Campos Machado
Na noite de 16 de novembro de 1963, quando Dalmo Gaspar se encaminhou calmamente para a marca do pênalti, com a bola nas mãos, aos 30 minutos do primeiro tempo, tanto os que lotavam o Maracanã como os que estavam de olhos grudados na TV, espalhados por todo o Brasil, mal conseguiam conter a ansiedade. E quando ele, com precisão milimétrica, colocou-a nas redes, consumando gol que, apesar de acertar o canto, o goleiro do italiano Milan, Balzarini, não conseguiu evitar, o País, literalmente, explodiu em eufórico delírio.
O Santos estava bem próximo de conquistar a Copa Intercontinental, equivalente ao Campeonato Mundial de Clubes de hoje, encerrando, assim, quinquênio de ouro do nosso futebol, desde que, em 1958, conquistáramos em campos da Suécia nossa primeira Copa do Mundo e o País, segundo Nelson Rodrigues, perdera de vez o complexo de ‘vira-latas’. O título acabou se consumando com aquele único gol e se enganavam os que pudessem pensar que o discreto lateral-esquerdo que tornou esse sonho brasileiro possível assegurara ali velhice tranquila.
Pelo contrário, os jornais noticiaram há dias sua morte, pobre e esquecido, pouco após a filha anunciar que leiloaria medalha de ouro ganha por ele naquela conquista, para fazer frente aos gastos com seu tratamento do mal de Alzheimer. É triste constatar o desfecho de histórias como essa, que, como é lógico imaginar, tinha tudo para garantir ao seu protagonista fim de vida de glórias, à altura da façanha por ele tornada realidade. Mas esse, infelizmente, não é o rumo natural das coisas e devemos enxergar no episódio alerta e oportunidade para reflexão.
O alerta cabe especialmente a talentosos craques que, no Brasil ou no Exterior, usufruem de salários nababescos e confortos idem. O que se vê, na maioria dos casos, é descaso em guardar para quando o outono da vida chegar. Antes de apressarem-se em gastar o que ganham e mais um pouco, quase sempre em luxo, ostentação e ruidosas festanças, deveriam atentar para a triste história de Dalmo, cruel retrato de como tudo isso é efêmero.
Espera-se de nossas autoridades reflexão sobre como tratamos mal nossos heróis, que, invariavelmente, tão logo se esgote sua capacidade de alimentar o ufanismo pátrio, são relegados ao abandono e ao esquecimento. Já é hora de assegurar a esses esportistas fim de vida digno, compatível com seus exemplos de disciplina, talento e cidadania, que inspiraram gerações de brasileiros. Sem que, para tanto, sejam obrigados a vender medalhas ou troféus que são marcas indeléveis de tantas glórias e conquistas, que emocionaram e encheram de orgulho a todos nós.
Publicado originalmente no Diário do Grande ABC (pág. 2 – Ed. 16061, de 15/2/15 – domingo)
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Campos Machado é deputado estadual, presidente do PTB-SP, secretário-geral da executiva nacional do PTB e líder do partido na Assembleia Legislativa de São Paulo.