocolo de Kyoto, que envolvia apenas os países desenvolvidos, e que tentou implementar metas de redução de cima para baixo. Isto fez com que o protocolo esbarrasse na política interna dos países, como o Estados Unidos, que não ratificou o acordo. No entanto, o GST vai apontar que estamos bem aquém do necessário para cumprir a meta de 1,5 graus, enquanto os processos de mitigação também deixam a desejar. Além disso, o documento vai mostrar que há uma grande distância entre aquilo que os países em desenvolvimento precisam e o que recebem de apoio financeiro para a ação e resiliência climática.
“Essa obrigação já não vem desde 2015, quando o Acordo de Paris foi criado, então obrigação eles não vão ter. Eu acho que foi um retrocesso com relação ao Protocolo de Kyoto, onde os países desenvolvidos tinham metas de reduções ou limitações de suas emissões de Gases de Efeito Estufa. Isso caiu por terra no Acordo de Paris até por conta de fazer com que países se engajassem sem ter muito problema”, comentou a pesquisadora sênior do INPE e vice-presidente do IPCC, Thelma Krugg.
Esforços fragmentados
O documento trata de três áreas principais: mitigação, adaptação e meio de implementação, mas também considera perdas e danos. Nesta sexta, chefes de Estado e de Governo discutem e consideram as conclusões da avaliação técnica do GST sobre a adaptação. Até o momento, as conclusões são de que coletivamente há uma ambição crescente nos planos e compromissos para ações e apoio à adaptação, mas a maioria dos esforços são fragmentados e distribuídos de forma desigual entre as regiões. Além disso, percebeu-se que, quando a adaptação parte de contextos locais, tanto a adequação como a eficácia das ações e do apoio são melhoradas.
Também está na avaliação técnica que evitar e minimizar as perdas e danos exige uma ação urgente em todas as políticas climáticas e de desenvolvimento para gerir os riscos e fornecer apoio às comunidades afetadas. Por fim, os mecanismos de financiamento têm que ser rapidamente ampliados. Nesta quinta-feira (30/11), firmou-se o acordo de que o fundo de perdas e danos será gerido pelo Banco Mundial por quatro anos, além de serem anunciados os primeiros aportes, da ordem de U$S 400 milhões.
Para especialistas, o Balanço Geral é o momento de definição da ambição climática e da revisão do que foi feito até então e o Brasil terá uma postura construtiva a fim de desbloquear os caminhos para um acordo político, para isso está alinhado à China e ao G77, bloco que reúne os países em desenvolvimento. Além disso, o país tem total possibilidade para liderar a pressão por novas NDCs por ter a maior parte da sua matriz energética baseada em energias renováveis e não em combustíveis fósseis.
Em coletiva de imprensa no dia 20 de novembro, André Corrêa Lago, embaixador do Ministério das Relações Exteriores e negociador-chefe do Brasil, disse que o objetivo é chegar à COP30 como uma espécie de “paladino do 1,5 graus” pressionando outros países a também serem mais ambiciosos. O Brasil quer que a discussão sobre GST trate da implementação, sobretudo de financiamento, tecnologia e capacitação a favor de países em desenvolvimento.
Excesso de expectativa
Quanto à possibilidade de resultados negativos, Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa, explica que ela existe não só em relação ao GST, mas quanto a todas as negociações. Por isso, o documento precisa estabelecer relação com as NDCs. “No caso do GST, seus desdobramentos precisam ficar claramente direcionados a mecanismos multilaterais ou então a processos nacionais. Por isso, a expectativa de que suas conclusões informem as próximas NDCs. Isso será fundamental”, avalia Unterstell.
O professor de direito internacional da Unifesp João Alberto Alves Amorim acredita que está sendo depositada uma expectativa muito grande, mesmo que o inventário seja concluído de forma detalhada e alarmante na COP28. Ele lembra que as metas atuais, mesmo que fossem cumpridas, não são suficientes para manter a temperatura média global com um aumento de 1,5 graus celsius.
“O que se espera é que essa constatação force os países a alterarem as suas NDCs para assumirem compromissos mais ousados. Muito embora esse tipo de comportamento dos Estados não precisa que o inventário seja aprovado e publicado ao final da COP, né? Todos os países já sabem da emergência climática, todos os países já sabem que nós estamos fazendo muitíssimo pouco e de forma muito lenta, de forma muito tímida, para tentar cumprir as metas do Acordo de Paris”, encerra.
*Bibiana Maia – Jornalista formada pela PUC-Rio com MBA em Gestão de Negócios Sustentáveis pela UFF. Trabalhou no Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio) e nos jornais O Globo, Extra e Expresso. Atualmente é freelancer e colabora com reportagens para jornais e sites.
Fonte: Projeto Colabora
Publicação Ambiente Legal, 03/12/2023
Edição: Ana Alves Alencar
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