Fim da porta giratória entre Ministério Público e governo, para promotores?
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro
Será o fim das “repúblicas de promotores” instaladas em cargos de governo no Brasil?
Após triturar a Constituição em várias oportunidades, o Supremo Tribunal finalmente trocou a “Constituição Para Colorir” que estava usando, pela Constituição Federal.
Ali, na carta magna brasileira, está expresso a seguinte vedação a quem exerce o Ministério Público: “art. 128 – (…) exercer, ainda que em disponibilidade, qualquer outra função pública, salvo uma de magistério”.
A decisão foi tomada em recurso apresentado pelo partido político PPS ao Supremo Tribunal Federal, em virtude da nomeação, pela Presidente da República Dilma Rousseff, do Procurador de Justiça Wellington Silva, do Ministério Pùblico da Bahia, para o cargo de Ministro da Justiça, em infração ao texto acima transcrito, da Constituição Federal.
A vedação tem uma história, e se justifica.
“Tampões governamentais”
Desde o início da “nova república”, com a eleição de Tancredo Neves, nos anos 80, virou moda suprir a falta de quadros honestos e operativos, nomeando promotores e procuradores ministeriais para cargos da administração.
A substituição, aparentemente meritória, nunca teve, porém, o condão de corresponder à boa intenção aparente.
Na verdade, figuras como a de promotores, em cargos de governo, se prestaram sempre a suprir a falta de planejamento, de idéias sobre o que deve ser feito e de compromisso para com o cidadão – característicos da política brasileira. Algo como uma compensação moral.
O fato é que escândalos de corrupção, inoperância, rombos financeiros, desastres administrativos e quedas de popularidade, costumam abrir um enorme vazio de governança, e esse vazio tem sido historicamente preenchido com a nomeação, pelos governantes atingidos, de figuras tidas e havidas na sociedade como pessoas “acima de qualquer suspeita” – verdadeiros tampões governamentais.
Esse mecanismo é muito antigo. Na verdade os promotores da nova república substituíram os militares do tenentismo e revolução de 30 até a ditadura militar, que haviam substituído os bacharéis na passagem do império até a primeira república, que por sua vez substituíram o padres católicos no período do vice-reino até o final do Império.
Por óbvio que o uso político de membros do Ministério Público não reduz o peso moral embutido na pessoa de vários dos indicados a cargos governamentais. Porém, inegável o desgaste e o indesejado comprometimento sofrido pela instituição a partir desta confusão de papéis no cenário político.
“Selos de qualidade” em governos nem tanto…
A porta giratória entre MP e cargos no governo atendia e ainda atende a três objetivos:
a) usar a figura do promotor para conferir ares de honestidade a administrações nem tanto;
b) criar um “selo” de qualidade institucional, para governos medíocres, e…
c) “resolver” ou “previnir” conflitos com a lei, nomeando o fiscal dela.
Essa promiscuidade de desvios funcionais chegou a causar forte dano à imagem do Ministério Público, em várias ocasiões.
Um episódio histórico recente foi protagonizado pela “República dos Promotores”, instalada no governo do estado de São Paulo entre 1990/1994 – período em que o governo, assolado por denúncias de corrupção, viu-se, no entanto, “blindado” – por conta do volume incrível de “colegas” nomeados para cargos executivos na gestão do também promotor Fleury.
A “República dos Promotores” de Fleury, contudo, saiu desmoralizada, estigmatizada pelo inchaço na administração e pelo episódio da morte de 111 presos no Centro de Detenção do Carandirú.
O episódio ocasionou conflitos corporativos e rendeu um estigma até mesmo injusto para muitos promotores paulistas, vítimas de franca oposição interna por parte de promotores que defendiam que a entidade do MP deveria resgatar o seu perfil mais técnico e menos politizado.
O fato, contudo, não impediu que governos posteriores, em especial governos tucanos – caracterizados pela pouca verve realizadora e enorme tendência ao gerentismo medíocre – lotassem secretarias, diretorias e gabinetes com promotores de justiça (e policiais militares também, diga-se de passagem). Afinal, quando não se tem o que fazer, recorre-se a quem se preocupa com o que os outros fazem…transformando repartições em cartórios ou quartéis.
Confusão de atribuições e efeito cascata…
A vedação constitucional, portanto, não era e não é gratuita. Visa evitar confusão de atribuições e preservar a independência da instituição do Ministério Público em relação aos governos que deve fiscalizar.
Porém, estamos no Brasil, e por aqui, a burocracia atende primeiro aos seus próprios interesses corporativos, visando favorecer aos seus. Assim é que, face às situações criadas com promotores já exercentes de cargos de governo, relacionados a compromissos políticos de todo tipo, passou-se a reinterpretar a vedação constitucional, criando-se um artifício para burlá-la: fatiar a instituição ministerial em nomeados “antes” e “depois” da Constituição.
Por esse fatiamento, os promotores mais antigos passaram a ter um “direito adquirido” a ingressar no executivo sem perder a investidura.
Essa geração de híbridos, no entanto, envelheceu. De há muito atingiu os “enta” (passaram dos cinquenta anos) e, portanto, a porta giratória da política sem rumo à cata de promotores-tampões, passou a demandar os mais jovens.
Agora, petistas seguem o que peemedebistas e tucanos já faziam: saem à cata de promotores, visando uma “certificação de qualidade” bastante improvável…
No mais “sem rumo” e envolvido em “problemas com a lei” de todos os governos brasileiros – o de Dilma Rousseff, procurou-se à pressas substituir um ministro hesitante, que despachava embaixo da mesa, por um… promotor de justiça baiano, em pleno exercício do cargo (aqui não se leva em conta se o promotor foi promovido a procurador de justiça, bem entendido – para efeito de expressão).
Usando da mais notória incapacidade de vislumbrar o óbvio, Dilma Rousseff quis nomear, justamente para Ministro da Justiça, um indicado impedido pela própria constituição de exercer o cargo.
Não deu outra. A oposição recorreu ao Supremo Tribunal Federal para barrar a tentativa petista de nomear ministro um membro do MP baiano – da geração dos “depois” da Constituição.
O STF, então, proferiu decisão que irá se aplicar a todos os casos similares.
A decisão contém um inegável “efeito-cascata”. Irá afastar gente em prefeituras, governos estaduais, autarquias e governo federal. Nesse sentido, a oposição atirou também no próprio pé…
Promotores encastelados em várias administrações deverão, agora, retornar ao lugar de onde vieram e…não deveriam de lá ter saído.
Fim da porta giratória?
Esperamos que sim, para o bem da República e do próprio Ministério Público brasileiro.
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