Entre chicanas e decisões olímpicas, governo usa de expedientes chulos, canalhas salvam o Brasil e Justiça adota o Direito Constitucional para Colorir…
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro
Chicana é expediente utilizado pela parte em processo judicial, visando criar dificuldades com base em argumentos maliciosos e irrelevantes, abuso de recursos, uso de formalidades dispensáveis.
Há uma certa tolerância no mundo jurídico para com a chicana, quando resulta de ato desesperado ou visa “ganhar tempo” na busca de elementos que realmente importem ao deslinde dos fatos.
No entanto, quando a chicana visa desmoralizar as instituições, permitir o uso constante da má-fé, manobrar capciosamente, fazer uso da trapaça ou tramóia para obstar o efetivo cumprimento da lei ou obstruir a justiça, torna-se molecagem intolerável.
O volume de chicanas produzidas pelo governo petista, no intuito de evitar a iminente suspensão do mandato e o impeachment da Presidente da República, atingiu o ápice com a “canetada” do Deputado Waldir Maranhão – que ocupa interinamente a presidência da Câmara dos Deputados.
Alçado à condição de Presidente da Câmara, por efeito de uma decisão liminar inacreditável do STF (que “atravessou o rubicão” suspendeu o mandato do chefe do legislativo), Waldir Maranhão tentou “anular” monocraticamente as sessões da Câmara Federal que decidiram pelo prosseguimento do processo de impeachment.
Pretendia o dono circunstancial da caneta na mesa da Câmara, puxar o tapete do Senado Federal, fazendo o processo retroagir à posição anterior à histórica votação do deputados em plenário, pela continuidade do impeachment.
O Senado Federal não caiu na chicana. Simplesmente não acatou o ofício subscrito pelo presidente interino da Casa do Povo.
Os líderes partidários na Câmara decidiram levar a questão para a Mesa Diretora, a quem caberia desqualificar a decisão estapafúrdia e intempestiva tomada por Waldir Maranhão. No entanto, ciente da desautorização humilhante e iminente, o presidente interino, com a mesma caneta, e da mesma forma lacônica com que produziu a chicana… resolveu revogá-la…
Enquanto o Senado mantém o rito e o cronograma do processo de impeachment, os líderes dos partidos na Câmara concluíram que tirar Maranhão da presidência interina é questão de absoluta urgência. Pretendem apresentar o quanto antes uma questão de ordem alegando que o afastamento de Eduardo Cunha é por tempo indeterminado e que é preciso eleger logo um presidente capaz de substituir o presidente da República em suas viagens.
Não vai ficar assim. O próprio partido do deputado Maranhão já articula sua expulsão. Uma vez fora do partido, o cargo da mesa que agora ocupa, deverá ser devolvido à agremiação e, com isso, ele sairá da presidência.
No rescaldo do incêndio, chovem acusações de toda ordem aos personagens dessa aventura vexaminosa e desastrada.
O Governador-magistrado-de-carreira-e-comunista-de-carteirinha, Flávio Dino, conterrâneo do Deputado canetista, é apontado como um dos redatores da decisão desconsiderada e revogada. O Advogado Geral da União, José Eduardo Cardoso, também agrega ao seu currículo mais esse episódio, que em nada lhe acrescenta…
No entanto, no fundo de toda essa questão, está a marca indelével do Supremo Tribunal Federal, e sua composição – hoje, das mais sofríveis de sua história.
Não fossem os próceres da Suprema Côrte da República, os artífices de momentos que deveriam ser esquecidos na história do direito constitucional brasileiro, e não teria sido aberta essa verdadeira caixa de pândora sobre a política nacional.
Já disse isso mais de uma vez: nosso supremo tribunal, ao adotar a iluminação constitucional ao sabor dos princípios doutrinários de cada um de seus membros, transformou-se em uma espécie de Conselho de Guardiões – o colegiado de Aiatolás iranianos, interpretadores xiitas de normas do Alcorão,sob inspiração divina.
