Essa tecnologia é a “menina dos olhos” de ambientalistas, cientistas e empreendedores com visão de futuro. Para todos eles, essa fonte de energia, genuinamente sustentável, é ideal para promover desenvolvimento humano com proteção ao meio ambiente. Pena que o governo brasileiro não tem feito sua parte no esforço de consolidar esse mercado cheio de oportunidades promissoras, como fazem países como Alemanha e França.
Por Marici Capitelli
Se houvesse uma eleição no Olimpo, Apolo, o deus-Sol, seguramente concorreria com o Brasil para garantir uma larga vitória. E que ninguém ouse reclamar de sua generosidade com nosso País. Em um ano, a energia solar que incide no território brasileiro é de 15 trilhões de megawatts, o que corresponde, por exemplo, a 40 vezes o consumo interno de eletricidade durante 2004. Entre nós, essa energia brilhante, que transborda calor, beleza e vitalidade o ano inteiro, banha em todas as cinco regiões.
“O Brasil, como um todo, é uma potência em energia solar”, afirma Enio Bueno Pereira, pesquisador e coordenador do projeto Swera-Brasil, que está prestes a finalizar um Atlas da energia solar e eólica no País, estudo financiado pela Organização das Nações Unidas — ONU.
Essa coleção vai ser o mapa da mina para quem pretende investir nesse mercado promissor, pois apontará com precisão matemática a incidência de irradiação solar por região e por ano.“Temos um cinturão de irradiação solar no Brasil. Para imaginar o que isso representa, é como se colocássemos uma faixa presidencial, bem larga, sobre o mapa do Brasil”, explica o coordenador do projeto Swera-Brasil (a sigla, em inglês, significa Solar and Wind Energy Renovable Resource).
A energia solar é a “menina dos olhos” de ambientalistas e cientistas. E essa paixão pode ser facilmente explicada: para todos eles, sem uma única exceção, trata-se de uma energia realmente do bem. Os estudiosos são unânimes em afirmar que ela é limpa, renovável e não destrói a camada de ozônio. Isso significa que é ideal para promover desenvolvimento humano com proteção ao meio ambiente (saiba sobre as aplicações possíveis nos quadros das páginas 14 e 15).
Cinturão de irradiação subutilizado – O mercado brasileiro é tido como bastante promissor para todas essas aplicações, mas o setor ainda enfrenta muitos obstáculos. Especialistas e empresas que detêm essas tecnologias reclamam da falta de programas de investimento e incentivo – a exemplo do que existe em outros países – para a ampliação do uso e barateamento dos custos.
Dados da Abrava, a associação nacional que congrega os fabricantes de coletores solares, apontam que estão instalados no País 2,7 milhões de metros quadrados de coletores solares, algo em torno de 1,2 metro quadrado por habitante. “É muito pouco se levarmos em conta a população brasileira”, afirma o diretor executivo da Abrava, Carlos Felipe da Cunha Faria, mais conhecido pelo apelido “Café”.
Só na China estão instalados 60 milhões de metros quadrados. A Alemanha, um dos países com maior tradição no uso de energia solar, dispõe de irradiação solar menor que o Rio Grande do Sul. O projeto Swera-Brasil aponta que, no sul brasileiro, a incidência é de 7 kw/hora por dia. Os alemães dispõem de 5kw/hora e o governo compra toda a energia excedente com o objetivo de fortalecer cada vez mais esse mercado. Em Israel, o uso de coletores solares é obrigatório. O interior de São Paulo e o estado do Mato Grosso apresentam, segundo o Atlas, grande potencial para a instalação dos sistemas solares. “A região amazônica tem muita água, o que barra o aproveitamento da energia solar. Por outro lado, se no lugar de grandes represas optássemos por construir usinas de painéis fotovoltaicos, seria possível suprir, em pouco tempo, toda a energia consumida no País e também atender a novas demandas”, assegura o diretor executivo da Abrava.
O mercado interno também apresenta outros contrastes. O crescimento, em 2005, foi de 1%, enquanto países como a França alcançaram patamar invejável de 300%. Mas nada de desânimo. O físico Délcio Rodrigues, que coordena no Instituto Vitae Civilis — uma organização da sociedade civil com sede em São Paulo — projeto de abrangência nacional para disseminação de coletores solares, dá uma boa notícia: “Nós temos um grande potencial a ser explorado e estamos trabalhando com a meta de instalação, até 2030, de cerca de 130 milhões de metros quadrados de coletores solares”.
Rodrigues informa, ainda, que na cidade de São Paulo e em outros municípios do País, o projeto do Vitae Civilis tem fomentado o debate público sobre a necessidade de aprovação de uma lei para tornar obrigatória a instalação de coletores solares nas novas construções.
De qualquer forma, é consenso entre especialistas da área que nosso cinturão de irradiação está subutilizado, sendo apontados três fatores impeditivos: preço, desconfiança e a já referida falta de incentivos governamentais.
