Proselitismo é a droga no combate às drogas
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro
Triste Posição
Agora é oficial: o Brasil é o segundo maior consumidor de cocaína no mundo e, muito provavelmente, o maior consumidor de produtos que têm a cocaína como base (como é o caso do crack).
A informação está contida no relatório denominado The International Narcotics Control Strategy Report (INCSR) – editado anualmente pelo Departamento de Estado do Governo dos Estados Unidos, considerado um parâmetro para adoção das estratégias internacionais de controle de narcóticos.
O documento detalha a batalha de cada país do mundo contra o narcotráfico e destaca a América Latina, pelas dificuldades que a região enfrenta para controlar o fenômeno criminológico.
Segundo o relatório, o Governo brasileiro, apesar de “comprometido com o combate” ao tráfico de drogas “não tem a capacidade necessária para conter o fluxo de narcóticos ilegais através de suas fronteiras”. De fato, o Brasil aparece em todos os relatórios dos países com os quais faz fronteira, entre eles a Venezuela, o Peru, a Bolívia e a Colômbia. Em todos, é responsabilizado pela falta de controle e fiscalização.
Se antes, o Brasil era a principal rota da droga sul-americana, em direção à Europa (passando pelo oeste da África), hoje, também é um dos principais consumidores…
Esses dados são confirmados por outros, emitidos por agências multilaterais. Segundo o relatório do Escritório das Nações Unidas para Drogas e Crime – UNDOC, sessenta por cento da cocaína produzida na Bolívia destina-se ao consumo no Brasil. O incremento do tráfico boliviano coincide com o incremento das relações diplomáticas dos governos petistas com o governo bolivariano de Evo Morales. Ao que tudo indica, isso foi determinante para que o consumo em nosso País dobrasse nos últimos seis anos.
Gigantismo geográfico e proselitismo gigantesco
Dois fatores concorrem para esse quadro alarmante no Brasil.
Primeiro, o gigantismo da geografia brasileira, que dificulta materialmente o controle físico das fronteiras.
As fronteiras do Brasil são extensas e porosas. A divisa traçada em solo seco, com nossos vizinhos, é três vezes maior que a linha que separa os Estados Unidos do México, uma das regiões mais críticas do continente.
Longos espaços de nossa fronteira são cobertos por selva densa, ocupados por territórios indígenas, permeados por descampados que alternam-se com Rios, pântanos, mangues e banhados – absolutamente despovoados.
Os rios navegáveis de fronteira, constituem outro aspecto dessa difícil geografia. Por eles a droga entra livremente, chega a portos, é embarcada e cruza o oceano em barcos e contêineres, onde chega aos consumidores europeus.
Em segundo lugar, o gigantesco proselitismo político. Esse componente nocivo à governança, responde pela incompetência reconhecida internacionalmente, para combater o tráfico.
Proselitismo é o esforço intelectual para produzir prosélitos – catequese, apostolado, convencimento. Essa atividade, de origem religiosa, é hoje orientada por convicções ideológicas esquerdistas. Deveria estar restrita aos partidos políticos e aos meios acadêmicos. No entanto, polui toda a burocracia do Estado brasileiro, contaminando setores que deveriam primar pela objetividade, neutralidade política e engajamento legal.
O proselitismo contaminou políticas públicas no campo social, educacional, ambiental e econômico. Porém, de forma mais nociva ainda, contaminou a segurança pública, nos governos tucanos e petistas.
Por conta da substituição do “devo e preciso, portanto faço” pelo “posso e quero, portanto mando”, fenômenos criminológicos transcendentes e de espectro internacional – como o tráfico de drogas, saíram do controle e passaram a corroer soberania, a defesa e o controle territorial.
O resultado desastroso tornou-se evidente: há profunda debilidade no entrosamento dos organismos de justiça, de defesa, com a segurança pública.
Com referência ao tráfico de drogas, dilemas principiológicos, ideológicos e subjetivos produziram um abismo de preconceitos entre corporações das forças armadas, polícias, fiscalização ambiental, auditoria fiscal, ministério público e judiciário.
Uma história de frustrações
Equívocos produzidos por esforços proselitistas formam um lista enorme.
