Elegemos um lamentável Cavalo de Tróia
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro*
Ninguém deve se espantar com o nível de insultos proferidos pelo presidente e seus seguidores contra as instituições, a inteligência e o povo brasileiro.
Os insultos não ocorrem apenas de “dentro para fora” do governo do presidente. Também atingem a governança, espalhando insegurança e frustração até mesmo em quem assumiu o compromisso de servir o país no comando de um ministério, uma autarquia, uma delegacia ou até uma unidade das forças armadas.
Não há um discurso, uma alteração de ministério, uma busca de solucionar um conflito de governança com outros poderes de Estado – que não seja precedido ou acompanhado de uma postura desastrosa ou um comportamento que sugira uma ruptura da normalidade institucional.
Ninguém está a salvo das idiossincrasias de ocasião do primeiro mandatário da Nação. Parece que o destino de toda essa idiossincrasia não é o povo brasileiro e, sim, o grupo de fanáticos que insensa o presidente e seus filhos no cercadinho do Palácio do Alvorada. Por isso nos assalta o pensamento conclusivo: Bolsonaro governa para os idiotas, não para o Brasil.
Essa performance bolsonarista é trágica mas não é inédita. Não é um fenômeno restrito ao solo tupiniquim, embora aqui pareça ser renitente. O Século XX está cheio de exemplos de assunção da insensatez na esfera das relações de poder.
Na história contemporânea passamos seguidas vezes por guerras e massacres, protagonizados por psicopatas incensados por hordas de iludidos ou idealistas autocratas com sonhos de grandeza.
Segundo o jornalista Paulo Cunha, não precisamos nos afobar: “basta sentar e esperar o triunfo dos imbecis. Eles nunca falham”. 1
Nelson Rodrigues, por sua vez, dizia que “os idiotas vão tomar conta do mundo; não pela capacidade, mas pela quantidade. Eles são muitos”…
Assim, não espanta que tenhamos atingido o que se pode chamar de “hegemonia dos imbecis” em nosso território.
Aliás, já havíamos alcançado essa “hegemonia” com o lulopetismo. E achávamos que o “pico de idiotia” teria ocorrido com Dilma Rousseff e toda a geração de postes plantados por Lula e seu populismo de esquerda.
Mas o processo de reação não tardou a ocorrer em 2013, quando a cidadania brasileira irrompeu praças e ruas em todo o Brasil e os parasitas, acuados pelas circunstâncias, por um tempo recuaram.
Entre 2013 e 2018, o período foi muito turbulento, porém esperançoso. Ocorreu o reforço das instituições da República, um forte avanço no combate á corrupção e à imbecilidade reinante na política nacional.
Em 2018, achávamos que as coisas finalmente mudariam. O projeto de reformas profundas, no campo institucional e moral, foi entregue a Jair Bolsonaro. No entanto, agora torna-se claro, elegemos um lamentável “Cavalo de Tróia”.
Resultado: continuamos reféns da pior judicatura da história do Brasil, dos corruptos do centrão no Congresso Nacional, da perseguição sem precedentes à Operação Lava-Jato, dos ataques e ameaças à Democracia e à República. Permanecemos vítimas das benesses reiteradas do alto funcionalismo brasileiro, das emendas parlamentares em profusão, da falta de reformas, do crime organizado, dos lobistas… etc… etc… etc…
É verdade que não há escândalos de desvio de dinheiro público, como os vistos no período do “Petrolão”. No entanto, testemunhamos o desmonte total e absoluto das estruturas que permitiram descobrir, investigar e julgar as falcatruas perpetradas na Petrobrás e demais instituições da República.
Ou seja, os canalhas estão reagindo seguros de que contam com o apoio silencioso ou omissão presidencial. Não falta muito para legalizarem a corrupção e processarem quem antes os processara.
Não é apenas uma impressão. É quase certo que a repetição das tragédias é questão de tempo. Com a diferença que a corja, agora, é de direita. É a volta do cipó de aroeira no lombo de quem injustamente já havia dele se livrado.
Já sabíamos, é verdade, que o candidato não possuia todas as qualidade necessárias para encetar a grande reforma que o Brasil necessitava. Muitos próceres do movimento de reação ao establishment, na época, entendiam que era possível “eleger um idiota”, na esperança que fosse “domado” por uma casta militar e um projeto inteligente. Em verdade, idiotas fomos todos nós, pois ocorreu o contrário.
Como eu, muita gente séria, boa, inteligente e competente, assumiu responsabilidades, cedeu tempo e energia para construir um novo projeto nacional. E de fato há ainda no governo excelentes quadros que persistem no projeto, apesar dos pesares – e sobre isso já falamos em artigos passados, denunciando a “Síndrome de Janus” que acomete a gestão federal. 2
No entanto, o sentimento de frustração é geral. O gosto amargo da traição é sentido a cada insulto, perseguição, ataque à reputação de aliados, defecção de gente séria e passada de pano no malfeito dos deslumbrados. O gosto amargo resulta em especial do desfazimento das promessas nas quais confiamos na campanha eleitoral de 2018.
O episódio da pandemia teve o efeito de uma epifania. Revelou em sua inteireza o despreparo, o baixo nível do governante que temos no Brasil e seu descompromisso com a democracia. O mais trágico é ver gente iludida achar fantástico que o “mito” pratique imbecilidades e ganhe, com isso, índices de “popularidade”.
Com efeito, pensando em Nelson Rodrigues, se há uma expressiva maioria de idiotas, o que se poderia esperar do expressivo apoio a quem faz do insulto um método de gestão?
Porém, o povo brasileiro já deu inúmeras demonstrações de que é sofrido, idealista, apaixonado mas, não é idiota. As eleições revelam uma sucessão de frustrações mas nunca deixaram de expressar uma contínua busca pela correção e renovação. O problema não está no povo. Está no populismo.
O problema, como já afirmamos ao analisarmos o fenômeno do populismo, é que toda catarse termina em tragédia e a consciência do malfeito surge num rompante, provocando na massa a inusitada iluminação.
Como ocorreu em 2013, em 2015 e em 2018, a reação de novo ocorrerá, e poderá resultar, mais uma vez, em redenção ou tragédia.
É só uma questão de tempo.
Notas:
1- CUNHA, Paulo José – “Não precisa se afobar: os imbecis triunfarão”, in “Congresso em Foco”, 21maio2020, in https://congressoemfoco.uol.com.br/opiniao/colunas/nao-precisa-se-afobar-os-imbecis-triunfarao/
2- PEDRO, Antonio Fernando Pinheiro – “O Artigo 142 da Constituição, a Hidra de Lerna e a Cabeça de Janus”, in “The Eagle View”, 13junho2020, in https://www.theeagleview.com.br/2020/06/o-artigo-142-da-constituicao-hidra-de.html
*Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e da Comissão Nacional de Direito Ambiental do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB. É Editor-Chefe dos Portais Ambiente Legal, Dazibao e responsável pelo blog The Eagle View. Twitter: @Pinheiro_Pedro. LinkedIn: http://www.linkedin.com/in/pinheiropedro
Fonte: The Eagle View
Publicação Ambiente Legal, 05/03/2021
Edição: Ana A. Alencar
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