“Um dos grandes entraves é a desconfiança do consumidor com relação ao produto”, explica Café, da Abrava. Segundo ele, os coletores solares ainda são muito associados aos hippies dos anos 1960. “Essa barreira cultural ainda existe em muitos países. Até os próprios arquitetos desconhecem as técnicas de instalação do equipamento”, afirma Café.
Do volume instalado de coletores solares no País, 85% estão em residências das classes A e B. O custo de instalação do equipamento é de R$ 2 mil a R$ 2,5 mil. À primeira vista, o investimento parece alto se comparado ao preço de um chuveiro elétrico, que pode ser comprado a partir de R$ 30. Mas os especialistas são unânimes em afirmar que o investimento em um coletor solar residencial se paga em dois anos, tomando por base os altos valores que o consumidor vai ter de arcar na conta de luz. Outros 14% dos coletores solares instalados no País estão em hotéis e hospitais, sendo que para o segmento hoteleiro, o investimento se paga em menos de um ano. Outro 1% está em funcionamento nos vestiários do setor industrial.
A partir de 2007, o setor pode ter sua situação mudada — para melhor. É que todos os sistemas terão de ser etiquetados pelo Instituto Nacional de Metrologia (Inmetro). Essa obrigatoriedade pode ajudar a validar a confiança dos consumidores. “Mas ainda vão faltar investimentos de maior fôlego que só o governo pode fazer, além de mudanças nas legislações”, conclui o físico Rodrigues.
Três caminhos de mudança para nossa atual matriz energética
Falando de forma descomplicada, pode-se obter energia do sol de três maneiras. Uma delas é para geração de calor. Nela se enquadram os coletores solares, a tecnologia hoje mais conhecida dos consumidores brasileiros e a que mais largamente tem sido adotada entre nós. Os coletores solares são, na atualidade, o equipamento mais eficaz, especialmente do ponto de vista econômico e ambiental, para aquecer água. Com a vantagem de que tiram de cena um grande vilão, os chuveiros elétricos.
Outro sistema, mais caro e complexo, é o dos painéis fotovoltaicos, cujo uso, no Brasil, ainda é restrito a comunidades distantes e sem acesso à eletricidade. A tecnologia também pode alimentar postes de iluminação pública, semáforos, bombas d’água, sistemas de refrigeração, cercas elétricas em torno de propriedades rurais, além de iluminar painéis publicitários e pontos de ônibus. Todas essas aplicações são de uso praticamente experimental no País em razão de seu custo muito elevado.
Os painéis fotovoltaicos, feitos de silício, são apontados como os responsáveis pelo preço salgado da tecnologia. “Mas aqui temos uma incongruência. Nosso País é um dos maiores exportadores de silício cristalino do mundo. Além disso, abrigamos em nosso território uma das maiores jazidas do metal bruto”, destaca o coordenador do projeto Swera-Brasil.
“O custo de nossos painéis tem de cair drasticamente e isso só vai acontecer com incentivos do governo à produção do sistema fotovoltaico”, sugere o pesquisador. O Japão é o líder mundial entre os produtores desses painéis. Atualmente, o Brasil tem instalado 12.600 megawatts de painéis fotovoltaicos, o que equivale a 0,1% da potência de Itaipu.
O terceiro sistema, não menos importante e que também engatinha por aqui, é o da energia heliotérmica, movida a partir de concentrados solares e ideal para regiões com temperaturas elevadas.
Quem quiser se aprofundar na temática pode participar, no próximo dia 5 de setembro, na cidade de São Paulo, da 1a. Conferência Municipal de Energia Solar, iniciativa inédita no País que vai reunir prefeitos, legisladores, fabricantes e consumidores finais para formularem, de comum acordo, as melhores diretrizes para políticas públicas e de mercado realmente capazes de promover o sólido estabelecimento da energia solar nos setores residencial, industrial e de serviços. A Câmara Municipal de São Paulo realiza o evento, que conta com a promoção da Escola Argos e organização da AICA, empresa que edita a revista Ambiente Legal. A entrada é franca e as inscrições já estão abertas. (MC)
Exemplo a ser seguido
A instalação de coletores tem se mostrado uma experiência positiva entre populações de baixa renda. Uma experiência vitoriosa acontece em Minas Gerais, por iniciativa da Cemig.
“O conforto da água quente o ano todo pesa muito no orçamento de uma família de baixa renda. O chuveiro elétrico, sem dúvida, é o que mais gasta energia. O consumidor tem dificuldade em pagar as contas. Por esse motivo a Cemig tem investido na instalação de coletores solares em casas populares”, afirma José Carlos Ayres de Figueiredo, engenheiro de tecnologia da companhia de energia elétrica mineira.
Além dos 4,5 mil atendimentos que realiza por mês, o hospital filantrópico São João de Deus, de Divinópolis (MG), pode se orgulhar de outro número: é o estabelecimento de saúde com mais metros quadrados de coletores solares instalados na América Latina. São 210 painéis que totalizam 404 m² de placas de aquecimento.
