Por Rose Guirro e Simone Silva Jardim
A Costa Rica, menor que o estado da Paraíba, fatura, anualmente, R$ 1,5 bilhão com ecoturismo.
Do tamanho de um continente e com um número invejável de atrações naturais, nosso país perde divisas.
Do descobrimento da Terra Brasilis para cá, muita coisa mudou, mas nossa inebriante natureza, mesmo saqueada e devastada através dos séculos, ainda tem o poder de provocar embasbacamento entre visitantes estrangeiros e nacionais. Outro fato: no mundo inteiro, o turismo produz generosas divisas, mas, no Brasil, país dos contrastes, o setor ainda caminha a passos tímidos, apesar de nossa incomparável e bastante invejada oferta de paisagens, todas dignas de cartão postal.
Mas esbanjar mais de mil e uma belezas sem oferecer infra-estrutura adequada e mão-de-obra qualificada, só para citar dois exemplos, “queima o filme” e o resultado, óbvio, é a perda de divisas nesse mercado altamente competitivo.
Um dado sintomático é que polpudos US$ 495 milhões foram gastos pelos brasileiros com viagens ao exterior, entre janeiro e maio de 2006, o que gerou um déficit de US$ 154 milhões em nossa balança de turismo. A França, um dos países mais procurados pelos turistas brasileiros, nos dá uma lição: 88% da população daquele país viajam dentro de suas fronteiras.
Desconhecimento – Certo é que o Brasil está longe de ser um destino obrigatório entre os que procuram paisagens deslumbrantes e contato direto com uma rica biodiversidade e cultura. Os turistas estrangeiros não têm notícia de nada além do Rio de Janeiro, “pedacinhos” da Amazônia e uma ou outra praia do Nordeste. Pior: nem os próprios brasileiros, que seguem em número crescente, ano após ano, para roteiros fora de nossas fronteiras, estão mais informados.
Especialistas da área afirmam que nossas autoridades não têm se empenhado em criar um ambiente capaz de atrair mais visitantes para nossas muitas atrações, bem como trazer para cá investidores interessados em “turbinar” especialmente o segmento do ecoturismo.
Melhor investimento – Uma pergunta que não pode calar: que investimento dá um retorno tão polpudo quanto o turismo e seus vários segmentos, que a cada 1 dólar investido atrai outros US$ 6? É a versão contemporânea do milagre da multiplicação dos pães, melhor dizendo dos dólares, nesses primórdios do Terceiro Milênio. Os dados são da Organização Mundial do Turismo, que indica o setor como um dos mais fortes da economia do planeta. Pudera, movimenta 10% do PIB do globo. O ecoturismo é apontado como ingrediente fundamental para a expansão dessa atividade.
E pensar que nossa irmã latina, a Costa Rica, cujo território é menor que o estado da Paraíba e seus atrativos naturais, apesar de belos, não apresentam a abundância de cenários que temos por aqui, tem no ecoturismo a força de sua economia, exibindo um faturamento de dar inveja: mais de 1,5 bilhão de dólares por ano (leia quadro nesta reportagem).
“Ao contrário da Costa Rica, que investe em ecoturismo há décadas, a divulgação dos roteiros do Brasil começou apenas em 2003”, conta Cibele Moulin, coordenadora executiva do Bureau de Ecoturismo, Aventura e Mergulho.
A indústria turística, aparentemente relegada no país, só recentemente motivou os Ministérios do Turismo e do Meio Ambiente a trabalhar juntos para tornar nossos 62 parques nacionais, que guardam algumas de nossas mais belas paisagens e preciosos recursos naturais, destinos mais divulgados e atraentes para os turistas.
“Não são todos os parques que têm infra-estrutura para receber os visitantes”, avisa Jurema Monteiro, da gerência de Apoio e Comercialização da Embratur.
De acordo com a consultora do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), Karen Graziele Furlan Basso, que está fazendo um estudo sobre ecoturismo encomendado pelo Ministério do Turismo, o que impede o Brasil de entrar com força no mercado internacional é a falta de políticas públicas para o setor. “Já tivemos muitas iniciativas, mas nenhuma delas seguiu adiante”, declara Karen.
