Os canalhas da República temem duas coisas: a mobilização popular e a democracia.
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro*
No Brasil, quem não é canalha na véspera é canalha no dia seguinte.
(Nelson Rodrigues)
Nos negócios de Estado, a canalhice é irmã siamesa da corrupção. Porém, ainda que possua alguma roupagem ideológica ou busque apenas “se dar bem”, a liderança canalha servirá aos grandes patrocinadores da canalhice nacional: a casta seleta de rentistas, as corporações de burocratas e os parasitas ideológicos encastelados nas universidades públicas.
Mas… quem são os canalhas da República?
Quem são os canalhas
Os rentistas (e seus subalternos), cartelizam a economia brasileira, especulam com a crise e concentram absurdamente as rendas nacionais.
Como vaticinava Millôr, os rentistas não perdem por esperar. Aliás… ganham! Com juros e ao mês!
Rentistas desprezam o Estado de Direito e desacreditam a soberania popular – “expedientes custosos e complicados de se manipular”. Por dominarem absolutamente o capitalismo financeiro, destroem o capitalismo industrial, massacram o estado previdenciário e esmagam os empreendedores prestadores de serviço. Com isso, cultivam as dívidas resultantes para delas auferir juros estratosféricos.
Os rentistas brasileiros cultivam o cinismo e praticam a hipocrisia. São os grandes patrocinadores das campanhas institucionais que propõe mudanças… para nada mudar. “Limpam” a poupança popular e condenam os devedores ao eterno limbo econômico, negando-lhes acesso ao crédito e ao mercado por meio de cadastros cruzados…
A grande mídia e a jusburocracia servem fielmente a esse grupo.
Lacaia do sistema financeiro, a imprensa comprada chega a negar emprego a jornalistas que ousam desafiar os interesses da casta rentista; manipula o fluxo de informações para auferir vantagens, prejudicar os interesses da Nação (que não interessam aos rentistas), e reduzir a verdade a um componente secundário na pauta.
Como micos amestrados, os jornalistas submissos à mídia mainstream tocam notícias no ritmo ditado por quem paga a banda…
O outro braço submisso ao rentismo… é o da jusburocracia – sempre disposta a tutelar firmemente os interesses de quem lhe assegura as benesses e o hollerith. As respeitáveis exceções… infelizmente confirmam o que já se tornou culturalmente regra.
Não à toa, o judiciário tupiniquim configura um dos mais caros, soberbos, arrogantes, ineficazes, ineficientes, morosos e contaminados aparelhos de tutela legal do planeta.
As corporações burocráticas, por sua vez, cultivam o marajaísmo sem resultados. Fazem da arrogância parte da etiqueta de relações com o público. Comportam-se como uma casta hindu, sustentada a peso de ouro pelo populacho – em especial fazendo de burro de carga aqueles que se arriscam na economia de mercado – prática econômica que não diz respeito ao funcionalismo (por esta casta desprezada, embora a alimente…).
As corporações burocráticas chegaram ao Brasil com as naus e caravelas, apossaram-se do país impondo uma estrutura colonial, cartorial e predatória… cujo perfil secular não se preocupa com a saúde da Nação e, sim, com o que dela poderá sugar…
O resto… é puro proselitismo fordista.
Por fim, a burocracia acadêmica, ideologicamente capturada por um marxismo de boteco e servil, ao mesmo tempo, à indústria de diplomas que a reduz a um mercado persa.
A burocracia acadêmica é paradoxal. Trava o livre curso da inovação, instalando obstáculos e condições para quem ousa trilhar carreira acadêmica, enquanto distribui titulações a rodo, na mesma proporção que uma escavadeira: quanto mais títulos carrega na pá, maior fica o buraco da inteligência nacional.
De fato, a mediocridade é solidária, e não é difícil observar o enorme retrocesso sofrido pelos centros universitários no que tange à progressivamente inútil produção intelectual da academia: a cada dia menos funcional e mais desinteressante.
