Ministério Público Federal destrói o teatro Crowne Plaza
Por Pedro Mastrobuono
A sensação é de completo abandono, para aqueles que atuam na área da proteção ao patrimônio cultural.
Já não bastasse a recente negativa do Tribunal de Justiça de São Paulo, de não mais devolver o Teatro Hilton à fruição cultural da cidade, descobre-se agora que o MPF paulista, literalmente destruiu o Teatro Crowne Plaza.
Tal atitude choca extamente por partir de uma instituição que tem o dever legal de zelar e proteger nossos prédios com valor histórico e cultural, deixando-nos com um aperto no peito e a constatação de orfandade.
A cultura é vista e tratada juricamente com um bem jurídico especial, um sistema ambiental próprio. E por que? Justamente pelo fato de ser elemento predominante na formação da identidade de um povo.
Uma determinada tribo indígena percebe-se diferente de outras comunidades silvícolas, por suas manifestações culturais. É através de danças, pinturas corpóreas, alimentação, jeito de professar a fé, que um indivíduo se sente integrado, parte de uma comunidade específica, ou não.
Queira-se ou não, nossa brasilidade é reconcida até internacionalmente pelas musicas que compomos, pelas caipirinhas que fazemos, por nosso apego ao futebol. Através de nossas manifestações culturais, somos reconhecidos e nos reconhecemos por iguais.
Patrimônio tão relevante quanto o natural, a cultura é uma riqueza do mesmo porte da biodiversidade, da água, da atmosfera, senão mais.
Essa a razão pela qual agressões ao patrimônio cultural são previstas no corpo da Lei de Crimes Ambientais (lei n. 9.605 de fevereiro de 1998), diploma legal que dedica uma inteira seção às sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente cultural (artigo 62 e seguintes).
A simples leitura dos artigos referidos deixa claro que encontram proteção legal edificações em razão de seu valor paisagístico, ecológico, artístico, turístico, histórico, religioso, arqueológico, etnográfico e cultural. Estão sob a proteção da lei os museus, as pinacotecas, as bibliotecas e, também, os teatros.
Ora, como não se quedar chocado quando a instituição que zela pela proteção do meio ambiente, destrói um importante instrumento cultural como o Teatro Crowne Plaza?
Quando o Ministério Público Federal decidiu reformar o prédio do antigo hotel homônimo, o teatro teve sua atividade abruptamente paralisada, sendo que as temporadas das peças “Flores Brancas”, “A Arte do Insulto”, “O Cópia” e “Os três porquinhos e o Lobo Fanfarrão” foram encerradas antes do previsto.
Ocupar prédios que ostentam luxo, como antigos hotéis, virou um padrão nas carreiras jurídicas públicas – e quem paga a conta é o contribuinte. Agora, aquilo que ninguém poderia supor, é que o teatro – patrimônio construido justamente para socializar culturalmente a edificação, viria abaixo na aludida reforma do antigo hotel Crowne (e o contribuinte, assim, sai perdendo duas vezes…).
Até maio de 2008, o teatro da Rua Frei Caneca era conhecido dos paulistanos por sua atmosfera intimista. Palco por onde passaram Cassia Eller, Maria Rita e Zeca Baleiro, além de dezenas de peças teatrais.
À época, o teatro era gerido pela Mamberti & Mamberti Produções Artísticas, do renomado Sergio Mamberti, sendo que Carlos Mamberti chegou a externar sua preocupação com o fechamento “ainda que temporário” das atividades:
– “Será uma perda não só para o teatro e para a cena musical da cidade, mas também para o público”.
Naquele momento, o Ministério Público Federal não quis se manifestar, deixando no ar se o teatro seria ou não reaberto futuramente.
Em artigo datado de 21/10/2008 em seu próprio Site, o MPF afirmava que a “adaptação do edifício será pautada em sustentabilidade, acessibilidade e economicidade” ( http://www.prsp.mpf.mp.br/sala-de-imprensa/noticias_prsp/noticia-8766/) , omitindo-se por completo quanto ao futuro do teatro.
Quantas e quantas vezes acompanhamos notícias de que o Ministério Público embargou obras públicas por falta de estudo de impacto ambiental, por não estar o empreendimento cumprindo com sua função social, pela obra de engenharia ou sua gestão obstar o acesso do cidadão à fruição de patrimônio cultural, social ou ambiental? Quantas ações civis públicas foram propostas? Quantas cautelares e quantas liminares foram concedidas? E o impacto no ambiente cultural, a ele nunca se referiu? E o teatro, de valor histórico e de relevância na fruição cultural dos paulistanos, não seria um interesse difuso também tutelável?
Gostos musicais à parte, eu próprio cheguei a ver ali, no Teatro Crowne, Beatles 4ever, com minha então namorada – hoje minha esposa e mãe dos meus filhos.
O teatro Crowne Plaza fez parte da minha. Fez parte da vida, também, de um sem número de pessoas.
O fato é que a identidade e memoria paulistanas, foram desrespeitadas por quem deveria tutelá-las.
O TJ SP se nega a reabrir o Teatro Hilton, o MPF destrói o Crone Plaza… Parece estar surgindo um novo padrão burocrático-predatório.
Estamos órfãos.
Doravante, quando o assunto for efetividade na proteção ao patrimônio cultural, a quem iremos recorrer?
Pedro Mastrobuono, advogado, é Diretor Jurídico do Instituto Volpi
leia também: “Choque de Realidade na Cultura” , sobre a ocupação do Teatro Hilton pelo TJSP.
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