Acesso controlado – O ecoturismo se diferencia do turismo convencional pelo modo como os visitantes têm contato com a natureza. Enquanto no turismo clássico as pessoas apenas contemplam e fotografam o que a vista alcança, no ecoturismo elas interagem com o ambiente e comunidades locais.
Essa alternativa oferece ao visitante um “cardápio” variado: fazer trilhas, às vezes extenuantes, por matas fechadas, mergulhar entre golfinhos, ter a oportunidade de uma convivência estreita com moradores da região, sua cultura e hábitos; ou praticar turismo de aventura, que proporciona emoções e riscos em graus diversos, como fazer raftinhg (passeios de bote) em rios e cachoeiras, escalar montanhas e praticar muitos outros esportes radicais em meio a paisagens de tirar o fôlego.
De qualquer forma, essa experiência direta e prazerosa com a natureza exige atenção. Uma das preocupações não só de ecologistas, mas principalmente de quem vive dessa atividade, é preservar os atrativos naturais. O acesso não controlado de um destino pode esgotar a paisagem e os recursos que a circundam, descaracterizando o patrimônio cultural local e regional, além de levar ao desequilíbrio social.
Foi pensando em preservar tudo isso que, em 2002, o Instituto Hospitalidade (IH) criou, em parceria com o Conselho Brasileiro para o Turismo Sustentável (CBTS), com apoio da Agência de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex) e do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o Programa de Certificação em Turismo Sustentável (PCTS).
“O programa estabelece normas e requisitos mínimos de desempenho em relação à sustentabilidade, além de permitir que os estabelecimentos criem políticas e objetivos que levem em conta as exigências legais e informações referentes aos impactos ambientais por eles gerados”, explica Rômulo dos Santos, coordenador nacional do Programa de Certificação em Turismo Sustentável do IH.
A certificação impõe, por exemplo, a prévia elaboração de plano de manejo para que um parque nacional seja aberto a visitas públicas. Sem isso, as belezas naturais podem ser grandemente danificadas. E esse risco existe, pois a maioria de nossos 62 parques nacionais ainda não contam com essa ferramenta.
“São de vital importância as regras de conservação, justamente para não ocorrer o esgotamento dos recursos naturais, como os que tivemos nas décadas dos 70 e 80”, afirma o professor Sidnei Teixeira de Castro, coordenador do curso de Ecoturismo e Turismo de Aventura, o primeiro curso do país, de nível superior, voltado exclusivamente para o segmento, que prepara interessados para atuar na área em dois anos. O curso é ministrado pela Faculdade Anhembi-Morumbi, localizada na capital paulista.
“Não podemos esquecer que, naquela época, as praias de Canoa Quebrada e Jericoacoara, no Nordeste, receberam muito mais visitantes do que o recomendado e perderam características importantes, como as dunas, que foram praticamente destruídas pela enorme quantidade de jipes que faziam passeios sobre elas”. Como exemplos de atividades bem-sucedidas, Castro cita Fernando de Noronha, arquipélago pertencente ao estado de Pernambuco, que tem entrada controlada, e Bonito, no Mato Grosso do Sul.
Mão-de-obra sem qualificação – Para que as empresas do setor, especialmente as pequenas, consigam a certificação em turismo sustentável, uma das principais preocupações, segundo o coordenador do IH, é a capacitação da mão-de-obra. Um convênio entre a entidade e o Sebrae Nacional tenta minimizar o problema.
Dá para entender a necessidade de treinamento quando se constata que, no país, grande parte dos empreendimentos voltados para o ecoturismo são de pequeno e médio portes.
A qualificação do pessoal que trabalha com ecoturismo é, na opinião de muitos especialistas, o maior problema enfrentado pelo Brasil na disputa com outros países. “Aqui, praticamente, não temos guias bilíngües”, diz Cibele, do Bureau de Ecoturismo.
Outro obstáculo apontado é que, normalmente, o turista estrangeiro fica cerca de uma semana no país e quer conhecer vários locais. “Internamente, as distâncias entre os pontos é um complicador, pois se o turista quiser conhecer o Pantanal e a Amazônia, em uma semana, não vai conhecer quase nada porque perderá muito tempo com deslocamento. Nessa área, nossa infra-estrutura é bastante precária”, ressalta Santos.