O sistema educacional brasileiro apodrece pelo topo, na medida em que universidades tornam-se madrassas destinadas a repetir dogmas doutrinários – fábricas de palavras de ordem repetidas com a convicção dos inquisidores medievais.
Nessa destruição criativa (sem qualquer criatividade schumpeteriana), a miserável produção no campo das ciências humanas… acaba por contaminar as ilhas de excelência das ciências exatas e biológicas, mesmerizando de vez o chamado “pensamento acadêmico”.
Não à toa, nas últimas décadas, na exata proporção do crescente aparelhamento das academias, o quociente intelectual médio do Brasil… regrediu – e hoje atinge medíocres 83 pontos (grau compatível com o de um analfabeto funcional).
No mesmo diapasão, a produção cultural brasileira tornou-se absolutamente indigente.
Enfim, a essa massaroca canalha com ramificações contaminadas, damos o nome de establishment.
O establishment, é fato, fez da canalhice meio de perenização. E trata, no momento, de soltar as amarras de seu projeto de poder, dos fundamentos conservadores da democracia representativa – republicana e pluralista, baseada na conduta moral, no mérito e na livre iniciativa.
O barco em que querem os canalhas meter o Brasil… parece tomar o novo rumo do “eixo do mal”… sujeito a naufragar no oceano das indefinições. Mas, se o corpo de oficiais do navio e parte da tripulação se comporta nos moldes canalhas… a massa de passageiros não, e isso pode fazer o barco virar ou mudar o rumo assim que a ponte de comando – isolada na canalhice, for retomada pelos passageiros devidamente mobilizados.
Os canalhas, inda que maneirosos, pomposos, arrogantes, deslumbrados e irônicos… sentem a miséria humana e fétida na qual se inserem. Conhecem a própria inferioridade, falta de valor e mérito. Sabem de sua incapacidade de se situarem na vida por não possuírem bússola moral. São cônscios da sua covardia e sabem do desprezo que recebem por parte da maioria ordeira e silenciosa que constrói a verdadeira sociedade.
Assim, só lhes resta a ilusão do poder sem mérito, o dinheiro fácil, a bajulação e o apoio desonesto. O problema é que o alto custo de toda essa canalhice… recai sobre a Nação.
O que temem os canalhas
Tanto os patrocinadores da canalhice como os canalhas que a eles servem temem a soberania popular.
A democracia se expressa por meio de eleições livres, sem amarras e conduções esdrúxulas, sem censura ou manipulações.
As eleições são legitimadas pelo voto materialmente conferido (o que é diferente de eletronicamente “auditável”). Urna eletrônica é um avanço e a impressão do voto dado, depositada na urna, é a garantia de sua absoluta transparência. Esta a razão das novas urnas fabricadas mundo afora, permitirem a impressão do voto.
Mas a Soberania Popular integra outro mecanismo, a mobilização popular, a livre manifestação por meio de atos públicos, protestos, comícios e passeatas – que executadas pacificamente, ainda que gerem um ou outro conflito (fenômeno ocasional em toda democracia), configuram a liberdade, a cidadania, e a legitimidade da organização política da sociedade.
Isso tudo… constitui o pesadelo dos canalhas.
Os canalhas se organizam
O establishment compreende as eleições como uma ameaça a seus interesses pessoais e corporativos. Finanças e burocracia decididamente não toleram a política e a democracia.
Não por outro motivo, no acirramento da corrida eleitoral, os detentores do poder – rentistas e corporações burocráticas, entram em campo para demonizar o jogo político enquanto o manipulam.
Rentistas contratam pesquisas de opinião (aquelas que podem manipular…). Seus vassalos judicializam a vida privada e a função pública, exacerbam e ampliam a violência contra o cidadão e usam a imprensa como o grande papel higiênico dos excrementos que produzem.
Crise após crise, a impressionante concentração de renda resultante na economia, não deixa margem a dúvidas sobre quem ganha com toda a canalhice. É tão visível quanto risível.
O establishment adapta suas práticas às mudanças provocadas por demandas globalizadas – e escolhe novos peões no tabuleiro da política nacional, conforme a moda globalista.
