Chega de “consertar o passado”. Vamos construir o futuro!
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro*
A terra dos povos que aqui habitavam antes da chegada dos portugueses no Porto Seguro da Santa Cruz, em 22 de abril de 1500, não era o Brasil.
Tampouco formariam de per si o Brasil os componentes da expedição de Duarte Pacheco Pereira, que veio ter às terras inexploradas em 1498 – para conferir o mapa do tratado de tordesilhas, ou os tripulantes da complexa expedição oficialmente descobridora de Pedro Álvares Cabral, formada por impressionantes 14 naves entre naus e caravelas.
O Brasil descoberto e comemorado desde então, é aquele relatado na Carta de Pero Vaz Caminha ao Rei de Portugal – sem dúvida o mais importante relato do descobrimento de um novo continente da história dos povos, secundado pelo impressionante relato do Novo Mundo, escrito e reproduzido por Américo Vespúcio, que acompanhou a primeira expedição exploratória de Gaspar Lemos, em 1501 e a segunda expedição exploratória de Gonçalo Coelho, a mando da coroa portuguesa – obra que foi impressa clandestinamente (pois os relatos eram secretos) e se tornou uma febre na Europa, alterando definitivamente os conhecimentos geográficos e antropológicos no mundo renascentista.
De fato, o Brasil descoberto principia no desembarque pacífico, no congraçamento entre tripulantes e nativos, nas festas, danças, troca de experiências, de produtos e na missa, assistida por todos, ocorridos nos dez dias de contato inédito entre índios e navegantes, relatado por Caminha. O Brasil descoberto foi aquele que cravou no mundo de então a figura mitológica do “bom selvagem” (mesmo que fosse um antropófago) – impressa por Vespúcio em sua obra.
ESSE Brasil, desse momento único na história das “conquistas” dos povos, cujo novo contato oficial só voltaria a ocorrer trinta anos depois dessas expedições exploratórias, com o início da colonização, marca o princípio de nossa civilização cordial, pluri étnica, congraçada e jamais segregada, eternamente perseguida pelos verdadeiros brasileiros, temida e invejada pelos inimigos da pátria e admirada pelas demais nacionalidades.
Esse Brasil ideal, porém realmente vivido, experimentado, surge em vários outros momentos de nossa história, entre tragédias, massacres, vergonhas e decepções – como aliás, ocorre no caminhar de toda a humanidade.
A frustração por não fixarmos esse momento em todos os momentos, sempre nos fez desacreditá-lo. Nos direcionou para a sublimação idealista e para o recalque revisionista.
Essa dicotomia medíocre, somada à corrupção e ao cartorialismo, nos mergulhou no oceano da mediocridade acadêmica dos mandatos e investiduras, pela qual vivemos tentando revolver o passado sem qualquer perspectiva de futuro.
Hoje, porém, percebemos com clareza que insistir em consertar o passado nos impede de construirmos o futuro.
E o futuro está claro como as águas cristalinas descritas por Caminha no seu relato ao Rei de Portugal.
Basta olharmos para a frente, para além do esgoto da corrupção e miséria humana, para o horizonte além da parede de lamentações e rancores perversos.
Basta tirarmos os grilhões postos em nossos pés pela mais hipócrita jusburocracia do planeta.
Basta libertarmos a conciência do bolo fecal criticista, pretensamente acadêmico despejado sobre nossos corações e mentes pelo cínico complexo midiático que sequestra nossa comunicação.
Basta, enfim, recolhermos a âncora presa ao fundo lodoso da política nacional, jogar ao mar o peso morto dos lacaios rentistas e cortarmos as amarras com políticos e “otoridades” que pesam na alma do povo brasileiro.
Sigamos rumo ao futuro dispensando no caminho a carga morta do passado que não nos interessa.
Talvez, assim, possamos redescobrir o Brasil.
*Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB. É Editor- Chefe do Portal Ambiente Legal, do Mural Eletrônico DAZIBAO e responsável pelo blog The Eagle View.
Fonte: The Eagle View
Publicação Ambiente Legal, 22/04/2020
Edição: Ana A. Alencar