Ainda não aconteceu a inauguração oficial do empreendimento, mas de acordo com a direção do hospital a economia na conta de luz é de R$ 5 mil, valor que faz toda diferença para uma instituição que tem 70% do seu atendimento voltado para o Sistema Único de Saúde (SUS).
A instalação e o projeto também foram feitos pela Cemig. A concessionária patrocina, ainda, outro projeto inovador. Trata-se da tecnologia de bombas de calor na Cidade dos Meninos, instituição que cuida de 2.100 jovens carentes em Ribeirão das Neves. Essas bombas garantem o aquecimento solar da água usada em 2,6 mil banhos, todos os dias.
Nos últimos anos, a Cemig já investiu R$ 1 milhão em aquecedores solares em conjuntos habitacionais de baixa renda. Atualmente, estão sendo investidos mais R$ 1,5 mil para que o benefício chegue a mil novas casas em 10 conjuntos habitacionais. A economia média para o consumidor é de 40% e a companhia garante que não enfrenta problemas de vandalismo nos equipamentos. (MC)
Produto conquista consumidores de todas as classes
A cidade de São Paulo, que um dia já foi chamada de “a terra da garoa”, está provando que tem muito sol e quer usufruir desse benefício. É que está perto da conclusão um projeto de lei, de iniciativa do Executivo, que introduzirá no Código de Obras municipal a obrigatoriedade de instalação de coletores solares em novas edificações. O projeto foi inspirado em lei que está em vigor em Barcelona (Espanha). Em São Paulo, a Secretaria Municipal do Verde e Meio Ambiente, a Abrava e o Instituto Vitae Civilis estão à frente desse esforço.
“Não serão todas as edificações que terão de se submeter a essa obrigatoriedade. Nós estamos fazendo esse recorte”, afirma Eduardo Aulicione, assessor técnico da Secretaria do Verde. “A aprovação da lei vai ser um grande passo para a cidade e o País”, afirma um dos coordenadores do projeto, o físico Delcio Rodrigues, do Instituto Vitae Civillis.
Mas outros passos já estão sendo dados para melhorar a qualidade de vida na maior cidade da América Latina. De um lado, alunos de uma escola particular tradicional. De outro, uma comunidade carente. Unindo os dois extremos da teia social está a energia solar. É que desde 2001 estudantes do Colégio Santa Maria desenvolvem e instalam coletores solares em moradias de baixa renda. Embora realizado por mãos jovens, o trabalho não tem nada de amador e 20 equipamentos já estão em pleno funcionamento.
“Na época do ‘Apagão’ começamos a pesquisar com nossos alunos qual seria a melhor forma de substituição da energia elétrica”, recorda a professora de Matemática, Neuza Bedoni Alves.
Ela contou com a ajuda do marido e engenheiro Onofre, juntos eles começaram a pesquisar as alternativas. O casal descobriu uma experiência na Universidade de São Paulo. “Meu marido me convenceu que seria fácil para as crianças montarem os coletores solares”. Ele acabou se tornando voluntário no projeto.
Os R$ 500 necessários para comprar os componentes são arrecadados em festas e eventos promovidos no colégio. Sob supervisão do marido de Neuza, os alunos montam os coletores. A instalação acontece sempre aos sábados, em alguma comunidade carente. Lá, os próprios estudantes sobem nos telhados e instalam o coletor. Enquanto isso, outro grupo de alunos explica regras de cuidados com o meio ambiente para os moradores, que são mobilizados para o evento.
Há um ano a aposentada Jesuita Caetano Bonifácio, 65 anos, moradora em Americanópolis, zona Sul de São Paulo, foi beneficiada pela iniciativa. Ela conta que a economia tem sido de cerca de R$ 100,00 em sua conta de luz. “Com esse valor já dá para comprar carne de melhor qualidade”, diz com satisfação.
Além da economia no bolso, dona Jesuita aponta outra vantagem. “É um sistema muito seguro. Quando os meus netos tomam banho na minha casa fico muito tranqüila porque não tem risco de choque”.
Se dona Jesuíta vibra com o seu coletor, um empresário suíço que não quer ser identificado, também está muito feliz. É que sua casa é totalmente alimentada pela energia solar. Localizada no Alto da Boa Vista, zona Sul, a residência recebeu um investimento de R$ 30 mil para ter telefones, sistema de segurança, aquecimento e iluminação interna funcionando apenas com energia solar.
O projeto e a instalação foram feitos pelo engenheiro eletricista Airton Dudzevich, da Suprinter Energy, um apaixonado por energia solar.
Tanto é que ele é o responsável pela implantação de um sistema de maior alcance. Em Paraty, no Rio de Janeiro, uma comunidade de 136 famílias de pescadores está sendo abastecida por energia fotovoltaica.
Além das casas, a energia está alimentando 30 postes de iluminação pública e três centrais de refrigeração. Esses equipamentos promoveram uma verdadeira revolução na vida da população.“Com as centrais de refrigeração, eles podem armazenar os peixes e negociá-los com mais tranqüilidade. Antes, eles não tinham como guardar o produto e vendiam por qualquer preço”, conta Dudzevich.