Por Ricardo Viveiros*
Desde que o ser humano existe, um tempo muito distante e sem registro exato, estabeleceu-se o Poder. E, com ele, também a luta pelo seu exercício, quer pela vontade de todos ou apenas pela força de um ou de alguns em torno do líder. Disso ninguém tem dúvida. A história Política da humanidade começa assim, portanto, na Polis, a cidade-estado, com o confronto de interesses, legítimos e coletivos ou corruptos e individuais, entre postulantes e/ou ocupantes do governo. E isso, claro, leva-nos a entender que o desenvolvimento sempre foi algo colocado em segundo plano.
Mesmo dessa discutível forma, desde o período Neolítico, no qual acreditamos apareceram as primeiras cidades, tais urbes foram, sem dúvida, e por bem ou por mal, espaços nos quais sempre se buscou alguma forma de progresso. Aliás, este é um outro sentimento atávico do ser humano: sobreviver, e se possível cada vez melhor. Com o tempo, baseada em vocações naturais ou determinadas pelo próprio homem, cada cidade que surgiu no mundo foi definindo o seu perfil: religiosa; política e administrativa; econômica; cultural; turística etc. A nossa cidade de São Paulo nasceu múltipla, com um pouco de cada uma dessas vocações desde o berço. E cresceu assim, meca de múltiplos interesses. Desenvolveu-se em muitos aspectos, mas perdeu qualidade em outros tantos.
Foi, como mais uma da história universal, vítima da luta pelo Poder.
Mas, também é certo, que os poderosos de cada época, mesmo os claramente sabidos ruins, acabaram deixando alguma coisa de bom. Alguns poucos gestores públicos, é verdade, contribuíram mais significativamente para sua evolução. E estes, com o avanço educacional e cultural da população, são lembrados e reconhecidos. É dessa forma que, na democracia – no caso brasileiro ainda em fase de acabamento – , a vontade popular vai determinando, cada vez mais e melhor, a ocupação e o exercício do Poder. Nesse mesmo sentido, espera-se um avanço no processo de valorização do desenvolvimento das cidades e, até mesmo, das complexas metrópoles, sobre as quais perdemos o controle e, por uma realidade boa ou má, cresceram indiscriminadamente. Hoje, em especial nos países emergentes como o Brasil, as grandes cidades enfrentam um imenso desafio: como oferecer simples moradia com dignidade, ou até mesmo acesso à conquista do legítimo sonho da “casa própria”, a milhões de munícipes? E diante dos cortiços e favelas que, a cada segundo, se estenderam nessas crescentes concentrações humanas, como não perder o senso de realidade no confronto natural com a também importante necessidade de estabelecer regras claras para: o ordenamento urbano; a proteção do meio ambiente; a segurança; a mobilidade; a saúde; a educação; a cultura; a eterna busca de qualidade de vida?
Essa complexa tarefa – que passa por várias e diferentes ciências, antes de ser apenas o exercício responsável da política, legislativa e executiva, da justiça e da cidadania – é uma preocupação de todos nós. O poder público, o parlamento, os magistrados e a sociedade, todos, sem distinção, têm uma grande responsabilidade para com o passado, o presente e o futuro de São Paulo. Porque esses são, a rigor, três tempos que se unem em um só e mesmo ponto de reflexão: os ensinamentos do passado; a realidade dos dias atuais; e o que pretendemos deixar para o futuro. Afinal, com muito menos conhecimento e tecnologia, nossos antepassados nos legaram problemas, mas, também, muitos caminhos e soluções que, algumas vezes, sequer nos interessamos em conhecer ou soubemos aproveitar.
São Paulo é uma das poucas cidades do mundo que sabe exatamente o metro quadrado em que nasceu. Em meados de 1500, da pequena vila dos jesuítas surgiu a maior cidade do Hemisfério Sul do planeta. Foi a coragem e o espírito empreendedor – bem como a mais pura necessidade de sobreviver do migrante e do imigrante –, que construíram esta metrópole com sangue, suor e lágrimas. Sem falar da contribuição, espontânea ou forçada, dos indígenas que aqui habitavam antes de nós.
