Uma boa ideia na berlinda da Lava-jato
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro
No final… era apenas dinheiro.
Um movimento libertador, economicamente fundamentado, agressivo e capaz de alterar o rumo do mercado financeiro no Brasil, cumpriu uma parábola triste.
Ao que tudo indica, o futuro da desbancarização será… o banco.
E no caso brasileiro, parte desse retorno ao início se faz por conta da ganância de uns e… da conivência de outros com a lavanderia de dinheiro sujo pelo esquema de corrupção advindo do período de governo lulo-petista.
Um grito de liberdade
A história é sincera e edificante.
Cansados de serem escravizados pela voracidade dos bancos, milhões de investidores buscaram formas alternativas para fazer suas aplicações financeiras e cuidar do próprio dinheiro.
Havia nesse movimento um grito de independência em relação ao perverso sistema financeiro. De fato, qualquer cidadão pensante, que preze sua base moral, odeia bancos e não tolera instituições e indivíduos usurários e materialistas – vendilhões de templos, pecadores que não têm outro objetivo senão o dinheiro. Esse sentimento de repulsa costuma acometer até mesmo os pequenos e médios rentistas – pessoas que aplicam seus ganhos e economias de uma vida para manterem-se na velhice.
O grande pensador do teatro moderno, Bertolt Brecht, resumia o entendimento que se têm do sistema bancário com a frase lapidar: “o que é roubar um banco… perto de fundar um?”
Pecunia non olet – “dinheiro não cheira”, respondeu ao seu filho Tito o Imperador Vespasiano, ao restabelecer a taxa de uso das latrinas públicas em Roma. Com isso, revelou não haver preocupação moral, para quem arrecada, se os rendimentos tributáveis tiveram ou não fonte lícita ou moral.
Vale para fisco, vale para o Bancos – que, aliás, ficaram na alça de mira dos Estados Nacionais, nas últimas décadas, justamente por conta do suporte que prestaram à corrupção de Estado, ao crime organizado e ao terrorismo internacional… tudo graças à máxima romana…
Essa rejeição moral aos bancos justificou em grande parte a motivação dos rentistas ocasionais em buscar algo “mais aceitável”… para aplicar o seu dinheiro. Justifica, também, a desconfiança generalizada dos detentores de pequenas economias, que não se bancarizam nunca.
Não foi à toa que o movimento pela desbancarização cresceu vertiginosamente no Brasil, terra do mais caro, perverso e cartelizado sistema financeiro do mundo, onde bancos ganham até mesmo quando os consumidores dos seus serviços são empurrados para a miséria, a juros imorais de dois dígitos…
A “desbancarização”, portanto, mais que um “sistema”, é um ideal, um grito de independência – uma oportunidade de buscar bons investimentos no mercado, conforme o perfil do investidor, sem necessidade deste se submeter aos termos ditados pelo cartel financeiro, sem pressão do gerente do banco onde se tem a conta.
Libertação da política de “pontuação” condicionada á compra dos serviços do banco.
A dimensão da economia não bancarizada
A desbancarização é bandeira de quem está no sistema e quer sair. Mas, também é a bandeira de quem está fora e não pode ou não quer entrar – os não bancarizados.
Gente com dinheiro, sem possuir nenhuma conta em banco, não falta. Há cerca de 55 milhões de brasileiros que não possuem conta corrente ou poupança, de acordo com um estudo do Instituto Data Popular – uma instituição independente que surgiu no mercado em 2002 e se transformou em grande referência em pesquisa, sobre o consumo popular e conhecimento
do Brasil real, para além da propaganda enganosa do sistema financeiro.
A massa de não bancarizados é grande, 39,5% dos moradores do país com mais de 18 anos, responsáveis por uma movimentação de aproximadamente 665 bilhões, segundo o Instituto. Vale dizer – gente que movimenta dinheiro mas é segregada pelo perverso sistema bancário do Brasil.
