Iniciado em 2014, o Projeto Brum, no Município de Jaguaribe, executa técnicas de manejo e conservação para criar condições de recomposição do solo e da vegetação e proporcionar o retorno do ambiente natural da caatinga
Uma mão com dedos de madeira se estende para o céu como se implorasse por chuva, depois de meses sem sentir o frescor de uma gota d’água. Ao lado dela, outra. E mais outra, numa procissão estática de suplicantes. As imagens compartilhadas na memória popular sobre a Caatinga tendem a lembrá-la pela escassez ou pelo que está em falta, mas, em meio a tantos galhos secos e espinhos pontiagudos, há grandes potencialidades encobertas pelo véu de prejulgamentos no bioma que cobre quase 88% de toda a cobertura vegetal do Estado, conforme o Inventário Florestal Nacional do Ceará (IFN-CE).
Dos 8,5 milhões de hectares de florestas que cobrem o território do Estado, em 7,4 milhões predomina a chamada vegetação de savana-estépica, termo botânico para o ambiente de moradia do sertanejo. Contudo, o bioma se encontra ameaçado tanto pelas mudanças climáticas como, principalmente, pela ação antrópica, como aponta a climatologista do Laboratório de Mudança Climática do Instituto Agronômico de Pernambuco (IPA), Francis Lacerda.
“Segundo a literatura, 40% da Caatinga já está em processo de degradação, mas tenho a intuição que esse percentual deve ser bem maior. Há uma degradação do bioma em ritmo muito acelerado pela queima da lenha para uso energético e do desmatamento para pasto, bovinocultura e agricultura”, descreve, afirmando que os prejuízos atingem ainda o solo, a biodiversidade, os recursos hídricos e o próprio clima da região.
É preciso, então, “recaatingar”: um neologismo criado para lidar com um velho problema. Reflorestar o bioma com plantas nativas, naturalmente adaptadas para a aridez, defende a também coordenadora da rede Ecolume, ajudam na retenção da água no solo e, consequentemente, a recarregar os aquíferos. Assim nasceu a expressão “plantar água”, pois a revegetação auxilia também a regular o clima e a trazer maior conforto térmico.
Tecnologia
O convívio harmonioso com o bioma, claro, depende também da população do semiárido – por si só um patrimônio, dotada de diversos saberes tradicionais. Entretanto, à tradição podem ser agregados elementos modernos, como a energia solar. “Ela pode ser um elemento decisivo para dar qualidade de vida ao sertanejo. Podemos trazer discussões sobre a legislação para reivindicar que o sertanejo possa usar a energia solar como fonte de renda”, destaca a climatologista Francis Lacerda.
A pesquisadora defende ainda o “consumo da Caatinga”, metáfora para a ingestão cotidiana de vegetais do próprio bioma. Um dos mais importantes é o umbuzeiro, árvore que está na fila de extinção. Segundo Lacerda, com ele, podem-se fazer fármacos para o estômago (sem os efeitos colaterais dos industrializados), farinha para massas, geleia e até mesmo cerveja. “É um alimento funcional e é altamente pertinente discutir isso”.
Seminário
As experiências desenvolvidas em Moxotó, no sertão de Pernambuco, serão apresentadas na II Conferência da Caatinga, até a próxima quinta-feira (21), no Auditório Murilo Aguiar, na Assembleia Legislativa do Estado do Ceará (Alce).
O evento discute o tema “Desenvolvimento Humano e Sustentabilidade”, com ações estratégicas de adaptação e convivência na estiagem – urgente quando um mapeamento realizado pela Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme), em 2016, indica que o Ceará já apresenta 11,45% do seu território em processo de desertificação.
A supervisora do Núcleo de Recursos Hídricos e Meio Ambiente do órgão, Margareth Benício, explica que todo o território cearense está vulnerável ao processo, mas, atualmente, as regiões mais atingidas são os Inhamuns, o Médio Jaguaribe e parte do centro-norte, onde estão localizados o município de Irauçuba e seus circunvizinhos. Foi então implementada uma experiência piloto em área degradada de cinco hectares no Riacho do Brum, no Município de Jaguaribe.
Projeto Brum
Iniciado em 2014, o Projeto Brum executa técnicas de manejo e conservação para criar condições de recomposição do solo e da vegetação e proporcionar o retorno do ambiente natural da Caatinga. Segundo Margareth, as respostas às práticas têm sido satisfatórias. “A cobertura vegetal já está retornando. Os moradores, inclusive, agora chamam essa área de ‘Amazoninha’”, lembra, referindo-se ao contraste do verde atual com o cinza da paisagem anterior.
Para a supervisora, o êxito da experiência foi mostrar que áreas degradadas podem ser recuperadas, embora a muito custo. “O ideal mesmo é conservar”, decreta. “O principal fator de degradação é o solo. É ele que tem de ser manejado de forma correta, implementando práticas de uso e ocupação, porque ele já tem facilidade de erosão. A vegetação também merece cuidados porque é ela que cobre e protege esse solo”.
Feira
Durante a II Conferência da Caatinga, acontecerá também a Feira da Cultura e dos Saberes, cuja finalidade é difundir o conhecimento cultural, artístico, científico e tecnológico dos povos da Caatinga. Serão 23 estandes, distribuídos pelo hall da Assembleia Legislativa, representando instituições de vários estados do Nordeste, com variedade de produtos de artesanato, comidas típicas e alimentos orgânicos.
O evento é uma realização da Assembleia Legislativa do Ceará, Secretaria do Meio Ambiente (Sema), Secretaria do Desenvolvimento Agrário (SDA) e Instituto Agropolos, Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs); Ibama Ceará; Instituto Nordeste XXI e Fundação Bernardo Feitosa.
A coordenação é do Conselho de Altos Estudos e Assuntos Estratégicos da Assembleia, órgão que oferece embasamento técnico-científico ao planejamento de políticas públicas do legislativo cearense.
Fonte: Diário do Nordeste via Ambiente Brasil