No campo da defesa nacional, programas como o Calha Norte, o SIVAM e o SIPAM, esperaram décadas para serem implantados. Sofreram com críticas e palpites de gente absolutamente desqualificada para compreender a finalidade dos sistemas, permaneceram no Congresso, sofreram com o crivo acadêmico de Universidades e mídia, avaliações de “impacto ambiental”, questionamentos quanto à defesa dos interesses indígenas , etc…
A lei de abate de aeronaves não autorizadas no espaço aéreo brasileiro, sofreu atraso irreparável, provocado por inusitado debate sobre “limites humanitários” para esse tipo de autorização, questionamentos sobre o “fluxo de decisão” para permitir o procedimento, etc…
No campo penal, o proselitismo garantista e abolicionista tratou de pulverizar normas mais rígidas para o combate ao narcotráfico.
A Lei nº 8.072/1990, de crimes hediondos, festejada quando de sua edição, foi sendo descaracterizada jurisprudencialmente até que a execução penal dirigida a um ladrão de galinhas, pudesse ser aplicada também ao traficante internacional de drogas…
Nenhuma lei efetiva contra o tráfico de entorpecentes conseguiu sair dos escaninhos do congresso nacional ou do governo federal nos dois mandatos de FHC e nos dois de Lula. Somente no apagar das luzes (e talvez por conta disso), do primeiro mandato de Dilma, é que dois, dos três marcos importantíssimos (o terceiro é a legislação anti-terrorismo), vieram a ser sancionados.
A importantíssima legislação de combate ao crime organizado (Lei Federal 12.850/2013), extraída a fórceps pela sociedade, chegou muito tarde. O marco legal sofreu todo tipo de pressão contrária, até que fosse aprovado e, nem bem iniciada sua aplicação, já sofre ataque de garantistas inoculados no sistema judiciário nacional.
A Lei Federal 12.961/2014, de repressão ao crime organizado, pretendia modernizar o combate ao tráfico de drogas. No entanto, encontra dificuldades operacionais para ser implementada. Questionamentos de entidades e autoridades de “direitos humanos”, campanhas pela descriminalização do uso de drogas, militantes que não pretendem ver líderes “do povo” enquadrados na nova legislação, obstruem o que podem a implementação do diploma, que, por sua vez, necessita agentes públicos capacitados – o que ainda é raro.
Operacionalmente, a Policia Federal instalou, em 2014, 19 postos fronteiriços, com a finalidade de conter a entrada de narcóticos. A Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (SENAD), treinou 279.000 profissionais para trabalhar com a população de viciados em Crack, no ano anterior (2013).
O terremoto político-institucional e econômico que nos afeta, porém, desde o final de 2014, não permitiu implementação adequada desses esforços.
A iniciativa, de todo modo, ainda é muito pequena. É minúscula perto da magnitude da questão – tanto do ponto de vista econômico, como do ponto de vista da violência urbana e do desastre comportamental, hoje sentidos na sociedade brasileira.
Causa e efeito
O efeito do mau combate também é evidente.
Os dados de consumo tornaram-se alarmantes e perpassam todas as classes sociais. Estão diretamente vinculados à vertiginosa queda de aproveitamento escolar, baixo rendimento universitário e aumento de “nem-nem” (não trabalham nem estudam) na juventude brasileira.
O incremento do consumo é favorecido pela “vitimização” de segmentos sociais. A “repressão policial” é reprimida por políticas proselitistas, “politicamente corretas” – que mais segregam e desagregam que fortalecem o tecido social.
Há claro vínculo da pulverização do consumo das drogas com a desarticulação sócio-cultural da autoridade familiar. Essa desarticulação, não bastasse a miséria, é também estimulada por políticas governamentais proselitistas, irresponsáveis, intervencionistas, que retiram autoridade aos pais e à escola, discriminam a educação religiosa e canalizam a resolução de conflitos familiares ao monopólio da assistência social-judiciária do Estado.
O consumo das drogas ganha escala nos seguimentos economicamente mais desassistidos, favelas e comunidades periféricas, por meio da inoculação, nas crianças e jovens, de um padrão comportamental transgressor, sexista, ostensivamente imoral, reativo e agressivo, indutor da cultura do estupro e da indignidade feminina. Esse padrão é determinado pelos “pancadões” do crime organizado, cultuados em locais públicos – às vezes com o patrocínio do Poder Público e difundidos em caixas de som no último volume (puro proselitismo do mal), durante todo o dia, nas ruas das periferias e favelas dos centros urbanos.