Nesse tabuleiro – não raro, rentistas, burocratas e acadêmicos jogam até mesmo em favor da economia nacional… quando a direção dos ventos coincide.
Foi assim que os “donos do poder” instituíram a modernização do sistema econômico nacional, a desestatização de grande parte da infraestrutura e consolidaram novos padrões de cidadania. Não porque quisessem, mas porque o cenário internacional exigiu.
Claro que pagaram um preço pela benfeitoria; e, para tanto, acertaram a distribuição de benesses com os quadros no poder.
Nos últimos trinta anos de “Nova República”, o proselitismo esquerdista e politicamente correto se prestou como uma luva para as reformas essenciais no atacado… e a desconstrução da Nação no varejo.
Assim, a privataria tucana segmentou a distribuição das benesses rentistas na gestão da coisa pública – em benefício da concentração de renda. Já a estatolatria petista, se por um lado ensaiou uma distribuição de renda em larga escala, por outro transferiu grande parte das rendas nacionais para a corrupção, generalizando a canalhice na administração pública.
Porém, a estrutura posta a serviço da soberania popular, garantia aos cidadãos buscar renovar a casta política pelo voto… e não é por outra razão que os grandes alvos do establisment tornaram-se o sistema eleitoral, as redes sociais e a mobilização popular.
O “sistema” busca hoje manipular integralmente esses componentes, para retirar a soberania popular do controle do Estado.1
A caminho do caos
O medo é o grande mote das ações repressivas impostas pelo establishment às lideranças populares.
Postado hoje “à esquerda” do pretenso firmamento político, o setor rentista buscou alinhar a burocracia de estado e a academia a seu favor, cooptando-as estrategicamente.
O fenômeno gerou então, um problema disfuncional: até então o corporativismo vivia à sombra do Poder Público. Porém, o financiamento conferido às lideranças partidárias bolivarianas, seus satélites e o reforço dado ao populismo esquerdizóide – alinhado com o narcoterrorismo. Retomado aos conservadores no governo federal, permitiu às corporações tomarem de assalto os aparelhos de Estado e tomar parcela de feudos no reino do próprio establishment.
Economicamente, o assalto corporativista se observa com a tomada dos fundos de pensão estatais e a formação de cartéis voltados a projetos estruturantes – usados também como meio de lavar quantias estratosféricas desviadas para a corrupção – o maior volume de desvio jamais registrado na história da humanidade, todo ele circularizado pelo sistema financeiro.
Esgotada a base “empreendedora” que sustentava a manutenção dos fundos de pensão e a previdência, o sistema propôs aos desvalidos cidadãos a “bancarização” dos proventos por via de títulos de capitalização. Ou seja: ganham com a descapitalização das aposentadorias face à lei anterior à crise (ainda que esta sempre tenha beneficiado as corporações burocráticas em detrimento da massa de trabalhadores do setor privado.
Esgotada a via… restará a condução da massa de desvalidos aos programas de renda mínima, recircularização de postos de trabalho temporário, bolsas de auxílio estatal e outros mecanismos de controle e manutenção da miséria.
A massa de profissões e atividades que sustentam a classe média, nessa perspectiva, desaparecerá no mar da mesmerização… alimentada pela barbárie das atividades ilícitas, a destruição da cultura, a demonização do pensamento crítico e a degradação dos costumes e padrões morais.
Ainda há saída
Claro que esse macro esquema, hoje, ainda não contamina o varejo de bons cidadãos e bons funcionários que trabalham no setor financeiro e na atividade pública. O fato é que em meio à canalhice institucionalizada subsistem ilhas que ainda respiram e passam a limpo o Brasil.
Um bom exemplo foi o das operações anti-corrupção encetadas no âmbito do poder judiciário. Aliás, o Poder Judiciário é um caso típico de árvore frondosa, que floresceu sob a égide da Constituição da Nova República e que, há duas décadas, vem sendo bombardeada pela copa… comprometendo sua saúde, galho a galho, de cima… para baixo.
