Por Ricardo Viveiros*
Hoje é sexta-feira, 13. Sabe o que isso significa? Nada. Apenas que “sextou”. Por isso, vou abordar um tema interessante igualmente supersticioso, para mostrar que a realidade é diferente da imaginação. Embora os ficcionistas se inspirem nela.
O Dia Mundial do Canhoto foi celebrado pela primeira vez em 13 de agosto de 1976. A data só foi oficializada, entretanto, na década de 1990, por iniciativa do britânico Left-Handers Day Club, que lutava contra o preconceito sofrido pelos canhotos, no mínimo considerados desastrados, inábeis, estranhos. Tais seres à esquerda da vida, foram até chamados de bruxos, demônios, maus por essência e outras baboseiras.
Escrever com a mão esquerda não determina nada mais do que escrever com a mão esquerda – há muitos mitos que, ao longo da História, foram criados complicando a vida dessas pessoas que, não são poucas, representam 10% da população mundial. Os EUA têm o maior número de canhotos, só Nova York, reúne 12,8% deles. Índice bem acima dos países ibéricos Portugal, Espanha e Andorra (9,6%); Polônia (8,6%); Emirados Árabes Unidos (7,5%); Rússia (6%); Índia (5,8%); e Sudão (5,1%). O Brasil fica na lanterninha desse campeonato junto com o Japão, com iguais 4%. Há mais homens do que mulheres canhotos, 12% contra 8%. Até a genética é curiosa: apenas cerca de 25% das crianças que têm pais canhotos também serão canhotas.
Os estudos científicos indicam que o canhoto é mais rápido para raciocinar do que o destro (em 0,51 segundos), e que seriam até mais inteligentes. Nos esportes, nos combates, na direção de veículos e nos videogames, o canhoto é apontado como sendo mais veloz e atento que o destro. Como utilizam com intensidade os dois hemisférios do cérebro, os canhotos podem ser mais criativos, ter uma visão fora do ”mais do mesmo” das coisas e resolver questões do quotidiano com maior facilidade.
A vida em um mundo criado para destros, é um desafio permanente para os canhotos. Sei disso porque, além de ter conhecido pessoas incríveis que eram esquerdinas, sou casado com uma e pai de outra. Alguns canhotos ilustres: Leonardo da Vinci; Beethoven; Mark Twain; Einstein; Benjamin Franklin; Machado de Assis; Churchill; Nietzsche; Kafka; Chaplin; Van Gogh; Picasso; Goethe; Henry Ford; Gandhi; Ayrton Senna; Paul McCartney; Pelé; Barack Obama; Bill Gates; Oprah Winfrey e muitos mais.
Só reparamos neles quando os vemos segurando uma tesoura com a mão esquerda, forçando as lâminas para fora e não para dentro, ver o que está cortando e com risco de se machucar. No uso de uma régua o canhoto passa uma das mãos por cima da outra, o que não é nada prático. Outros exemplos: canetas e marcadores à tinta (borram), saca-rolhas, apontador de lápis, carteiras escolares, teclado numérico (fica do lado direito), caderno espiral (a mão que escreve fica em cima da armação de arame), botões da camisa, armas de fogo (a trava do gatilho é do lado direito, assim como a alavanca de liberação do pente de munição), abrir portas, câmeras fotográficas, violões e guitarras etc.
Em tempos de divisão ideológica acirrada – embora todos saibam que o comunismo praticamente acabou, há mais de 30 anos, com a queda do Muro de Berlim–, há quem acredite em fantasmas e não aceite o que lhe pareça tendencioso. Sinais de trânsito, banheiros, lugares em restaurantes, caminhos mais rápidos – nada disso merecerá confiança dos radicais de direita, se estiverem à esquerda. Depois que descobriram que Fidel Castro era canhoto, então tudo ficou ainda mais agudo…
Hoje é um dia para desarmar o coração e a mente, olhar os canhotos como seres normais e dar um beijo no lado esquerdo do rosto deles. Esse gente feliz que, como no poema de Carlos Drummond de Andrade, é gauche na vida.
Originalmente publicado em O Estadão.
*Ricardo Viveiros é jornalista, escritor e professor. Doutor em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e autor de vários livros, entre os quais: Justiça Seja Feita, A Vila que Descobriu o Brasil e Pelos Caminhos da Educação
Fonte: o autor
Publicação Ambiente Legal, 13/08/2021
Edição: Ana A. Alencar
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