Procurador Geral de Justiça de Minas troca Promotores do caso de Mariana
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro
“Há qualquer coisa no ar, além dos aviões de carreira.”
(Barão de Itararé)
Enquanto o Brasil ainda chora com o desastre da queda do avião que levava o time da Chapecoense na Colômbia, se revolta com as manobras da Câmara contra as medidas anti-corrupção propostas pelos escoteiros da Lava-Jato e se assusta com a guerra entre os poderes da república na queda de braço entre STF e Senado Federal, instituições mineiras trabalham em silêncio e… expurgam os promotores de justiça que revolveram a lama da Samarco.
O novo procurador-geral de Justiça de Minas Gerais, Antônio Sergio Tonet, tomou posse na noite de cinco de 5 de dezembro, uma segunda feira. No dia seguinte, seu primeiro ato foi remover do posto os três promotores mais atuantes da força-tarefa, criada pelo Ministério Público do Estado para investigar o rompimento da barragem do Fundão, da mineradora Samarco (controlada pela Vale e BHP Billinton), ocorrida em novembro do ano passado.
O novo chefe do Ministério Público extraiu os promotores Mauro Ellovich, Carlos Eduardo Ferreira Pinto e Marcos Paulo de Souza Miranda da promotoria ambiental situada na sede do MPMG, em Belo Horizonte, devolvendo-os às suas comarcas de origem, em Igarapé, Ribeirão das Neves e Santa Luzia, respectivamente.
No vai e vem da novela que já se estende por um ano, há capítulos trágicos, para rir, chorar e vomitar. O capítulo do expurgo dos promotores revolve o lamaçal e causa, decerto, um imenso desconforto institucional.
“Não é triste mudar de ideias, triste é não ter ideias para mudar.”
(Barão de Itararé)
O expurgo é corolário de uma queda de braço ocorrida durante o pleito eleitoral para a escolha do Procurador Geral.
Antônio Sérgio Tonet disputou a indicação para o cargo com Jarbas Soares – um procurador com consagrado histórico na implementação do direito ambiental no Brasil. Jarbas atuou em casos emblemáticos como o desastre das barragens da Cataguazes de Papel e Celulose e da Mineradora Cataguases, e foi Procurador Geral nos governos de Aécio Neves e Antonio Anastasia. Na eleição, Jarbas foi o primeiro colocado – recebeu 572 votos, dez a mais que Tonet.
Jarbas Vasconcelos teria todo o cabedal para intervir no lamaçal da Samarco em apoio aos promotores, buscando a efetiva responsabilização das empresas envolvidas e, também, dos órgãos da burocracia ambiental do estado.
O governador petista Fernando Pimentel, porém, escolheu o segundo colocado para o posto. Sintomático que em sua mensagem à Assembleia Legislativa mineira, o governador tenha justificado o estado de calamidade por que passa Minas Gerais, atribuindo a queda do PIB à paralisação de várias atividades econômicas, citando expressamente a mineração.
“O mal do governo não é a falta de persistência, mas a persistência na falta”…
(Barão de Itararé)
O Barão de Itararé deveria ser mesmo nomeado para revolver a lama da Samarco. Talvez ali, ele encontraria a razão dessa sua frase lapidar.
Afinal, a quem interessa o expurgo?
Fontes oriundas do próprio MP mineiro, ouvidas pela imprensa, atribuem a mudança ao fato dos três promotores não concordarem com a volta das atividades da Samarco no Estado – até que todas as licenças ambientais anteriormente concedidas fossem devidamente esclarecidas.
“É uma das piores coisas que aconteceram para a gente”, afirmou Mônica dos Santos, uma das integrantes da Comissão de Moradores Atingidos de Bento Rodrigues, ao Jornal Valor Econômico. Os moradores, de fato, confiavam no trabalho dos promotores.
“Será que os novos vão se preocupar com a gente ou somente com os interesses da mineradora?”, questiona a representante.
De fato, liberar uma empresa imersa até o último fio de cabelo no lamaçal de tragédias corporativas, sangue de inocentes e vômitos de má governança, para continuar a funcionar sem que seu histórico de licenças ambientais e autorizações seja devidamente esclarecido junto ao Ministério Público, é o mesmo que desferir um tapa na cara da população atingida pelo desastre, na quinta maior bacia hidrográfica do Brasil – a do Rio Doce.
Tratando-se de um expurgo ministerial em um governo de esquerda, vale lembrar o método de Stalin – o notório ditador soviético – cujo mote era buscar o indivíduo atrás do problema – eliminado o indivíduo, eliminado estaria o problema…
Por óbvio que em matéria ambiental, a eficácia desse método equivale a tirar o sofá da sala… Vale dizer, não se resolverá com a troca dos promotores.
“De onde menos se espera, é daí que nada mesmo sairá”.
(Barão de Itararé)
A tragédia de Mariana, literalmente enlameou a quinta maior bacia hídrica do Brasil, a costa brasileira, a imagem de grandes empresas multinacionais, a gestão ambiental do governo, e o blá blá blá sobre governança corporativa sustentável apresentado em pomposas propagandas na mídia.
Remanesceu e ainda remanesce um profundo sentimento de segregação entre “pessoas que importam” e… “a gente ordinária”, que não importa nas análises de risco gerencial, nos investimentos corporativos ou nas decisões pela contenção de gastos que afetam a segurança ambiental de atividades econômicas poluentes. Essa sensação de desprezo ao próximo acompanha todo o desenrolar da tragédia nos últimos doze meses.
A resposta oficial à isso vem agora: remove-se o “obstáculo” e… tudo poderá correr como dantes.
Será? Será que a “solução” para o problema econômico do Estado de Minas Gerais será permitir que uma atividade minerária torne a funcionar sem que tenha tratado de pelo menos equacionar os danos do desastre que provocou ou esclarecer o cipoal de irregularidades administrativas em apuração?
Ambientalistas acusam o governo de estar estar vendendo a dignidade da população atingida pelo desastre e o que resta de equilíbrio ambiental na bacia do Rio Doce para auferir uns trocados com a continuidade de uma mineração que ainda não saiu da lama. Se assim for, cabe aqui uma outra conclusão do Barão de Itararé: “Todo aquele que se vende recebe muito mais do que vale” …
Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e das Comissões de Política Criminal, Infraestrutura e Sustentabilidade da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB/SP. É Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View.
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