Além disso, vôos da Europa e dos Estados Unidos com destino ao Brasil, que já não eram freqüentes, caíram drasticamente após a crise na Varig e o “apagão” que toma conta de nossos principais aeroportos. Esses fatos somados a problemas como violência urbana, amplamente mostrados pela mídia internacional, afugentam do país turistas e possíveis investidores.
Lidando com desafios – A Associação de Hotéis Roteiros de Charme., criada em 1992, congrega 40 hotéis, pousadas e refúgios ecológicos, de Norte a Sul do país, que oferecem 32 destinos turísticos em 10 estados. Seus associados buscam praticar a arte da hotelaria com responsabilidade social e ambiental para a sustentabilidade econômica de suas próprias operações.
Segundo Mônica Borobia, bióloga e diretora da associação, avanços no processo de desenvolvimento do turismo sustentável no Brasil somente ocorrerão se soubermos lidar com desafios internos, tais como o alto grau de informalidade da atividade turística, a falta de conhecimento de nossa biodiversidade e o estabelecimento de normas e critérios factíveis e legítimos para os empreendimentos.
Vale lembrar que os estabelecimentos filiados aos Roteiros de Charme estão localizados em áreas de conservação e em ecossistemas frágeis, como Cerrado, Mata Atlântica e Pantanal. Por isso, um Código de Ética e Conduta Ambiental, elaborado pela associação em 1999, tem sido colocado em prática (disponível na íntegra no portal www.roteirosdecharme.com.br).
“O Código visa um objetivo comum e não o conflito entre preservação do meio ambiente e a sobrevivência da empresa hoteleira. Considera aspectos como conservação de energia e água, preservação de áreas de importância ambiental e de valores culturais e históricos e envolvimento de fornecedores e prestadores de serviços”, conta Mônica.
Outro princípio colocado em prática pelos Roteiros de Charme é a educação e capacitação dos recursos humanos. “Buscamos promover o desenvolvimento social da totalidade dos funcionários dos hotéis associados, suas famílias e das comunidades do entorno onde operamos”, explica a bióloga.
A bola da vez – Apesar das dificuldades, o Brasil deve receber, ao longo deste ano, perto de 9 milhões de turistas estrangeiros. Os que optarem pelo ecoturismo seguirão, em sua maioria, para o Pantanal e o Parque Nacional de Foz do Iguaçu, que são dois dos principais pólos de turismo do país. Outras localidades cuja procura é menor, mas os roteiros oferecem grandes atrativos ecoturísticos são: Chapada dos Veadeiros, Lençóis Maranhenses e
Chapada dos Guimarães. A relação dos parques, sua localização e principais atrativos podem ser consultados no portal <www.mma.gov.br>.
Para ampliar o leque de ofertas ao ecoturista, o Ministério do Meio Ambiente, Ibama, Embratur e Ministério do Turismo estão procurando se acertar para que mais parques nacionais tenham condições de receber visitantes. De acordo com Camila Rodrigues, do MMA, nesta primeira fase de trabalho foram selecionados 24 dos 62 parques nacionais hoje existentes.
Uma das primeiras providências será melhorar a infra-estrutura e qualificação dos funcionários dos parques e dos moradores da região por meio de parcerias com o Sebrae e com a iniciativa privada. “A visitação será promovida para incentivar a geração de emprego e qualificação da mão-de-obra que mora no entorno”, acrescenta Camila.
E para acabar com o mito que as praias do Rio de Janeiro são a única opção do Brasil para o turista, o Bureau de Ecoturismo e a Embratur estão definindo alguns roteiros, nas várias regiões de nosso território, que serão alvos de divulgação em países como Estados Unidos da América, Inglaterra, França, Espanha e Alemanha. “Esses países têm muitas pessoas interessadas em ecoturismo”, explica Cibele.
Campanhas como esta podem, em seu start, dar muito retorno, mas se internamente não fizermos os deveres de casa, turistas estrangeiros mais exigentes – e também os nacionais – vão pronunciar, cada qual em seu idioma, mas com o mesmo sentimento de frustração, a seguinte frase: – Brasil, nunca mais.