A articulação de organizações criminosas se processa a partir dos centros de detenção e penitenciárias brasileiras. Isso só é possível devido ao forte vínculo de corrupção e permissividade política que hoje atinge não apenas instituições notoriamente corruptas, como também governos pusilâmines. O efetivo do crime é aumentado por conta da banalização das prisões de portadores, passadores, soldadinhos do tráfico e mulheres-mulas (passadoras de droga), sem que haja desbaratamento efetivo de quadrilhas. A banalização ocorre também nas solturas, progressões de pena e indultos, para delinquentes perigosos. Com isso, a população carcerária experimenta interessante alta rotatividade.
Conforme o cruzamento de dados fornecido pelo “Relatório Analítico do Sistema Prisional do Estado de São Paulo” – IfoPen (Sistema Integrado de Informações Penitenciárias), entre dezembro de 2005 a dezembro de 2010, o número de detentos envolvidos com o crime de tráfico de entorpecentes quase triplicou.
Em 2005 foram registrados 13.394 crimes de tráfico de drogas tentados/consumados. Desse universo, 12.221 foram cometidos por homens e 1.394 por mulheres. No final do ano de 2010, o DEPEN contabilizou 40.118 traficantes, sendo 35.584 homens e 4.534 mulheres. Nesse período, a população feminina encarcerada cresceu 225%.
Verifica-se um aumento de 195% de pessoas aprisionadas pelo cometimento do crime de tráfico de entorpecentes em cinco anos. Se compararmos esse número com a quantidade de presos do Rio de Janeiro, os 40 mil traficantes presos em São Paulo representam 57% a mais do que toda a população carcerária do Rio.
A Fundação Casa também registrou o crescimento do delito de tráfico de entorpecentes entre crianças e adolescentes. Em novembro de 2010, as unidades já contavam com mais de 7 mil internos. No ano de 2006 eram 5.754 adolescentes, sendo que 55% estavam respondendo por roubo e 14% por tráfico. Esse elevado índice internações se deu em decorrência do crescimento de menores infratores traficantes, que até fim de 2010 representavam 36,9% da população da Fundação.
Cadeias transformaram-se em depósitos de gente, administrados de forma absolutamente burocrática.
O judiciário auxilia para piorar o quadro
Enquanto pés-de-chinelo lotam as cadeias, marginais periculosos são beneficiados por uma aplicação burocrática da lei de execuções penais. Isso ocorre por conta da absoluta inoperância do sistema – exames criminológicos, que deveriam pautar a progressão das penas, por exemplo, foram abolidos…
Presos perigosos, por conta disso, fazem conta de chegar, ainda que estejam cumprindo penas em tese altíssimas. Usam o período eventual de “estágio na prisão” como se estivessem de férias da atividade criminosa…
A execução penal é a “prima pobre” do processo penal e, por isso mesmo, costuma ficar entregue a uma burocracia desgostosa de ali estar. Esse setor, não raro, queda-se mergulhado nos pequenos afazeres cotidianos das rotinas sem resultado, que desumanizam a aplicação da norma e desfiguram a finalidade do sistema.
A verdade é que o judiciário pouco evoluiu. O progresso se deu, em termos absolutos, apenas na forma de alinhavar os processos.
A própria toga pouco avançou para além do modelito usado em nossos tribunais no Século XIX. O processo eletrônico substituiu a corda que alinhavava os autos processuais e a barulhenta máquina de escrever foi substituída pelo processador de texto… e só.
Imersa em toneladas de processos (a absoluta maioria deles proveniente do próprio Poder Público), nossa justiça não progride…
Todos esses vínculos, por sua vez, não são devidamente analisados pela inteligência do Estado, devido justamente à cegueira ideológica deliberada que o contamina. Há uma censura burocrática, acadêmica, judiciária, “politicamente correta”, que termina por auxiliar o avanço do tráfico. Há, também, uma confusão de políticas e serviços de inteligência com proselitismo estatístico.
Essa confusão produz perolas jurisprudenciais alarmantes, como a recente consideração pelo STF, de primariedade para permitir a soltura de acusado, flagrado com quase uma tonelada de droga, como se o caso em tela pudesse ser considerado “um deslize” de marinheiro de primeira viagem…
Proselitismo estatístico contra a juventude
Estatística, no Brasil, funciona como um biquíni: o que revela é sugestivo, o que esconde é essencial.
