Por Vicente Gomes da Silva
À luz do art. 36, da Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC, regulamentado pelo Decreto 4.340, de 22 de agosto de 2002, percebe-se que a compensação ambiental foi inserida no ordenamento jurídico para minimizar os efeitos e danos ambientais com a implantação de projetos de interesse econômico e maneira de retribuir e recompensar a coletividade pela utilização dos recursos ambientais de destinação coletiva em proveito e beneficio da atividade econômica, em razão da destruição de florestas e outros ecossistemas, notadamente por empreendimento causador de significativo impacto ambiental comprovado por meio de estudos ambientais.
O montante de recursos a ser destinado pelo empreendedor com a finalidade de compensação não pode ser inferior a 0,5% (meio por cento) dos custos totais previstos para a implantação do empreendimento. O Decreto 4.340/2002 fixa os critérios técnicos da compensação, dentre os quais se destacam: o órgão ambiental fixará a compensação a partir do grau de impacto causado pelo empreendimento; o grau de impacto deverá ser determinado a partir dos estudos ambientais realizados quando do processo de licenciamento; os impactos negativos, não mitigáveis e passíveis de riscos, que possam comprometer a qualidade de vida de uma região ou causar danos aos recursos naturais precisam ser considerados; os percentuais deverão ser fixados, gradualmente, a partir do percentual de 0,5% dos custos totais previstos para a implantação do empreendimento.
Em sede de cognição abstrata da norma, e pelo menos em estrito juízo de delibação, nos parece que a compensação ambiental é de natureza retributiva e funda-se essencialmente no princípio usuário-pagador e, reflexamente, nos princípios poluidor-pagador, da reparação, da precaução e da prevenção, os quais, entre outros, dão lastro e sustentação à base da legislação ambiental nacional e internacional sobre a preservação ambiental enquanto bens indisponíveis e de titularidade coletiva.
Não se pode ignorar o fato que, à primeira vista, a compensação ambiental se assemelha à figura jurídica dos tributos, portanto, se trata de prestação pecuniária obrigatória, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa vinculada (art. 3º do Código Tributário Nacional).
O grande desafio está em saber se a exigência da compensação ambiental viola o princípio da legalidade, conforme o disposto no art. 5º, inciso II, da Constituição Federal, ao assegurar que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. A lei, em sentido formal, é condição sine qua non para estabelecer, nos moldes do art. 150, inciso I, da CF, e art. 97 do CTN. O que aparentemente o legislador ordinário delegou à autoridade administrativa foi a competência para a fixação dos critérios e metodologias de cálculo dos valores da compensação ambiental.
A título de ilustração, convém relembrar os princípios que dão lastro e sustentam a legislação ambiental para efeito de discussão da matéria.
O princípio do usuário-pagador diz respeito à valorização econômica dos recursos ambientais. O pagamento pelo uso dos recursos ambientais tem caráter de retribuição (lato senso).Também podemos chamá-la de contrapartida, que deve ser disponibilizada pelo usuário em favor da coletividade em decorrência do uso de bens de interesse coletivo.
Desta forma, o princípio usuário-pagador, que recai sobre um recurso natural que pertence à coletividade, em nada se assemelha às exigências e cobrança dos impostos e tributos de modo geral. Por outro lado, como toda obrigação deve ser criada por lei, a compensação também o foi, com a distinção que se destina a retribuir e recompensar a sociedade pela utilização dos recursos ambientais de destinação coletiva em proveito e beneficio da atividade econômica.
Por sua vez, o princípio poluidor-pagador visa impedir que a sociedade suporte os custos da recuperação de um ato lesivo ao meio ambiente causado por uma atividade poluidora. Fundamenta-se, também, na valorização econômica dos recursos ambientais, impondo ao poluidor a obrigação de evitar e reparar os danos ambientais por ele perpretados. Conseqüentemente, o poluidor-pagador é obrigado a pagar pela poluição que der causa ou vir a causar ao meio ambiente em razão de sua atividade econômica e por utilizar-se dos recursos ambientais que não lhe pertencem, inclusive com repercussão na órbita penal, dando ensejo à aplicação da responsabilidade objetiva com sede no art. 225, § 3º, da CF, e art. 14 § 1º, da Lei 6.938/81.
O princípio da reparação associa-se ao princípio da responsabilidade objetiva, inaugurada no art. 14, parágrafo único, da Lei 6.938/81, da Política Nacional de Meio Ambiente, e determina a elaboração de leis nacionais que assegurem indenização às vítimas da poluição e outros danos causados ao meio ambiente.
A precaução caracteriza-se pela ação antecipada, diante do risco ou do perigo. A Declaração da Conferência da Rio-92, no seu princípio 15, determina que o instituto da precaução deverá ser amplamente observado pelos Estados de acordo com suas capacidades e, quando houver danos sérios ou riscos irreversíveis ou ausência de certeza cientifica, devem ser postergadas iniciativas economicamente viáveis, mas passíveis de provocar degradação ambiental.
Já a prevenção se exterioriza no dever jurídico e na obrigação de evitar a consumação de danos ao meio ambiente para proteger a saúde humana, bem como prever e prevenir, na origem, as causas da redução ou perda da diversidade biológica.