Os desbancarizados estão presentes em todas as camadas da sociedade: 11% dos brasileiros (6 milhões) pertencem a classe alta, 37% (20 milhões) fazem parte da classe baixa e 48 % (29 milhões) são oriundos da classe média.
Nos estados do Norte e Nordeste, cerca de metade da população não possui conta bancária. Já no Centro Oeste, esse percentual cai para 31% dos adultos, enquanto que nas cidades do Sul e do Sudeste, a proporção é parecida, ficando na casa dos 30%.
As mulheres – as grandes administradoras da economia doméstica, compõe o núcleo dos não bancarizados – são a grande maioria e concentram-se na faixa etária entre 25 e 59 anos.
Essa massa de 55 milhões de brasileiros odeia bancos, sentem dificuldades para chegar às agências bancárias – especialmente os moradores de cidades pequenas do interior – sofreram com dificuldades de cadastro, com dívidas e com a sensação de perda de dinheiro, preferindo ter o valor à mão.
As regras da desbancarização
A realidade da economia não bancarizada e a pressão pela desbancarização cresceu muito com o reforço dos programas de transferência de renda governamentais, obrigando o Banco Central e a CVM – Comissão de Valores Mobiliários a regulamentar a demanda.
Refém tradicional do cartel financeiro, o Estado demorou mas resolveu ceder a desbancarização.
A Comissão de Valores Mobiliários saiu na frente, instituindo o perfil do Agente Autônomo de Investimentos em 2011, por meio do regulamento CVM 497/2011, permitindo a distribuição e prestação de serviços e informações financeiras de forma independente.
Já o Banco Central regulamentou os cartões pré-pagos em 2013. A regulamentação estabeleceu quais empresas poderiam atuar no mercado e as normas do funcionamento dos pagamentos via telefone celular, submetendo á supervisão do órgão todos os serviços envolvidos com a operação dos cartões pré-pagos – operadoras de telefonia móvel, cartões de crédito, bancos e empresas não financeiras.
O sistema de contas de pagamento é um achado. Criou-se uma conta corrente virtual em que é possível depositar, sacar, transferir e pagar contas sem estar submetido à tirania de uma agência bancária.
De acordo com informações do Grupo Setorial de Pré-Pagos (GSPP), os cartões pré-pagos já estão gerando movimentações que ultrapassam 100 milhões de reais por ano e a expectativa é que até o ano de 2020, os pagamentos realizados através de cartões pré-pagos representem 10% de todas as transações efetuadas no Brasil. Instituições bancárias. inclusive, já estão ofertando a referida modalidade de pagamento.
Conforme informações da Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs), a metade dos salários no Brasil é paga em espécie, pois grande parte dos funcionários não possui conta em nenhum banco. Assim, a adesão do sistema pré-pago tem possibilitado ao trabalhador não bancarizado receber sua remuneração através do cartão.
O descontrole e a Lava-Jato
A Operação Lava-Jato está derrubando mitos políticos, desmascarando fenômenos empresariais e, também, revelando o uso indevido de mecanismos financeiros que visavam oxigenar o mercado – como é o caso da desbancarização.
A ganância não encontrou limites. Rentistas e possuidores de parcas economias acreditaram em um fenômeno que parecia ser libertador e, assim, se prestaram, sem o saber, a servir de escudo humano para mecanismos de lavagem de dinheiro extravasado do maior assalto jamais antes ocorrido à economia de um país.
No Brasil, sonhar é permitido, desde que o sonho seja adquirido de um vendedor comprável ou termine em corrupção.
Duas vertentes da desbancarização foram afetadas pelo problema.
A primeira vítima foi o cartão pré-pago. Uma grande ideia, extremamente útil, porém de controle limitado.
Com efeito, um dos grandes benefícios do cartão pré-pago é que ninguém precisa apresentar qualquer documento que comprove a sua renda atual para ter acesso. Até mesmo as pessoas que estão passando problemas financeiros e se encontram negativados podem obter um cartão pré-pago.
