Falta de coordenação e excesso de burocracia são entraves para gestão de acidentes ambientais no Brasil
Por Vitor Lillo
O mês de abril ficou marcado por dois graves acidentes ambientais. Já no dia 5, ao final da tarde, cerca de 3.500 litros de óleo denso do tipo MF 380, combustível marítimo altamente inflamável, vazou do Terminal Aquaviário Almirante Barroso (Tebar), em São Sebastião (191 km de São Paulo), durante o reabastecimento de um navio. Em poucas horas o óleo se espalhou e atingiu 11 praias entre São Sebastião e Caraguatatuba.
Quase duas semanas depois, em West, Texas (EUA), uma fábrica de fertilizantes, repleta de nitrato de amônia, explodiu provocando abalo sísmico de magnitude 2,1 na escala Richter e foi sentido a até 70 quilômetros de distância da cidade. Segundo informações, 14 pessoas morreram e outras 200 ficaram feridas.
Apesar da diferença nas datas e da distância, um fator liga as duas tragédias: aconteceram em instalações industriais e geraram grande impacto ambiental nas áreas onde estavam localizados. Em São Sebastião, a mancha de óleo atingiu a fazenda de mexilhões na praia de Mococa que produz cerca de 8 mil toneladas por ano. Em West, 50 casas foram destruídas e metade da cidade, de 2.700 habitantes, teve de ser evacuada por medo de novas explosões.
Depois dos eventos, fica a pergunta: o Brasil está preparado para agir? Elizabeth Nunes, engenheira química, consultora em análise de riscos e estudos ambientais é categórica na resposta: “Eu acho que não. Fora alguns casos, dos quais temos históricos, até pode ser que esforços maiores [de prevenção] estejam sendo efetuados, mas, pode haver ainda uma bomba que a gente não conhece”.
Processo com percalços
Para começo de conversa, o problema começa já no manuseio e transporte de substâncias perigosas. No caso dos produtos químicos, para cada um deles existe uma classificação do nível de periculosidade que é estipulado por órgãos internacionais, além de normas específicas para manuseio e transporte, estipuladas pela Agência Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). Essas informações aparecem na Ficha de Informação de Segurança de Produtos Químicos (FISPQ).
Quando esse produto sai do fornecedor e vai para a indústria química, a primeira medida é consultar essa ficha. “Mas aí você encontra poucas informações, que são conflitantes, não são informações claras, nem práticas. Às vezes a FISPQ diz que se pode jogar água num determinado produto, mas a literatura diz que não”, relata Elizabeth Nunes.
Ainda de acordo com a especialista, as empresas “muitas vezes não se preparam para o cenário pior” e não tem recursos para identificar quais ações tomar. “Falta levar mais a sério as ações de emergência. Não é só cumprir a lei tem que fazer simulações, dimensionar os recursos para a ação”. E justamente a falta de preparo pode ter sido a causa do acidente em São Sebastião.
“O que ficou demonstrado é que a organização da Transpetro [subsidiária da Petrobrás] não está adequada. Eles estavam esperando que os únicos acidentes possíveis fossem com desembarque de petróleo cru. Como eles faziam o reabastecimento de navio, eles foram displicentes”, afirma Marcos Couto, Secretário de Meio Ambiente de São Sebastião.
Ação descoordenada
Outro ingrediente dessa “bomba” prestes à explodir, é a descoordenação entre os envolvidos nesses acidentes. A legislação vigente prevê que a responsabilidade pela ação de contingência de desastres ambientais seja dividida entre a empresa responsável, União, Estados e Municípios, consagrado no princípio federativo da Constituição Federal.
Portanto, quando se trata de derramamento de óleo no mar, por exemplo, vale o plano de ação de cada unidade de exploração. Dessa forma, a responsabilidade é da empresa proprietária que inicia os procedimentos para conter ou mitigar os efeitos do acidente. Caso a situação se agrave, a Marinha é convocada. A agência ambiental do estado onde ocorreu o acidente é chamada somente se a empresa julgar necessário.
Ou seja, a culpa compartilhada, mas as ações são individuais e descoordenadas. “Na Europa, existem os planos de emergência externos [elaborados pelo governo] e cada empresa tem o seu interno, mas há uma articulação entre eles. No Brasil não existe essa amarração entre o interno e o externo. Os bombeiros entregam um atestado de vistoria, sabem do que a empresa dispõe, mas não está integrado no plano da empresa”, afirma Elizabeth Nunes.
Essa decoordenação entre empresas e as três esferas administrativas gera inúmeras críticas por parte dos ambientalistas. “Fora a burocracia, tem outro problema: se o prefeito, o governador e o presidente são de partidos diferentes. Aí um pode prejudicar o outro”, avalia Carlos Cunha, diretor-presidente da ONG Companhia Ecológica.
No caso dos acidentes como o do Litoral Norte de São Paulo, o problema da descoordenação poderia ser amenizado com o Plano Nacional de Contingência (PNC) para vazamentos de petróleo no mar, que está sob a responsabilidade do Ministério do Meio Ambiente. Ocorre que após um ano de seu lançamento, ele ainda não foi sancionado e nem divulgado para os estados.
“Esse plano determina as ações que devem ser tomadas e orienta o governo estadual e os municípios sobre onde e quanto investir. Sem ele [o plano], fica difícil implantar essas ações”, explica Cunha.
Enquanto isso, em São Sebastião – tal como em West – a ordem é se preparar para os tempos difíceis que virão após o acidente. A prefeitura já contratou um laboratório de São Paulo para realizar os estudos de impacto ambiental e também promete dar apoio financeiro às famílias que viviam da fazenda de mexilhões, durante o período de interrupção das atividades, que não se sabe de quanto será.
Da mesma maneira não se sabe quando poderemos dizer que o Brasil é um país que está realmente preparado para agir em acidentes ambientais. Vai depender se empresas e governo vão entender de uma vez por todas que, quando se trata de proteção contra acidentes ambientais, cada minuto é precioso.