Pantanal abriga empreendimento modelo
Um dos empreendimentos ecoturísticos mais bem-sucedidos do Brasil é o Refúgio Ecológico Caiman, encravado no Mato Grosso do Sul, em pleno Pantanal. O empreendimento surgiu em 1983 e ocupa uma área de 53 mil hectares. Antes era apenas uma fazenda de gado.
Anualmente cerca de 3 mil turistas, entre famílias de brasileiros e grupos de estrangeiros, hospedam-se na pousada do empreendimento para usufruir das atividades ecoturisticas. Roberto Klabin, proprietário do Refúgio Caiman e presidente da Fundação SOS Mata Atlântica, revela os fatores de sucesso da iniciativa.
“Caiman é um projeto de ecoturismo bem-sucedido porque, ao longo de seus 20 anos de operação, manteve-se dentro dos princípios que nortearam sua criação: capacidade de acomodação limitada para que pudesse existir equilíbrio entre meio ambiente e visitantes, respeito pela flora e fauna da região, pela cultura pantaneira e pelo Pantanal”, explica. “Além disso, contribuem para esse sucesso a equipe de guias própria, treinada e bilíngüe, infra-estrutura adequada e preço competitivo”, destaca Klabin.
O empresário diz o que falta para o Brasil tornar-se competitivo na área de ecoturismo. “Precisamos de mais divulgação desse nosso segmento e das vantagens competitivas em relação a outros países”, ressalta. “É importante mostrar os vários destinos nacionais, ir além da Amazônia. Porém, o que mais falta é vontade política do governo para dar apoio à consolidação do ecoturismo”, conclui Klabin. (RG).
Bioalfabetização e visão de longo alcance, o segredo da Costa Rica
A Costa Rica recebe, anualmente, cerca de 1 milhão de turistas. O país é pequeno, menor que o estado da Paraíba – são 51 mil quilômetros quadrados rodeados pelos oceanos Atlântico e Pacífico -, mas a visão de longo alcance do governo faz toda diferença.
Ali, há meio século, o ecoturismo recebe investimentos pesados. Resultado: a maior parte do território é preservada. São 20 parques nacionais, oito reservas biológicas e centenas de áreas protegidas. E o mais importante, a população conhece a fundo a flora e fauna do país. Além disso, praticamente todos os habitantes falam espanhol e inglês fluentemente. Muitos sabem, ainda, um terceiro idioma. Mas na raiz de todo esse sucesso, está a bioalfabetização, por meio da qual crianças aprendem, já nos primeiros anos de instrução, muito a respeito da biodiversidade nacional.
Por causa disso tudo, o governo brasileiro tem levado operadores de ecoturismo à Costa Rica para que conheçam como o segmento funciona no país. Ana Claudia Aveline, diretora da Caá-etê Turismo, que promove passeios no Parque Nacional Aparados da Serra, em Santa Catarina, foi uma das contempladas pelo programa.
“Os guias passam informações o tempo todo”, conta Ana Claudia. “No Brasil, por exemplo, o ecoturismo focado em caminhadas na mata resume-se em oferecer percursos mais fáceis ou mais difíceis. Lá as caminhadas vão além. Mesmo as trilhas mais fáceis, a cada dois ou três metros percorridos, o guia dá explicações detalhadas sobre plantas ou animais. Isso não se vê por aqui”, destaca.
Um dos maiores parques da Costa Rica, o Inbio, é uma espécie de Embrapa a céu aberto. “Mas enquanto a Embrapa estuda a agropecuária, lá eles estudam a biodiversidade e compartilham com todos o conhecimento adquirido”, conta Cláudia. “Aqui não temos nenhum órgão que estude nossa biodiversidade com todo esse afinco”.
Criado em 1989, o Inbio é uma entidade civil, sem fins lucrativos, cuja missão é conhecer a biodiversidade para melhor preservá-la, valorizá-la economicamente e aproveitar suas oportunidades. Para atingir esses objetivos, os dirigentes do parque trabalham de forma integrada com diversos órgãos do governo, universidades, empresas e entidades públicas costa-riquenhas e internacionais. (RG)