Por Vladimir Passos de Freitas*
O ano de 2023 possibilitará ao presidente da República Lula da Silva nomear dois ministros para o Supremo Tribunal Federal. A primeira vaga surgirá no dia 11 de abril próximo, decorrente da aposentadoria do ministro Ricardo Lewandowski. A segunda, no dia 2 de outubro, em razão do jubilamento da ministra Rosa Weber.
As vagas despertam enorme interesse em amplo e variado número de interessados, pois significa possibilidade de acesso a um dos mais cobiçados cargos públicos da República. Além do poder que o cargo traz consigo, alargado nas últimas três décadas pelo crescimento da relevância do Poder Judiciário na estrutura do Estado, ele traz a vantagem de ser vitalício, ao contrário dos existentes nos Poderes Executivo e Legislativo.
Os vencimentos são bons (R$ 41.650,92 a partir do dia 1º de abril passado), sendo tolice considerá-los pequenos em comparação com os de CEOs de grandes empresas, públicas ou privadas, ou advogados consagrados. Os vencimentos dos ministros estão atrelados a remunerações do serviço público, devem guardar coerência com os dos demais servidores e com as finanças do Estado. Os dos CEOs e dos advogados mais famosos regem-se pela política de mercado.
Por outro lado, é ingenuidade supor que alguém procura nomeação ao cargo de ministro em razão dos vencimentos. Na verdade, o atrativo maior é o poder, que é a paixão mais permanente do homem. E, em alguns casos, o desejo de interferir positivamente nas mudanças, o que só se faz, sempre ou quase sempre, tendo poder. Ninguém muda nada em conversa de mesa de bar.
Feita esta introdução, vejamos a debatida questão da forma de provimento. O Brasil adota sistema idêntico ao dos Estados Unidos, copiado quando editada a nossa primeira Constituição da República, em 1891. O presidente da República indica um nome que tenha notável saber jurídico e reputação ilibada e o submete ao Senado, que precisa aprová-lo por maioria absoluta para que possa ser nomeado (artigo 101 da Constituição).
Este sistema destoa da maioria absoluta dos países. Excluindo da análise os tribunais constitucionais e focando apenas em Cortes Supremas, registra-se que no Canadá eles são nove, devendo ser indicados entre juízes de tribunais superiores e advogados. Na Itália, onde a Corte de Cassação ocupa o ápice do Poder Judiciário, todos os seus juízes são de carreira. No México, o presidente da República indica três nomes e o Senado escolhe um. No Chile, a corte tem 21 ministros, sendo que 16 são juízes de carreira e cinco advogados com pelo menos 15 anos de atividade profissional. No Paraguai, abre-se um concurso com examinadores de origens distintas e o candidato se habilita. Além dos requisitos de rotina (v.g., mínimo de 35 anos de idade), o interessado deve ter título universitário de doutor. Há um sistema de provas progressivo, que começa por uma escrita, depois o exame de titulação, com o máximo de 35 pontos, e termina com uma arguição oral pública (20 pontos), transmitida pela internet.
Como se vê, cada país adota uma forma de escolha daqueles que vão exercer a importante função, as quais variam em razão da história, tradições e cultura. Do ponto de vista de transparência e participação da sociedade, o sistema paraguaio pode ser citado como um bom exemplo para a América Latina.
Um segundo aspecto que passou a despertar o interesse dos brasileiros é a sugestão de que os ministros das Supremas Cortes tenham mandato temporário, não sejam vitalícios no cargo. Esta proposta, que não esconde uma insatisfação com o STF da atualidade, é prática comum nos tribunais constitucionais criados após a Segunda Grande Guerra Mundial. Assim, por exemplo, no da Alemanha os juízes constitucionais permanecem no cargo por 12 anos e, no de Portugal, durante dez anos. O mandato temporário tem por objetivo alternar, atualizar, a interpretação da Constituição por conta das mudanças que o tempo proporciona.
Que vantagem isto traria ao STF brasileiro? Possivelmente, nenhuma. Um ministro vitalício tem mais condições de resistir às pressões de natureza política, econômica e — mais do que tudo — midiática, a que venha a ser submetido do que um colega com mandato. Sim, porque a perda do cargo só se dá em situações excepcionais ou, na nossa tradição, não se dá. Já o temporário tem que pensar no futuro, que eventualmente pode estar próximo, ao decidir uma complexa ação que se encontra em suas mãos. A imparcialidade fica, em tese, mais comprometida.
E nem se use como justificativa o argumento de que se ele for um mau juiz poderá ficar no cargo por décadas. O raciocínio é equivocado, pois, da mesma forma, se ele for um bom juiz, poderá ficar no cargo por décadas.
Vejamos agora o terceiro aspecto, qual seja, quem poderá ser indicado na próxima vaga pelo presidente Lula da Silva. As especulações são várias, desde nomes fortes até ilustres desconhecidos. Não se afasta a hipótese de que alguns divulguem, através de terceiros, tal possibilidade, para divulgar o próprio nome.
A indicação, no nosso sistema, é única e exclusivamente do presidente da República e, por isso, pode ser quem ele bem entender. Isso pode dar-se em razão da afinidade ideológica, amizade pessoal, pressão política, certeza de que será sempre um voto favorável ou até mesmo por ser um nome que preenche todas as condições previstas no artigo 101 da Constituição.
Em mandatos anteriores, o presidente Lula da Silva indicou e nomeou Cezar Peluso (magistrado), Ayres Britto (procurador público), Joaquim Barbosa (MPF), Menezes Direito (magistrado), Dias Toffoli (advogado), Ricardo Lewandowski (magistrado) e Cármem Lúcia (professora). Tais indicações, na sua maioria, foram técnicas e não políticas.
Atualmente as pressões de grupos ou minorias é muito maior. Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, o presidente Lula da Silva afirmou: “se vai ser negro, se vai ser mulher, se vai ser homem, é um critério que eu vou levar muito em conta na escolha” (Folha, 7/4/2023, A4). Portanto, não sinalizou qualquer prioridade.
Nada há de errado na pressão de grupos, faz parte do jogo democrático. Mas causa surpresa a ausência de reivindicações da magistratura, que no passado ofereceu grandes nomes ao STF. Causa espanto também a inércia das regiões Norte e Centro-Oeste, que nunca são lembradas e nada fazem para que isso aconteça.
Mas afinal, o que se espera do presidente da República? Ninguém pode supor que vá indicar um desconhecido, com base apenas no seu currículo. Certamente o fará escolhendo alguém com quem tenha afinidade em vários aspectos, principalmente ideológico. Mas é justo que dele se espere uma opção que recaia sobre alguém de caráter, que tenha uma vida profissional inatacável e que, na trajetória, tenha demonstrado saber relacionar-se com a diversidade nos seus múltiplos aspectos.
O conhecimento jurídico, por óbvio, será o complemento indispensável, titulação acadêmica, obras publicadas e o magistério superior dão suporte teórico para julgar as intrincadas discussões que sobrevirão.
Em suma, o Brasil acompanha e aguarda ansioso a indicação do novo ministro. A história avaliará o presidente da República pela escolha que vier a fazer neste momento. Por isso, dele se espera uma ação em que o interesse público se sobreponha ao particular.
*Vladimir Passos de Freitas é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, pós-doutor pela FSP/USP, mestre e doutor em Direito pela UFPR, desembargador federal aposentado, ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça, promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca), da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).
Fonte: ConJur
Publicação Ambiente Legal, 10/04/2023
Edição: Ana Alves Alencar
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