“Quanto mais nos elevamos, menores pareceremos aos olhos daqueles que não sabem voar”
(Friedrich Nietzsche)
Marilene Nunes (*)
Circula nas redes sociais um post muito compartilhado que associa o juiz Sérgio Moro a figura de Batman. O post tenta ridicularizar a imagem do magistrado no sentido de apresentá-lo como um super-herói cuja prática não é a da justiça, mas a de justiceiro.
Ora, Batman é uma alegoria que representa de forma figurada ideias, valores e uma concepção filosófica.
Como alegoria a personagem fictícia de Batman não é a de um super-herói, mas a de um homem forte que escolhe ser moral e ético não pela força da repressão das instituições de controle social, não é o medo que motiva sua escolha, mas uma poderosa força interna e moral que o disciplina para a prática do bem.
O homem morcego surgiu nas revistas em quadrinhos pela primeira vez nos EUA, em 1939, publicado pela DC Comics editora norte americana especializada em estórias em quadrinhos. Seus criadores foram Bill Finger e Bob Kane.
Finger e Kane ao criarem Batman o construíram de forma essencialmente diferente das dos super-heróis, pois ele não possui superpoderes, ao contrário, faz uso somente de seu intelecto de gênio, da sua perícia em artes marciais, das suas destrezas físicas e das habilidades de pensamento reflexivo. Com essas características humanas e não sobrenaturais se distinguiu de todos os super-heróis e dessa forma se tornou bastante conhecido e virou um ícone da cultura popular.
Apesar de toda essa popularidade, poucos sabem que Batman teve inspiração no conceito de “Übermensch” elaborado por Nietzsche, vocábulo que em tradução literal do alemão tem significado de “além-do- homem”.
Na sua obra de maior destaque “Assim falou Zaratustra”, o filósofo alemão, expôs o original conceito de “além- do- homem” que significa o indivíduo que criou seus próprios valores afirmativos de vida e que não é condicionado pelos hábitos e valores sociais de uma época e que não se deixa contaminar por eles.
O “além-do-homem” seria o homem que transcende todos os valores, na medida que enxerga para muito além das lentes fornecidas pela cultura que nossos sentidos teimam em envolver na mentira, como aranhas em uma teia que só apanha o que se deixa apanhar, ou seja, os sentidos captam o que a cultura ensina a apanhar.
O “Übermensch” não é um homem em excesso e nem é super no sentido de superioridade, mas um homem que busca em si a referência dos seus valores.
Esse conceito está intimamente ligado à outra temática profundamente nietzschiana que é a morte de Deus. Na verdade, quando Nietzsche diz que Deus está morto ele está dizendo que são os valores metafísicos que estão mortos e que não há mais possibilidade de pensar em termos metafísicos. O homem deverá se pautar por ele próprio ou cair no niilismo, isto é, se tornar reativo.
No texto “Genealogia da Moral”, Nietzsche mostra que a moral se define, entre outras coisas pelos conceitos de bem e mal e que surge num lugar e num tempo determinado, ou seja, a moral é relativa e foi inventada pelo homem.
A moral não é metafísica e nem atemporal. Ao investigar como surgiu entre os povos o juízo de bem e mal, Nietzsche afirma que há duas morais: a do senhor e a do escravo. A do senhor afirma a vida e baseia o bom no que há de positivo em si (ser belo, forte), enquanto o ruim é quem está limitado ao aspecto reativo da existência (ser humilde, fraco). A do escravo surge do ressentimento, vê o forte como mau e, por oposição, ele próprio, como sendo o bom.
Nietzsche disse que o judaísmo e, em seguida o cristianismo, consolidou a moral do escravo como a única vigente. Com isso, houve uma inversão daquilo que os próprios nobres consideravam bom. Segundo a avaliação do sacerdote judeu ou cristão, o bom (na moral do senhor) passa a ser considerado mau e o ruim (que é a fraca moral do senhor) passa a ser considerado bom.
Assim dá para compreender que a ideologia que se sobrepõe hoje no Brasil é dá moral do escravo que inverte os valores e quer fazer parecer moral a total ausência de moralidade.
Todos os valores morais de honra do “Übermensch” não são evocados pelas normas culturais e religiosas vigentes, ao contrário, se originam da construção ética e moral que se forma na estrutura de caráter interno do homem.
Assim, a militância petista ao tentar fazer chacota de Sérgio Moro, associando-o ao Batman foram traídos pelo o seu inconsciente coletivo, a sua psique mais profunda e por intuição acertaram na comparação. De fato, dentro de um contexto político caótico, caracterizado por uma profunda crise moral e ética dos governantes brasileiros, a imagem do magistrado emerge como a um “Übermensch” e não como a de um super-homem ou super-herói justiceiro, o lado da interpretação errônea da militância.
Para os gregos pré-socráticos, que influenciaram profundamente Nietzsche, a justiça só pode ser construída por juízes incorruptíveis.
Moro é um homem público que não se deixa contaminar pela corrupção e pelos antivalores vigentes, combate a corrupção da mesma forma como o “übermensch” enfrenta os monstros sem se tornar um deles, e olha para o abismo sem que o abismo consiga encará-lo, mas é humano demasiadamente humano.
(*) Marilene Nunes é Doutora em Gestão e Políticas Públicas pela USP, Mestre em Economia Política pela USP. Especialista em Gestão do Conhecimento pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo. Pedagoga pela URFGS. Especialista do Conselho Estadual de Educação, atua em diversos Programas de Pós-graduação no Brasil e no Exterior.
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Marilene, eu pessoalmente não tenho ciência suficiente do caso (e imagino que poucos tenham) para avaliar se Moro está mais para Übermensch ou para marionete de setores. Falo sinceramente, ouço as duas correntes e não sei opinar. À parte disso, permita-me observar o lado pejorativo inescapável da analogia com o Batman… Essa maldade não se consiste no conceito do personagem da DC-Comics, mas ao ambiente que ele habita: o fictício.