Entre as diversas maneiras para reduzir a pegada carbônica humana, costuma-se sugerir segundas-feiras sem carne ou vegetarianismo. Mas, se a questão é renunciar ao consumo de animais, uma alternativa se anuncia, à medida que se torna mais viável a comercialização de carne cultivada em laboratório.
Em dezembro de 2018, a empresa Aleph Farms, sediada em Israel, apresentou ao mundo o primeiro bife criado em laboratório. Ao produzir o fino pedaço de carne, a empresa conseguiu superar um dos maiores desafios enfrentados por essa jovem indústria: o cultivo em laboratório de um produto cárneo que integre os tecidos muscular e adiposo.
“A carne é um tecido complexo, não apenas um aglomerado de células”, disse Didier Toubia, cofundador e diretor executivo da Aleph Farms. “São vários tipos de células interagindo entre si para formar uma estrutura tridimensional muito específica.”
Nos Estados Unidos, alguns meses antes, a Food and Drug Administration e o Departamento de Agricultura anunciaram que “supervisionariam conjuntamente a produção de produtos alimentícios cultivados a partir de células derivadas de gado e aves” – um sinal de que a comercialização dessas carnes pode não estar muito distante.
Mas qual é a possibilidade realista de que a humanidade vá substituir as proteínas animais diárias por carne cultivada em placas de Petri? A carne in vitro vem sendo pesquisada há anos, desde que a Nasa começou a estudar o cultivo de frutos do mar e carnes no início dos anos 2000.
A primeira produção bem sucedida, porém, foi um hambúrguer feito num laboratório da Universidade de Maastricht a partir de células-tronco extraídas do pescoço de uma vaca. Ser o primeiro a cultivar carne sintética não saiu barato: o hambúrguer custou mais de 300 mil dólares.
Por sua vez, o bifinho da Aleph Farms custa 50 dólares para ser produzido. atualmente, pelo menos seis empresas estão trabalhando numa variedade de carnes “cultivadas”, desde salsicha de porco a foie gras e nuggets de frango.
Benjamina Bollag, diretora executiva e cofundadora de uma dessas empresas, a Higher Steaks, prevê que em 2019 a maioria das firmas que trabalham nesse espaço focarão no aperfeiçoamento de seus produtos e na redução dos preços.
“Acho que realmente veremos mais gente se direcionando para a pequena escala e talvez mirando um restaurante com que trabalhar”, comentou à DW. “Ou veremos os primeiros requerimentos de regulamentação nos diversos países.”
Melhor para o meio ambiente?
Com perspectivas de um aumento de 70% do consumo global de carne, nas próximas três décadas, e de uma população do planeta de 9,6 bilhões em 2050, as carnes cultivadas em laboratório poderiam ajudar a compensar os custos ambientais.
A pecuária responde por 14,5% de todas as emissões de gases de efeito estufa ligadas à atividade humana, de acordo com a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO). A carne bovina representa o maior emissor desse setor, que também ocupa a maioria das terras agrícolas, tanto para o pastoreio como para as culturas a serem usadas como ração.
Embora o cultivo de carne em laboratório consuma muita energia, um relatório do Fórum Econômico Mundial divulgado nesta quinta-feira (03/01) sugere que “à medida que os processos de produção amadurecem e a produção aumenta, alavancando o fornecimento de energia renovável e delimitando a produção nas cidades”, os benefícios ambientais da carne cultivada em laboratório podem ser significativamente intensificados.
No entanto, não é unânime a noção de que a carne in vitro vá realmente reduzir as emissões de gases do efeito estufa. Carolyn Mattick, bolsista de Política de Ciência e Tecnologia da Associação Americana para o Avanço da Ciência, ressalta a grande incerteza em torno dos impactos ambientais dos processos de fabricação atuais e futuros.
“Até que sejam realizadas análises de ciclo de vida de alta qualidade, revisadas pela comunidade científica, sobre práticas de produção específicas, realmente não podemos quantificar os impactos ambientais de produtos à base de células ou compará-los com o da criação de animais.”
Melhor para os humanos?
Uma da grandes promessas da proteína animal in vitro é a redução do número de casos de doenças como salmonela, Escherichia coli e síndrome vaca louca. Quando a carne é cultivada em laboratório, o risco de contaminação bacteriana é reduzido extremamente, ou até completamente.
A carne à base de células tampouco exigiria o uso de antibióticos e hormônios de que os produtores industriais de gado atualmente dependem. “Acreditamos que seja uma coisa realmente importante”, aponta Toubia. “Essas são vantagens de que não se fala.”
Além desses benefícios concretos à saúde, as empresas podem ajustar certos fatores da carne, como o teor geral de sal ou a proporção de gordura saturada e insaturada.
“O aspecto que de fato mais depende do que o consumidor quer, é fazer carne mais saudável”, diz Benjamina Bollag. “Então substituindo a gordura, acrescentando diferentes vitaminas, pode-se adicionar muitas coisas. É possível substituir as gorduras saturadas por ômega 3.”
De acordo com Toubia, a textura realista e o cheiro do bife da Aleph Farms são promissores para o futuro da carne cultivada em laboratório. Neste ano, a companhia planeja trabalhar no aumento do tamanho dos cortes, melhorando um pouco o sabor e reduzindo custos.
“Ainda temos pelo menos dois anos de desenvolvimento até chegarmos a um produto comercial, e depois provavelmente mais dois para transferi-lo à produção e ampliá-lo até as quantidades maiores necessárias à atividade comercial”, enumera o diretor da Aleph Farms.
Só aí o produto estaria pronto para as prateleiras dos supermercados. Portanto, embora as perspectivas de ver peito de frango e almôndegas de laboratório na mercearia local possam ser atraentes, é ainda cedo demais para programar o próximo churrasco in vitro.
Fonte: Deutsche Welle via Ambiente Brasil