O fato é que, quando a regra é transviar, todas as grandes exceções confirmarão, inapelavelmente, a canalha dominante.
Mas há uma razão econômica em tudo isso. Com a Administração Pública feudalizada, os rentistas encheram as burras de dinheiro. Ganharam dinheiro com a corrupção nacional desenfreada e pretendem ganhar também com as reformas necessárias para corrigir todo o mal feito. Esperam ganhar muito mais com a necessária reforma do Estado, que pretendem ver encetada pelos seus prepostos – quem sabe eleitos nas próximas eleições… ou inoculados na nova administração, independente de quem ganhe.
Mas o limite das pretensões esbarra sempre na realidade dos fatos… implacavelmente registrada pela história.
O eixo do mal… nunca perdura.
Um problema persiste: O POVO.
O povo, aquela massa de condenados à sobrevivência diária que vota e que, por isso mesmo, pode surpreender…
Aquela massa de gente que ainda exerce a crítica e que pode lotar ruas, praças, bares, ginásios… em protesto cobtra o que aí está.
De fato, a turma das finanças, seus porta-vozes, a turma da renda, dos carimbos, da toga e da gravata só não fez pior no Brasil por conta da mobilização popular sentida em 2013, repetida em 2015, consagrada em 2016 e sempre “assombrada” nas idas e vindas de 2018, 2022… 2023 e o que nais vier.
Rentistas e canalhas sentem o golpe da mobilização de grandes massas pelas ruas. Foram atingidos na campanha pelo impeachment, no apoio ao combate à corrupção e na redução drástica das paixões nas eleições municipais de 2016, nas eleições federais de 2018 e na baderna judicializada de 2022.
Foi de fato o povo brasileiro, “coxinha e empadinha”, quem impediu, até o momento, o esgarçamento total das instituições democráticas no país. E o fez nas ruas.
Esse povo, hoje, sustenta literalmente o Estado de Direito contra os que se sentem com direitos no Estado.
Esse povo pode se mobilizar outra vez e derrubar a estrutura canalha a serviço do establishment. E poderá fazê-lo por uma razão evidente: nenhuma estrutura de poder sobrevive sem apoio popular – a menos que incorra na mais sanguinária e dura repressão…
O problema da opção pelo totalitarismo… é que este necessita suporte para além da estrutura policial ou judiciária posta a serviço do que aí está… e no horizonte da opção, restará a guerra civil.
Assim, a mobilização popular e a articulação democrática, a defesa intransigente dos valores morais e a superioridade moral do conservadorismo… formam o elemento ativo do inseticida que poderá extirpar os canalhas da Nação.
Bastará, como sempre, agir…
Notas:
1. No esteio de toda essa hipocrisia, destacam-se as carreiras jurídicas de Estado – uma casta nababesca que cresceu na exata medida em que foram sendo construídas muralhas normativas e interpretativas intransponíveis contra a cidadania e os próprios órgãos de execução do Estado.
Fato é que a muralha burocrática gerou para a jusburocracia um placar inacreditável de pelo menos QUATRO organismos jurídicos de CONTROLE para cada organismo técnico de execução na Administração Pública – um enorme freio de mão que serve de garantia firme dos próprios privilégios jus burocráticos.
Tratou-se de um verdadeiro assalto à canetadas ao tesouro nacional, que engessa o mercado, retira garantias do cidadão face aos procedimentos administrativos, reinterpreta direitos constitucionais ao bel prazer das paixões de ocasião, esmaga a livre iniciativa e judicializa a vida nacional.
*Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. É diretor da AICA – Agência de Inteligência Corporativa e Ambiental. Sócio fundador do escritório Pinheiro Pedro Advogados, integrou o Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional. Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB, é conselheiro do Conselho Superior e Estudos Nacionais e Política da FIESP. É Vice Presidente da Associação Paulista de Imprensa e Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal. Responde pelo blog The Eagle View.
Fonte: The Eagle View
Publicação Ambiente Legal, 24/02/2024
Edição: Ana Alves Alencar
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