É a primeira vez que temos tantas notícias de avistagens de baleias no sudeste do Brasil. Só neste ano, desde o primeiro avistamento em 27 de maio, já foram registradas mais de 400 aparições no litoral norte de São Paulo. Isso com base na contagem de apenas um grupo de voluntários.
Alguns dos encontros são ocasionais, como mostra o vídeo impressionante de remadores próximos à praia da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro (RJ). Outros são programados especialmente para visualizar esses visitantes cada vez mais frequentes na costa brasileira.
Esta repórter acompanhou uma dessas iniciativas – um projeto inédito de cooperação na observação de baleias no litoral norte de São Paulo que está contribuindo para o aumento das avistagens de mamíferos marinhos na região. No final de junho, quando a chegada das baleias causou um frenesi entre navegadores e pesquisadores, peguei carona com o projeto Baleias à Vista em parceira com o Viva Baleias, Golfinhos e Cia. Duas iniciativas que contam com uma enorme rede de voluntários.
Este ano, a parceria entre esses dois projetos rendeu um fruto significativo: um ponto fixo para observação de animais marinhos no sul de Ilhabela numa casa com varanda voltada para a entrada do Canal de São Sebastião. Coordenada pelo Viva Baleias, Golfinhos e Cia, a base tem compilado dados importantes.
Além de contar com pesquisadoras de olhos atentos desde o início da temporada, há uma troca intensa de informações com a embarcação do Baleia à Vista. Assim, é possível fazer o registro da base em terra e buscar no mar os dados precisos sobre localização e comportamento de grande parte das baleias que nadam por ali. E isso tem sido fundamental para o aumento das avistagens – uma a cada meia hora, em média. No entanto, vale ressaltar: não necessariamente são novos indivíduos que entram na contagem.
A quantidade de baleias no litoral não é a única coisa que intriga quem as estuda – um número considerável delas tem seguido uma rota diferente nesta temporada. No caminho da Antártida rumo à Bahia, muitas baleias se aproximam do Canal de São Sebastião e percorrem todo o trecho entre o litoral paulista e a costa oeste de Ilhabela. Até o ano passado, a maioria delas passava ao largo de Ilhabela, no mar aberto, longe dos olhos de quem estava próximo ao litoral.
Em campo, no mar
Saímos numa sexta-feira bem cedo do Iate clube de Ilhabela a bordo do Ballerina, principal embarcação do Baleia à Vista. O projeto, criado em 2017 por Júlio Cardoso e Arlaine Francisco para monitorar baleias e golfinhos, também faz um trabalho de educação ambiental na região. No final de 2017, firmou parceria com o Instituto Baleia Jubarte para trocas de experiências e apoio mútuo.
Ex-presidente de grandes empresas como Sadia e Kibon, Júlio Cardoso faz avistagens pelo litoral norte de São Paulo voluntariamente desde 2004. O trabalho de ciência cidadã, com identificação e acervo de imagens de cetáceos com viabilidade científica, é um verdadeiro tesouro para a pesquisa de cetáceos em geral.
“Até 2015, eu fiz cerca de cinco registros de jubartes. Em 2016, mais de 20 registros. 2017 também um número interessante de jubartes. No ano passado teve a primeira explosão. De 21 de junho a final de agosto, tivemos 42 jubartes. Este ano, logo no primeiro mês de junho, já passamos de 60”, explica Cardoso.
Atrás das Jubartes
Saindo do Canal de São Sebastião, a proa do Ballerina aponta para o lado sul de Ilhabela. É nesta região que ocorre a maioria das avistagens e onde as jubartes têm aparecido com frequência em comportamentos incomuns.
No primeiro dia, na altura do Ponta do Borrifo, acompanhamos por um tempo uma baleia em atividade de forrageio, ou seja, descansando, se alimentando ou rondando preguiçosamente, mas muito próximo ao costão. Comportamento que até o ano passado era difícil de observar.