Não podemos continuar acreditando que é possível esconder a realidade, para buscar ou exercer o Poder apenas sob o prisma do marketing político como se fazia nos primórdios da civilização. O meio urbano foi se deteriorando em consequência da rapidez, da legislação equivocada, da impunidade e da falta de políticas públicas na qual permitimos acontecer a urbanização paulistana ao longo de séculos. Agora, resta-nos buscar uma solução e planejar o futuro com ações que transcendam ao simples planejamento material.
É preciso estabelecer, e de maneira objetiva, estruturas que sejam efetivas respostas às exigências do cenário atual: aumento da rede de serviços públicos; maior oferta em habitações; e uma racional ocupação do solo. Isso está bem claro nos depoimentos de 39 pessoas, corajosas e sem compromissos com o Poder, que estão no livro que publiquei em 2011: “Um olhar sobre São Paulo”, com apoio cultural do Sindicato da Habitação (Secovi-SP) e da Caixa Econômica Federal (CEF). Homens e mulheres, entre anônimos e personalidades, de diferentes profissões, que viveram por mais de 65 anos nesta agitada esquina do mundo, deram seus depoimentos sobre o passado, o presente e o futuro.
Impressionante é constatar que hoje, 10 anos depois de lançada a obra, tudo o que disseram está vivo, embora infelizmente alguns dos entrevistados tenham morrido.
Para avançar é preciso entender São Paulo, e com a mesma vontade que a cidade dá a cada um de nós em diárias oportunidades para viver e progredir. Que a população saiba participar escolhendo bem vereadores e prefeitos, fiscalizando e exigindo ética, realismo e trabalho do Poder. Que cada um de nós, consciente do seu papel neste contexto, saiba cumprir a sua parte na construção de uma São Paulo que não sabe parar… de ser feliz!
Tenho muito orgulho de, há 40 anos, ter merecido viver aqui; recebido o honroso título de “Cidadão Paulistano”, por unanimidade, de sua Câmara Municipal; sido o diretor-geral do Museu Padre Anchieta (no sagrado Pátio do Colégio), o berço histórico da Capital; ter participado da fundação do “Clube do Choro” (um símbolo da MPB); trabalhado em rádios, TVs, jornais e revistas paulistanas prestando serviços à sociedade; realizado o “Arte na Rua” (nacional e internacional) e os “Direitos das Crianças”, dois eventos voltados à massificação/valorização da cultura e da educação que marcaram época; ter lecionado em suas universidades; sido membro da Comissão de Proteção à Paisagem Urbana (CPPU) da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano; ter recebido o título de “Comendador do Bixiga”, das mãos do Armandinho, legendário defensor das tradições de um dos bairros mais típicos da cidade; ser membro do seu Condepaz (Conselho de Defesa da Paz); sido o coordenador-executivo da visita de S.S. o Papa João Paulo II a São Paulo; ter sido um dos fundadores do Instituto São Paulo Contra a Violência; ter sido convidado, ao lado de Lygia Fagundes Telles, Ignácio de Loyola Brandão, Gianfrancesco Guarnieri, Lourenço Diaféria e Anna Maria Martins para participar do programa “Escritor Brasileiro” nas bibliotecas públicas municipais; ter sido diretor, em três diferentes áreas (incluindo o Futebol) do São Paulo F.C. e ter merecido do seu Conselho Deliberativo homenagem como “Torcedor Símbolo”, ao lado de Hebe Camargo, Cássio Gabus Mendes, Juca Chaves e Zezé Di Camargo; e participado de muitos outros eventos e iniciativas relevantes de uma metrópole que é acolhedora, intensa e desafiante.
Obrigado São Paulo!
Parabéns minha amada cidade, nestes seus primeiros 467 anos de vida!
Publicado originalmente em O Estadão em 25/01/2021
*Ricardo Viveiros – Jornalista e escritor, autor de 41 livros, lecionou por 25 anos para cursos superiores de graduação e MBA. Recebeu a medalha da Organização das Nações Unidas (ONU) no Ano Internacional da Paz (1986), foi escolhido pela ABERJE, “Comunicador Empresarial do Ano”, em 2013 e tem o título de “Notório Saber”, em nível de doutorado, recebido da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Fundou e dirige, desde 1987, a RV&A.
Fonte: o próprio autor
Publicação Ambiente Legal,26/01/2021
Edição: Ana A. Alencar
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