Assim, a figura jurídica da compensação ambiental não pode ser analisada como os demais tributos. A compensação ambiental é obrigação que atinge tão-somente o empreendedor e é fixada com base em critérios objetivos e legais, previstos em lei, em sentido formal, e decreto de regulamentação. Evidente está que difere dos demais tributos que atingem os contribuintes de forma genérica.
Fica claro, também, que a lei não deixou ao alvedrio da autoridade administrativa a fixação de critérios e do percentual da compensação de cada empreendimento. Pelo contrário, impõe que a exigência da compensação se dê nos casos de licenciamento ambiental de significativo impacto, o qual deve ser aferido nos estudos realizados durante o processo de licenciamento, com fundamento no EIA/RIMA, assim como no Decreto 3.340/2002, que cuida de exigir que o grau de impacto deve ser determinado a partir dos estudos ambientais realizados quando do processo de licenciamento, considerando-se os impactos negativos não mitigáveis e passíveis de risco, que possam comprometer a qualidade de vida de uma região ou causar danos aos recursos naturais de certa localidade.
Há que se notar que a lei fixou o mínimo minimorum de meio por cento e somente a partir da efetiva constatação de grandes impactos ambientais, não mitigáveis e passíveis de colocar em risco a qualidade de vida da região e dos recursos ambientais é que o percentual pode ser fixado acima do referido patamar..
Em outra vertente, não nos parece também acertada uma análise puramente sob o enfoque da indenização do art. 944, do Código Civil, com o fito de apurar a extensão do dano, a qual é pautada pela culpa, negligência, imprudência ou imperícia que obrigam a indenizar em virtude da violação do direito de outrem.
A compensação ambiental decorre de princípios inteiramente diferentes daqueles previstos nas regras que dão base ao direito privado. A possibilidade de fixação de percentual superior ao mínimo previsto no art. 36 da Lei decorre da natureza e das peculiaridades da atividade que informam a norma jurídica. O administrador não tem liberdade moto próprio para o aumento do percentual da compensação. Trata-se de ato administrativo regrado e vinculado às exigências da norma jurídica.
É importante lembrar que o processo de licenciamento ambiental ocorre em ambiente público e com a efetiva participação da comunidade residente no local de implantação do empreendimento, especialmente para discussão sobre sua viabilidade socioeconômica, ambiental, técnica e jurídica, além do volume de recursos que serão necessários para custear a compensação ambiental na área de influência do projeto, inclusive com a efetiva participação do empreendedor no processo de discussão.
Assim, o licenciamento ambiental é essencialmente fruto de participação coletiva e instrumento de viabilização do consenso, visando resguardar antagônicos e conflitantes interesses identificados no processo de licenciamento ambiental.
Por isso, em que pese a aparente natureza jurídica de tributo da compensação ambiental, entendemos que a Lei 9.985/2000 e o Decreto 3.340/2002, não ferem o princípio da legalidade imortalizado no artigo 5º, da Constituição Federal.
Ora, se o princípio do poluidor-pagador constitui o fundamento primário da responsabilidade civil e, por outro lado, a compensação ambiental é a forma de implementação do princípio de direito ambiental, não resta dúvida que a compensação ambiental possui natureza eminentemente retributiva e de recompensa, sem exigência de rigor técnico ou jurídico em sua conceituação, para que consista em uma espécie de contribuição à sociedade pelos danos ambientais provocados em decorrência da implantação de empreendimentos com grandes impactos ambientais, públicos ou privados, de interesse social ou com finalidade econômica.
Sob esse enfoque, a instalação de empreendimentos que causam significativo dano ambiental coloca à disposição dos empreendedores um bem de interesse jurídico qualificado, mas de titularidade coletiva, para uso e exploração com finalidade econômica, o que justifica a retribuição representada pela compensação ambiental.
Neste sentido, a redação do parágrafo 1º, do art. 36, da Lei 9.985, de 2000, assim como seu decreto regulamentador, não permitem conclusão diversa, eis que a compensação ambiental é calculada de acordo com o grau de impacto ambiental causado pelo empreendimento.
À guisa de conclusão, respeitados os princípios da eficiência, conforme preconizado no art. 37, da CF, da proporcionalidade e da razoabilidade, bem como os critérios objetivos previamente estabelecidos na Lei do SNUC e na Resolução 371/2006, do CONAMA, é certo afirmar que, desde que comprovado por meio de estudos ambientais, o empreendimento causador de significativo impacto pode ser alvo do percentual superior a 0,5% dos custos de implantação do projeto, de acordo com critérios técnicos aprovados pelo órgão ambiental competente, em ato normativo próprio, para garantir a preservação de outras unidades de conservação ou criação de novas unidades para compensar os danos causados em decorrência daquela atividade, assim como retribuir e recompensar a sociedade pelo uso dos recursos ambientais de titularidade coletiva.
* Vicente Gomes da Silva é procurador federal desde 1984. Advogou nas áreas de direito Penal, Família, Cível e Trabalhista. Foi procurador do IBAMA e consultor do Ministério do Meio Ambiente. Autor de inúmeros artigos publicados em revistas especializadas de Direito Ambiental e do livro Comentários á Legislação Ambiental, que trata com ousadia de temas como a possibilidade de se fazer mineração em florestas nacionais e a recomposição das áreas de reserva legal nas propriedades da Amazônia mediante o plantio de florestas de rendimento.