Não sei se notaram, mas o nome do local é Borrifos, chamado assim desde tempos remotos por conta dos borrifos de baleias. Assim como este, outros locais em Ilhabela que denotam historicamente da grande presença de baleias na região. A Praia da Armação, por exemplo, tem esse nome porque ali se processava a carne de muitas baleias capturadas em águas paulistas. A caça só foi proibida totalmente no Brasil em 1987.
O aumento das baleias ainda é um mistério, mas alguns pesquisadores especulam que características do ecossistema no lado sul de Ilhabela podem ser responsáveis. Estariam as jubartes recuperando rotas antigas?
A bióloga Arlaine Francisco, do projeto Baleia à Vista, conta que Ilhabela tem caraterísticas especiais. “Logo próximo à costa temos grandes profundidades, e correntes chegam muito perto da ilha com nutrientes. É um fator importante, porque além de alimento encontram abrigo na área costeira”, diz Francisco. “Temos uma riqueza grande de cetáceos, registro de várias espécies de golfinhos e baleias, com frequências de orcas, baleia-franca, baleia-de-bryde. São águas bastante ricas em biodiversidade.”
Até o começo da tarde, já tínhamos avistado outros três indivíduos.
Terminamos o primeiro dia na casa do projeto Viva Baleias, Golfinhos e cia. Desde o início da temporada, em maio, os binóculos estão a postos na varanda da estação central, do lado sul da ilha. Mia Morete, diretora do projeto, trabalha com cetáceos desde 1995 e tem vasta experiência na observação das baleias em terra – são vinte anos de trabalho em pontos fixos. A parceria com o projeto Baleia à Vista permitiu que ela trabalhasse com as jubartes perto de casa.
“O nosso foco é, além de observações, estudar o comportamento desses animais e tentar descobrir o que estão fazendo por aqui. Quando decidimos instalar o ponto fixo aqui, imaginamos que veríamos as baleias passando ao longe. E ficamos surpresas de ver-las tão perto. Chegamos a escutar o animal”, diz Morete. “Já vimos vários comportamentos, mas ainda faltam mais observações. Tentamos caracterizar. É um uso de passagem? Será que temos mais registros este ano por algum fator que ainda não se sabe? Será que ano que vem vai continuar? Estamos tentando desvendar o que é. As águas de Ilhabela estão sendo usadas para quê pelas baleias-jubarte? Ainda não temos um diagnóstico, mas vamos descobrir.”
Outras possibilidades levantadas por pesquisadores de diversas instituições para o aumento de baleias passam desde aumento populacional, passando por questões climáticas até o aumento da pesca de krill na Antártida e a consequente busca por mais alimento. Nada é conclusivo.
No segundo dia de saída, a bordo do Ballerina, avistamos mais sete baleias e um salto muito próximo. A experiência de ter um animal daquele porte saindo da água subitamente com tamanha força ao nosso lado nos deixa a sensação do quanto ainda temos para entender sobre a natureza.
No começo da tarde, outro comportamento encantador. Próximo à Ponta do Boi, no lado leste de Ilhabela, uma jovem baleia batia a cauda.
Recentemente também foi compartilhado um vídeo que mostra uma mãe com seu jovem filhote na região.
Whalewatching
Com esse abundante índice de avistagens, uma nova atividade econômica está surgindo na ilha. A prefeitura de Ilhabela trabalha no cadastro de operadoras interessadas em oferecer a atividade de observação de baleias.
Bianca Colepicolo, secretária de turismo explica: “Vamos iniciar a capacitação para quem sai de barcos com turistas. A ideia é que no ano que vem seja feita a divulgação da atividade, mas só para quem estiver certificado. Uma forma de atrair turistas, mas não atrapalhar as baleias nem as pessoas”. Em paralelo, diversas instituições trabalham para divulgar e fortalecer as regras de observação de animais marinhos.
Neste momento, muitas das baleias que passaram pelo Sudeste já estão chegando no Nordeste para o período de reprodução. No maior abrigo de biodiversidade do Atlântico Sul – o Banco de Abrolhos, litoral sul da Bahia – já podemos observar a festa das jubartes, com direito a borrifos e saltos ornamentais.
Fonte: National Geographic via Ambiente Brasil