19 de abril de 1648.
A nacionalidade brasileira e seu exército foram forjados a ferro, fogo e sangue, em Jaboatão dos Guararapes.
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro*
A nacionalidade brasileira foi forjada a ferro, fogo e sangue, em Jaboatão dos Guararapes. Ali, mazombos europeus, quilombolas africanos e nativos silvícolas se autodenominaram “patriotas” e formaram a primeira força militar nativa, com comando próprio, visando se defender de uma força regular invasora europeia.
Em Guararapes ocorreu, por isso mesmo, o nascimento do Exército Brasileiro.
Foram duas batalhas que puseram fim à vontade política dos holandeses de tomarem o Brasil para si, como afirmação de sua soberania contra o domínio espanhol. Mas a batalha que marca do dia do exército, 19 de abril, foi a primeira.
De fato, as Batalhas dos Guararapes foram as principais ações bélicas ocorridas no Nordeste brasileiro contra a presença dos holandeses na região. Deflagradas em abril de 1648 e fevereiro de 1649, as batalhas enfraqueceram as posições holandesas na colônia portuguesa, o que culminou com a saída dos flamengos em 1654.
Não foram batalhas regulares, as forças “patriotas” implementaram uma ação militar com táticas de guerrilha.
As Batalhas dos Guararapes foram confrontos de desesperados. Revelaram o desespero de uma população abandonada à própria sorte pela potência colonizadora, que viu-se obrigada a se assumir como nação, contra uma nação consolidada, que buscava, em território estrangeiro, afirmar sua soberania, ocupando terras do reino que a escravizava. Esse o contexto da ocupação holandesa no Nordeste da colônia portuguesa nas Américas.
A ocupação holandesa de territórios portugueses ocorreu quando o Reino de Portugal passou a ser administrado pelo Reino da Espanha, após a morte de dom Sebastião, em 1580. Os Países Baixos, dos quais a Holanda era a principal província, também eram possessão espanhola e estavam em guerra para conseguir a independência em relação à dominação ibérica.
Para isso, a Holanda criou a primeira grande empresa multinacional do mundo, a Companhia das Índias Ocidentais.
Após uma frustrada tentativa de fixação em 1624/25, os holandeses conseguiram ocupar a capitania de Pernambuco em 1630, estendendo ao longo dos anos seu domínio da foz do Rio São Francisco (em Alagoas e Sergipe) até o Ceará. O objetivo dos holandeses era a produção do açúcar na região, verticalizando o ciclo de produção, já que eram detentores da tecnologia do refino do produto.
Foi aí que surgiu outra característica importante do conflito: a reação histórica do povo contra a política tributária.
A relação entre os colonos portugueses e os holandeses ficou deteriorada após a intensificação da cobrança de impostos e das dívidas contraídas pelos senhores de engenho com a Companhia das Índias Ocidentais. Frente a isso, os habitantes de origem portuguesa decidiram lutar pela expulsão dos holandeses. Estavam sozinhos e não podiam ter qualquer apoio da metrópole portuguesa nessa empreitada.
Quando os holandeses resolveram reprimir o foco de revoltosos, resolveu fazê-lo pela via militar, regular, empregando forças de infantaria e artilharia pesadas.
Foi com essa disposição, de massacrar os resistentes, e com um dispositivo tecnologicamente, numericamente e tecnicamente superior que ocorreu o enfrentamento da marcha dos holandeses no Morro dos Guararapes, onde hoje se localiza Jaboatão dos Guararapes, cidade ao sul da Grande Recife.
A resistência contra os holandeses contou com a união explícita, claramente definida, das três etnias que então compunham a população brasileira: europeus, africanos e indígenas. Não foi, portanto, um uso de africanos e índios por portugueses ou algo que o valha. As forças de cada etnia se organizaram de forma definida e, acertaram a estratégia em comum por meio de seus comandos.
Os portugueses nascidos no Brasil eram conhecidos como mazombos e foram liderados nas batalhas por Antônio Dias Cardoso. Cardoso adotou como estratégia de combate as ações guerrilheiras, já que seus homens estavam em menor número e com armamento inferior ao dos holandeses. O objetivo era aproveitar o conhecimento do terreno da região para criar emboscadas aos holandeses e assim superar as deficiências de armamentos e de contingente. Dessa forma, os combates poderiam se dar corpo a corpo, anulando o poderio bélico holandês.
As batalhas deram-se no momento em que os holandeses tentaram atacar os portugueses por terra, dirigindo-se ao sul do Recife, onde ficava o morro dos Guararapes. Para enfrentá-los, Dias Cardoso contou ainda com o apoio de indígenas comandados pelo índio potiguar convertido ao catolicismo, Felipe Camarão, bem como por uma força de africanos quilombolas, comandados pelo escravo liberto Henrique Dias.
O terreno formado por mangues e estradas estreitas foi crucial para a vitória das tropas luso-portuguesas.
Para a época, os números da primeira batalha são de impressionar. Mesmo com o aporte holandês após os primeiros reveses, os 4000 a 6000 homens comandados pelos flamengos não foram páreos para os 2500 comandados pelos luso-brasileiros. Os saldos dos conflitos foram de 500 baixas e 500 feridos entre os holandeses, e 80 mortes e 400 feridos entre os comandados dos mazombos.
Outra característica marcante do conflito, além do aspecto militar, plurietnico, de afirmação da nacionalidade, de revolta contra a exploração tributária, foi a afirmação religiosa do brasileiro. O sentimento religioso dos católicos contra os judeus e protestantes holandeses foi poderoso estímulo para o combate.
Foi dessa forma que se deu o processo histórico de constituição da identidade nacional.
As Batalhas de Guararapes serviram como marco inicial do que seria o povo brasileiro. A ação conjunta de europeus, africanos e indígenas daria o tom do que viria a ser no futuro o brasileiro.
A afirmação religiosa (e seus sincretismos) caracterizou um sentimento único, que definiu culturalmente uma nacionalidade.
O sangue amalgamou o sentimento único que distingue uma nação: as forças que combateram os holandeses eram conhecidas por eles, e também autodenominadas patriotas, apontando o início da criação da identidade nacional.
A batalha, apesar de heróica, não foi decisiva. Ela se repetiu em 1649, selando o destino dos holandeses, que, no entanto, somente saíram do Nordeste em 1654.
19 de abril marca, portanto, o dia do exército nacional, o dia em que a população do Brasil assumiu a sua pátria e ganhou a nacionalidade brasileira.
*Observação – a base desse texto tem por fonte um excelente artigo do professor Tales Pinto em “Guerras – Brasil História”
Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e das Comissões de Política Criminal e Infraestrutura da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB/SP. É Vice-Presidente da Associação Paulista de imprensa – API, Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View.
Fonte: The Eagle View
Publicação Ambiente Legal, 19/04/2020
Edição: Ana A. Alencar