Especialista analisa impactos das mudanças na política ambiental de Joe Biden no Brasil
O advogado e economista Alessandro Azzoni(*), especialista em direito ambiental, analisou as primeiras medidas ambientais de Joe Biden e seus reflexos para o Brasil. Para ele, o presidente americano sinaliza uma economia ambiental, apesar de não mexer — ao menos por ora — na matriz energética norte-americana. “As medidas iniciais sinalizam um governo verde com medidas mais severas pós-pandemia”.
Ele explica que o governo do ex-presidente americano Donald Trump buscou recuperar a economia e sair da recessão a qualquer custo, sem se importar, por exemplo, com o fato de a matriz energética ser baseada em combustíveis fósseis. “A recuperação do crescimento e geração de empregos foi prioridade, independente de que tipo de indústria seria instalada. Com isso, ele revogou muitas leis e benesses ambientais”.
O presidente Joe Biden, por sua vez, tem um viés ambiental e já anunciou um pacote de medidas na quarta-feira, 27, que mira novas perfurações de petróleo e gás, elimina subsídios aos combustíveis fósseis e prevê a transformação da frota de carros e caminhões do governo em veículos elétricos. Porém, na avaliação do especialista, Biden não tocou no cerne da questão: a matriz energética norte-americana.
“Quase 80% da matriz é de derivada de combustíveis fósseis e carvão. E o grande gargalo da economia norte-americana hoje é que as indústrias — principalmente as de base — não têm investimento na questão ambiental. Elas usam matriz energética errada e poluem demais. Esse é um grande problema que o presidente vai enfrentar.”
As medidas já anunciadas são apontadas por Azzoni como um grande passo, mas não atingem o “coração” do governo americano que é a substituição da matriz energética. “Digo isso porque se você coloca um carro elétrico para rodar é preciso ter energia limpa. Por exemplo, no Brasil, em que temos uma energia cara e em sua maior parte por termoelétrica movida a gás ou diesel, o que eu economizo de emissão de CO2 no carro eu gero em energia elétrica. Ou seja, não tem uma lógica nisso”.
“O importante é que existe uma sinalização de que a economia terá viés ambiental, e que a política em si nacional vai cobrar dos outros países a mesma relação. Neste caso, o Brasil já tem uma política ambiental forte. Apesar da dialética do presidente [Jair Bolsonaro], a legislação não foi modificada. Ele fez o mesmo que o Trump, flexibilizou normas ambientais dentro da regulamentação do governo federal, mas leis mesmo não foram modificadas.”
O advogado explica que o próprio mercado internacional traz algumas regras que ditam, por exemplo, o setor do agronegócio. “Está sintonizado com as licenças ambientais, senão nossos produtos não vão para o mercado europeu. Então, os produtos já têm essa certificação”, detalha.
Acordo de Paris
Em relação ao Acordo de Paris, uma dificuldade que o Brasil pode enfrentar é a redução de emissão de poluentes. Apesar de que o Brasil, de acordo com o advogado, tem avançado nessa pauta. “Mesmo com o governo federal dizendo que não se preocupa com isso, estados e municípios já aderiram tocam políticas internas.”
“Um ponto do acordo que chamo atenção diz respeito à redução do desmatamento e recuperação das áreas desmatadas. Biden deixou claro que vai criar um comitê especial dos signatários do acordo de Paris, então podemos ser alvo de uma pressão internacional muito grande nesse ponto”, afirma Alessandro, que aponta a expectativa de desgaste nas relações internacionais e mudança na relação Brasil x EUA. “A relação com Trump, em minha visão, nem foi tão benéfica assim, ele taxou nosso aço, não tivemos contrapartidas e quase taxaram a soja”, avalia.
As pressões que podem partir de Joe Biden podem ocorrer por meio da criação de barreiras, como a determinação que as relações comerciais sejam voltadas a países que possuem uma política ambiental e com produtos atestados. “A diplomacia também deve mudar bastante, não dá pra ter o mesmo chanceler. Com o Trump era uma conversa quase direta e agora é preciso uma diplomacia mais flexível nesse sentido.”
“Vimos que em poucos dias de mandato, o presidente já veio com a questão ambiental muito forte. Mas em relação à matriz energética vai ter uma redução das emissões até 2035, mas não fala em substituição”, aponta o especialista. Azzoni lembra ainda que Barack Obama entrou no Acordo de Paris já no fim do mandato, e que em seguida Trump cancelou. “Eles têm um problema grande em relação a lobby, as indústrias de base são obsoletas na questão ambiental”, acrescenta.
No final do mandato, o advogado aponta a possibilidade de uma mudança até global, uma vez que a economia americana dita regras. “Se a relação com a China for estreitada por uma questão diplomática, pode ser que os dois avancem nessa questão ambiental e os países que não forem signatários tenham prejuízos nesse sentido”.
Por fim, Azzoni destaca que com a retomada do Acordo de Paris, os países desenvolvidos devem disponibilizar tecnologia e financiamento para projetos ambientais aos países subdesenvolvidos, dando a oportunidade de desenvolverem uma economia limpa. “É um efeito indireto muito grande”, arremata.
(*)Alessandro Azzoni é advogado e economista, especialista em Direito Ambiental, Direito Civil, Trabalhista e Tributário. É mestre em Direito pela Universidade Nove de Julho, especializado em Direito Ambiental Empresarial pela Faculdade Metropolitanas Unidas (FMU). Bacharel em Ciências Econômicas pela FMU. Professor de Direito na Universidade Nove de Julho (Uninove). É Conselheiro Deliberativo da ACSP – Associação Comercial de São Paulo; Coordenador do NESA –Núcleo de Estudos Socioambientais – ACSP – Associação Comercial de São Paulo; Conselheiro membro do conselho de Política Urbana – ACSP – Associação Comercial de São Paulo; Membro da Comissão de Direito Ambiental OAB/SP.
Fonte: Portal Netto Reis
Publicação Ambiente Legal, 08/02/2021
Edição: Ana A. Alencar
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