O etanol brasileiro, cuja tecnologia começou a ser desenvolvida na década de 1970 a fim de diminuir a dependência do petróleo, será essencial para enfrentar outro problema que tem afetado não só o país, como o mundo nas últimas décadas e que pode se agravar nos próximos anos: as mudanças climáticas globais.
Mas para viabilizar a ampliação do etanol e de outros biocombustíveis na matriz energética brasileira – e possibilitar que o país cumpra o compromisso de diminuir as emissões de gases de efeito estufa que assumiu no Acordo Climático de Paris em 2015 – será preciso superar uma série de barreiras, que incluem falta de regulação e de incentivos.
A avaliação foi feita por participantes de uma mesa-redonda sobre o papel das fontes renováveis de energia no desenvolvimento, que ocorreu nesta terça-feira (05/06), na abertura da 5ª Conferência Regional sobre Mudanças Climáticas Globais, que continua até 06/06, no auditório do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo (IEE-USP).
Realizado pelo Núcleo de Apoio à Pesquisa sobre Mudanças Climáticas (NapMC-Incline), com apoio do IEE e do Instituto e Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG-USP), o evento está sendo realizado em homenagem aos 90 anos do professor José Goldemberg, presidente da FAPESP, e em reconhecimento de sua atuação como personagem chave no debate sobre mudanças do clima, planejamento energético, sustentabilidade das florestas e negociações internacionais.
Goldemberg será homenageado formalmente em uma cerimônia no encerramento do evento, com a presença do reitor da USP, Vahan Agopyan.
“O etanol brasileiro representa um exemplo incrível de articulação de diversos setores da sociedade, incluindo empresas, governo e cientistas, que conseguiram desenvolver um sistema de produção de uma energia renovável”, avaliou Marcos Buckeridge, professor do Instituto de Biociências da USP e membro do Programa FAPESP de Pesquisa em Bioenergia (BIOEN).
“Esse sistema foi e continua sendo aperfeiçoado, mas não existe uma coordenação no país que estabeleça que o desenvolvimento tecnológico do etanol brasileiro é prioritário e possibilite aumentar a participação dele na matriz energética brasileira”, disse.
A bioenergia pode chegar a prover um quarto da energia mundial até 2050, reduzindo poluentes e a emissão de gases do efeito estufa e promovendo desenvolvimento sustentável, entre outros benefícios econômicos e sociais, e a América Latina e a África apresentam grande potencial para expansão do setor, destacou Gláucia Mendes Souza, professora do IB-USP e membro da coordenação do BIOEN.
Souza coeditou o relatório internacional Bioenergy & Sustainability: bridging the gaps, uma iniciativa da FAPESP com o Comitê Científico para Problemas do Ambiente (Scope, na sigla em inglês), agência intergovernamental associada à Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
Lançada em 2015, a publicação, resultado do trabalho de 137 especialistas de 24 países, recrutados em 82 instituições e coordenados por pesquisadores dos programas BIOEN, Pesquisas em Caracterização, Conservação, Restauração e Uso Sustentável da Biodiversidade (BIOTA) e Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG), fez uma análises de diversas questões relacionadas com a produção e o uso de bioenergia e sustentabilidade no mundo.
“O Acordo Climático de Paris colocou a bioenergia como essencial para reduzir as emissões de gases de efeito estufa no mundo. Sem bioenergia não será possível caminhar rumo a uma economia de baixo carbono”, disse Souza.
Na avaliação dela e de outros pesquisadores participantes do evento, o movimento da indústria automobilística mundial em direção de substituir os motores a combustão dos carros de passeio por motores elétricos não será suficiente para atingir a meta de a temperatura global não superar 1,5 ºC até 2040, e que o aumento da participação da bioenergia na matriz energética mundial será essencial.
“O carro movido a etanol não será uma opção brasileira, mas da indústria automobilística mundial, que parece estar optando pela eletrificação dos veículos leves. Mas o etanol e outros biocombustíveis terão um papel emblemático para o Brasil cumprir suas metas de redução de emissão de gases de efeito estufa”, disse Roberto Schaeffer, professor do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
O governo brasileiro se comprometeu a reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 37% abaixo dos níveis de 2005, em 2025, com uma contribuição indicativa subsequente de redução das emissões de gases de efeito estufa em 43% abaixo dos níveis de 2005, em 2030.
Para isso, o país deverá aumentar a participação de bioenergia sustentável na sua matriz energética para aproximadamente 18% até 2030, restaurar e reflorestar 12 milhões de hectares de florestas, bem como alcançar uma participação estimada de 45% de energias renováveis na composição da matriz energética em 2030. “Entendemos que o etanol representa uma ponte nesse caminho”, disse Rodrigo Lima, diretor da consultoria Agroicone.
Por Elton Alisson | Agência FAPESP
Fonte: Agência Fapesp