No entanto, essa brecha, libertadora para o cidadão comum, também permitiu ao crime organizado articular meios de pagamento pulverizados. Para piorar, as lavanderias instituídas pelo maior assalto operado aos cofres públicos de um país em toda a história (corrupções e favorecimentos ocorridos nos governos petistas), também passaram a se utilizar do sistema.
A Operação Lava-Jato aproximou sua lupa para ver o fenômeno com detalhes, enfrentando dificuldades, pois não havia ainda ocorrido a captura dos dados do mercado de cartões pré-pagos. Para se ter uma ideia, a própria Abecs (Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços) passou a fazer esse levantamento no ano de 2016.
A “bancarização” dos desbancarizados…
A segunda vertente foi a desbancarização dos investimentos.
A Operação Lava-Jato encontrou uma razão estrutural para o curioso fenômento do crescimento exponencial de alguns operadores de investimentos autônomos surgidos com a “desbancarização”: a lavagem de dinheiro.
Os volumes movimentados pelo negócio bilionário da corrupção institucionalizada nessas duas primeiras décadas do ségulo XXI, no Brasil, transbordaram para o mercado independente, como forma de fuga do rígido controle da COAF sobre o sistema bancário.
Com o aperto do cerco de investigação sobre o mercado financeiro, vários “cases” incensados pela imprensa burra – especializada em lamber sapatos de grife dos endinheirados, foram obrigados a “mudar a sua história”.
Não são poucos os corretores autônomos que tiveram de detalhar os investidores, movimentações, factibilidade dos investimentos e demonstração verossímel dos retornos lucrativos registrados.
A hecatombe da Lava-Jato na “desbancarização”, ao que tudo indicava, poderia acarretar uma corrida às corretoras, sem precedentes, prejudicando o mercado formal. Para evitar o desastre, judiciário, ministério público, CVM e Banco Central, agiram de forma discreta. Em certos casos, ao que tudo indica, determinaram aos tiranossauros do sistema – os grandes bancos, que tratassem de devorar alguns ícones da desbancarização, apanhados na malha da operação lava-jato.
Algumas dessas empresas previam uma oferta pública de ações em bolsa, algo que poderia consolidar o movimento de desbancarização…. No entanto, prevendo-se mais uma bolha, foram desaconselhadas tanto quanto conduzidas à “bancarização”…
Dizem que o fato de algumas dessas operações serem caríssimas decorre da necessidade de dissimular no cronograma os enormes custos com a desmobilização das lavanderias armadas no bolo da carteira de clientes – na verdade um passivo, não um ativo.
Na medida em que a verdade venha a subir à tona da lama, a operação de aquisições construída sob a orientação dos agentes reguladores do mercado, irá conferir segurança necessária para que os esquemas criminosos sejam desmontados sem afetar rentistas inocentes, que acreditaram na propaganda…
Propaganda enganosa…
De outro lado, falando em propaganda, a aquisição pelos bancos de alguns dos ícones da desbancarização, confere uma moral condenável à parábola dos heróis do movimento.
O fato, independentemente de implicações financeiras ou policiais, desmoraliza o espírito do negócio e destrói a credibilidade do movimento, especialmente a propaganda.
O dano ao movimento de desbancarização, para o setor rentista, parece ser irreparável. Fontes ouvidas no mercado, em face de algumas aquisições pesadas de corretoras conhecidas pelos bancos, transmitiram a sensação de que, para os operadores, os investidores são peixes em cardumes, que fogem da rede dos bancos para cair na rede da desbancarização, a qual, por sua vez, devolve o cardume aos bancos…
Triste capitalismo dos amigos, dos projetos sem conteúdo, das idéias condicionadas ao dinheiro que as compra e, sobretudo, da falta de mérito.
É regra do mercado publicitário e das relações de consumo que a sinceridade no ato da divulgação está diretamente relacionada com o tempo de duração do sucesso de determinado produto.
No caso da desbancarização dos investimentos, o tempo se esvai na velocidade de um lava-jato…
Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e das Comissões de Política Criminal e Infraestrutura da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB/SP. É Vice-Presidente da Associação Paulista de imprensa – API, Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View.
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