Um exemplo é o recente estudo da Universidade Federal de São Paulo, sobre o primeiro contato de usuários com a maconha. Ele sugere, mas não revela, algo que pode pontuar a dimensão do estrago provocado por políticas públicas proselitistas. O estudo apurou que, enquanto 40% dos usuários haviam consumido maconha antes dos 18 anos em 2006, em 2012 o percentual disparou para 62%…
Sobre o fato, o Departamento de Estado norte-americano entendeu que “apesar dos programas brasileiros focarem a conscientização sobre o uso de drogas, na redução da demanda e no tratamento, eles não são dimensionados ao tamanho da população viciada”. Ou seja, a política subestima o fato – mas não transforma isso em dado estatístico…
A juventude brasileira é a maior vítima de todo esse proselitismo aplicado ao fenômeno criminológico das drogas.
Atualmente, segundo dados do próprio governo brasileiro, três por cento dos nossos universitários consomem cocaína.
Não bastasse isso, há uma suspeita estatística, também apresentada pelas autoridades federais: dois por cento do total da população jovem e em idade economicamente ativa, é consumidora regular da drogas neuro estimulantes.
O consumo dos derivados, que baratearam o acesso à droga, cumpriu o papel esperado pela criminalidade. Assim, em pouco mais de vinte anos, o crack tomou conta das ruas da cidades brasileiras, fazendo com que milhares de jovens promissores simplesmente “derretessem”.
O caos político-ideológico com relação ao vício do crack é caso para psiquiatria. Enquanto ocorre debate acerbo entre adeptos da Lei e Ordem, turma dos “direitos humanos”, defensores de “minorias”, comunidades de base da igreja católica, pastores evangélicos, promotores de justiça, entidades de tutela do menor, comunistas de carteirinha, militontos e militantes… o fenômeno degrada cidades inteiras e já assumiu caráter epidêmico.
O centro de São Paulo, por exemplo, é hoje uma região refém do crack. Somando as capitais brasileiras, temos quase 370 mil viciados em crack – número pode estar subestimado, de acordo com especialistas sérios.
Por um farol contra o nevoeiro da impunidade
O psicanalista e filósofo André Martins Vilar de Carvalho, em recente entrevista ao Estadão, vaticinou que:
“Há um sentimento geral de que tudo é feito no Brasil hoje apenas para montar uma fachada. É algo muito desanimador. E que, no meu entender, favorece junto a pessoas que têm menos estrutura psíquica a ideia de que o Brasil é terra de ninguém, onde tudo pode ser feito, inclusive crimes hediondos.” (“O País do Autoengano”, OESP 6.4.2013)
Decididamente, há que se resguardar o entendimento objetivo da lei e parar com os experimentos proselitistas, garantistas, no campo do combate ao tráfico de drogas.
Nelson Rodrigues, se estivesse vivo e pudesse observar o que se passa na nossa Segurança Pública e Justiça, já teria de há muito conceituado esse fenômeno como a “supremacia dos idiotas”.
Sofremos de um paradoxo: uma evolução tecnológica e de recursos humanos, de um lado, e uma involução moral e funcional, de outro – contradição fatal para a Ordem Pública, a Segurança e a Justiça.
Hora, portanto, de reposicionar o barco, antes que ele venha a encalhar nos arrecifes da violência urbana descontrolada, envolto no nevoeiro do proselitismo sem causa (ou com causas em abundância…).
Que o governo federal “acenda um farol” sobre o assunto, e guie a Lei e a Ordem para fora dessa armadilha. Que possa nos guiar a todos para fora desse nevoeiro de impunidade que envolve o Brasil.
Fonte:
http://www.state.gov/j/inl/rls/nrcrpt/2015/
http://institutoavantebrasil.com.br/trafico-de-drogas-aumento-de-88-nos-processos/
http://www.justica.gov.br/sua-protecao/politicas-sobre-drogas
http://g1.globo.com/brasil/noticia/2012/08/estudo-diz-que-15-milhao-de-pessoas-usam-maconha-diariamente-no-pais.html
http://www.theeagleview.com.br/2014/01/a-republica-dos-bananas-assassinos.html?q=bananas
Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e da Comissão Nacional de Direito Ambiental do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB. É Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View.
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