O navio RV Celtic Explorer aportou no último 10 de agosto em Galway, na costa oeste da Irlanda, trazendo um mapeamento inédito, em alta resolução, de um cânion submarino.
A expedição foi um dos desdobramentos de um projeto internacional que tem entre seus membros o pesquisador Luis Americo Conti, da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH-USP). Um dos objetivos é entender melhor o papel dos corais que vivem nessas águas frias na captura de carbono da atmosfera.
“Os corais vivem no topo do cânion e, à medida que morrem, seus fragmentos vão se depositando no fundo. O carbono que eles absorveram ao longo da vida continua nesses detritos e, à medida que se acumulam, esse carbono é transferido para os depósitos sedimentares”, disse Conti, cujo estudo teve apoio da FAPESP.
A expedição de 15 dias mapeou toda a área do Porcupine Bank Canyon, na Irlanda, de 1.800 quilômetros quadrados, maior que o município de São Paulo. Foram usados um sistema de sonar de alta resolução e um veículo submarino controlado remotamente (ROV, na sigla em inglês).
Apesar de o cânion ter uma profundidade de até 3 mil metros, o ROV Holland I submergiu até aproximadamente 2 mil metros, onde estão os detritos mais recentes.
“As amostras colhidas pelo ROV ajudarão a entender a dinâmica desses fenômenos ao longo dos últimos 10 mil anos, que podem nos dar pistas para compreender as mudanças climáticas que estamos vivenciando agora”, disse Conti à Agência FAPESP.
Além de coletar sedimentos do fundo do cânion, ricos em detritos de corais, o veículo retirou amostras de corais vivos das paredes e do topo, que serão analisados por biólogos a fim de conhecer as espécies que habitam aquela área e seu parentesco com as de outras regiões.
O ROV fez ainda registros em vídeo das colônias de corais, que complementam o mapeamento de sonar realizado pelo navio. Dessa maneira, foi possível estabelecer uma correlação entre os mapas topográficos do cânion com as áreas colonizadas por corais.
“O cânion é um vasto sistema submarino, com penhascos quase verticais de até 700 metros e alguns lugares com até 3 mil metros de profundidade. Seria possível empilhar 10 torres Eiffel”, disse o chefe da expedição, Aaron Lim, pesquisador da School of Biological, Earth and Environmental Sciences da University College Cork (UCC), na Irlanda, em comunicado da universidade.
Estoques de gás carbônico
Diferentemente dos corais de água quente, que obtêm nutrientes por meio de um processo de simbiose com algas que vivem dentro deles (zooxanthelas), os de água fria como os do cânion Porcupine dependem do plâncton morto que desce da superfície.
“Em águas profundas como essas, não há luz para que as algas façam a fotossíntese e, como as águas não são ricas o suficiente em nutrientes, os cânions são ideais porque neles as correntes marítimas são mais intensas e carregam bastante dessa matéria orgânica, que é filtrada pelos corais”, disse Conti.
“Os corais absorvem o carbono do plâncton morto que ‘chove’ da superfície do oceano, logo, da atmosfera”, explicou Andy Wheeler, professor da UCC e do Irish Centre for Research in Applied Geosciences (iCRAG), em comunicado da universidade.
“As crescentes concentrações de CO2 na atmosfera estão causando eventos climáticos extremos. Os oceanos absorvem esse gás carbônico e os cânions são uma rota rápida para bombeá-lo para as profundezas, onde ele é estocado de forma segura”, disse Wheeler.
Com as amostras coletadas, os pesquisadores poderão eventualmente saber se as concentrações de carbono na atmosfera têm influência no crescimento das colônias de corais e na morte de porções delas. Embora o cânion estivesse estável no momento da coleta, periodicamente há algum evento violento que o faz erodir.
“É o que se chama de um evento pulsante. Em alguns lugares, como a Noruega, ocorrem verdadeiras avalanches de corais mortos nesses cânions. Em outros, há uma movimentação mais lenta, porém constante”, disse Conti.
Outro objetivo do pesquisador brasileiro era aprimorar técnicas de mapeamento, a fim de aplicá-las em projetos de pesquisa no Brasil.
“A costa brasileira ainda é pouco conhecida. O navio oceanográfico Alpha Crucis, da USP [adquirido com apoio da FAPESP], tem equipamentos adequados para o mapeamento submarino. É pouco, mas é um bom começo. A descoberta dos corais na foz do Amazonas também foi uma conquista importante”, disse Conti.
No entanto, segundo o pesquisador, faltam projetos de mapeamentos mais detalhados, como um levantamento topográfico sistemático do leito marinho brasileiro.
“A Irlanda, há 15 anos, realizou um grande programa de mapeamento de seu leito marinho. Graças a ele é que foi possível descobrir e escolher a área desse cânion como um laboratório natural”, disse. “Sem algo assim, ficamos dois passos atrás.”
Por André Julião