Por Miguel Lisboa Cohen
“Cara, não chora tanto nem te emociona assim. O Caymmi morreu aos 94 anos, viveu tanto e bem, foi amado, teve o sucesso que merecia e tudo o mais. Sua viagem à outra dimensão, é pois natural e devemos sentir suavemente. Ele provavelmente está com sua amiga, Mãe menininha do Gantois.”
E isso é falado por tantos e neste caso, no meio de mil lágrimas que um pobre coração exala, ao saber da já esperada mas não aceita partida, do nosso Dorival Caymmi.
A resposta deve ser encarada pelos racionais, como algo de um valor emocional positivo e que registra um passado e um futuro.
Por favor me poupem. O coração existe e comanda muito de muita coisa. Por isso vamos ao cinema da vida.
Largo de Nazaré na cidade verde e sonora onde tudo começou. Ao lado da casa dos meninos, um bar que se chamava “ Estrela”, vinha do passado e representava grandes tradições. Um grupo de jogadores de “Volley Ball”, do clube azulino que tinha a séde bem pertinho, vestidos de uniforme do jogo que haviam acabado de vencer, sentados em duas, três ou mais mesas, cantando “ Eu vou pra Maracangalha eu vou . Eu vou de uniforme branco eu vou. Eu vou convidar a Nalia eu vou “ e por aí. O Caymmi presente, na música, no esporte, na alegria de vencer.
Em frente ao Largo, no Foto Nazaré e seu serviço de alto-falantes, que naqueles anos dourados complementavam a figura do Rádio, as músicas do Caymmi enchiam os ouvidos e corações de muito sonho e sentimento de amores. Os que já se haviam ido, os que viriam ou eram naquele momento, apenas uma esperança, mas forte.
Rádio Marajoara anos 50, aí por volta da uma da manhã, o Wilson Penna fazendo o encerramento de mais um dia de trabalho, com a promessa de que cedo, por volta de 6 da manhã, lá estaria tudo de novo. Enchendo nossas vidas com músicas, novelas, notícias e o que mais fosse.
E todos esperando e sonhando, com a canção que o Caymmi havia feito para sua filha Nana dormir. O Acalanto, o som e as palavras lindas que todos deveriam ter, para uma inspiração única antes de imitá-la e sonhar, na noite e no tempo.
Rio de Janeiro, o carinha com 18 anos, época dos mais felizes de uma vida e ganhando pouco mas vivendo muito, trabalhando na empresa de construção e administração de imóveis onde o tio era o chefe. Amigos mil deste Brasil, ali estavam e enriqueciam cada segundo, mesmo quando tomando apenas uma dose de cachaça e comendo um “ tira-gosto “, com muita dificuldade para pagar os referidos. Aí vem o Sérgio, que era da área de Condomínios e pergunta : “ Sabe quem está aí numa reunião do Condomínio do edifício dele em Copacabana ? O Dorival Caymmi” .Lógico que em segundos o carinha do Pará, do Rio, do Brasil, do mundo ( pelo menos na época, pensamentos com esperanças e sonhos ), estava perto da sala de reuniões, pois precisava ver de perto seu ídolo. E o Sérgio não apenas mostra, mas apresenta o baiano inspirador, nos seus 43, 44 anos, cabelos já embraquecendo, mas um bigode preto por ali.
E por aí se foi. O tempo escorre entre os dedos.
Um dia, o carinha agora já menos carinha e mais carão, vai almoçar num hotel na rua Augusta em São Paulo, à época famoso e de comida de ótima qualidade e encontra a Nana filha do Caymmi. E em 5 minutos, falam do maravilhoso compositor e ídolo. E ela diz que êle estava em uma chácara ou casa no interior do Estado do Rio ou Minas, mas que ia muito à Copacabana que adorava, não queria vender seu apartamento dali, nem por nada e mantinha as coisas como achava que deveria manter.
Caymmi, Caymmi, caminhos distantes mas de repente cruzados. Muito do bom que a vida reservou, perto dele. Lembranças e também esperanças.
Agora que a televisão vem e anuncia a morte do Caymmi, como é possível não sentir e muito ? Não se emocionar e chorar copiosamente ? Por mais que se queira racionalizar as coisas da vida e dizer que tudo começa e tudo termina, as perdas são dolorosas. Uma aqui perto. Outra no Norte, na cidade de origem. Outra em Minas, onde muita coisa começou e aconteceu. E agora no Rio, de alguém que parte, mas não se vai. Porque sua presença é eterna. E o momento é para se dizer o que se sente: que dói, dói e muito.