Sessões da Côrte passaram a ganhar audiência similar à das novelas mexicanas, repletas de maneirismos e idiossincrasias. Pelo menos, não houve ainda unanimidade – pois Nelson Rodrigues a taxaria, evidentemente, como “burra”…
Ao decidir a ADPF 378 – ajuizada pelo PCdoB (partido do governador Dino), o Supremo desfigurou o processo de impeachment, interveio no Parlamento Nacional, golpeou silogisticamente a Constituição e, com isso, revelou profundo desprezo pelas circunstâncias políticas em que o conflito jurídico está inserido.
O destemor no julgar de acordo com convicções próprias – nunca conforme o clamor popular, é qualidade desejável em qualquer julgador. Porém, no caso de nosso STF, essa “qualidade” extrapola a ponto de deixar a sociedade confusa quanto ao real interesse público em causa.
Com a ADPF 378 – Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, o Partido Comunista do Brasil – autor do pedido, pretendia paralisar e mudar rumos no processo de impeachment da Presidente Dilma. Se a ideia era essa – ou seja, uma “chicana”, a confusa decisão da côrte suprema do país lhe foi favorável.
Mas o supremo pretório não parou aí…
Foram várias decisões subsequentes buscando judicializar a política, pot conta dos expedientes protagonizados pelo moribundo governo Dilma. Com isso, os ministros do Supremo Tribunal Federal, que deveriam zelar pelo supremo interesse nacional, deixaram-se levar em longos debates, para o ralo das indefinições institucionais.
Seguiram o eminentes julgadores o “princípio da judicialização mediocrizada da vida política nacional” e puxaram, com isso, para muito baixo, o nível de baixarias regimentalmente autorizadas e protagonizadas por quadros políticos sem qualquer expressão na vida do país.
Se o ativismo principiologista, no mar de supremas vaidades que afoga a justiça no Brasil, ainda não criou esse princípio – o da judicialização mediocrizada da vida política nacional – está, de fato executando-o a cada conflito criado no processo de impeachment da Presidente Dilma.
Por isso mesmo, não é de surpreender a facilidade, a frequência – e mesmo a insensibilidade – com que o colegiado do STF protagoniza conflitos, em vez de resolvê-los.
O STF, Supremo Tribunal Federal, transformou-se no Supremo Triturador da República e, por não mais saber mais que constitucionalismo professar, poderá, muito em breve, acrescentar em suas fontes de referência o famoso livro já utilizado pelo Advogado Geral da União e seu colega deputado Waldir Maranhão: “Manual de Direito Constitucional para Colorir”…
“Direito Constitucional para Colorir” é a doutrina usual de todo operador da judicialização da política nacional.
Lamentável… O topo do judiciário nacional parece decidir para que nada seja decidido. Assim, com o qual, sem o qual, apesar do qual, tudo fica tal e qual na moribunda república brasileira.
Mas tal não ocorreu, até agora, porque o destino conferiu ares rodriguianos ao processo de impeachment.
Em prol do Brasil, e não é preciso ir longe para se notar, os canalhas resolveram intervir…
Até agora, graças a eles, os canalhas da política nacional, bananas da oposição não tomaram uma sova dos chicaneiros postados ao lado do governo…
Nelson Rodrigues explica:
“Muitas vezes é a falta de caráter que decide uma partida. Não se faz literatura, política e futebol com bons sentimentos…”
Nelson Rodrigues, lá do alto, deve estar sorrindo, com o cigarro no canto da boca, imaginando que a única ideologia possível nesse teatro da vida nacional é o “groucho-marxismo”…
Porém, dadas as circunstâncias, há de se escolher, por tempo determinado, qual será o “malvado favorito” que protagonizará a parábola da redenção ocasional.
Nelson vaticinava que “hoje é muito difícil não ser canalha. Todas as pressões trabalham para o nosso aviltamento pessoal e coletivo.”
De fato, somente canalhas desconstruiriam na cara de pau, toda a barreira de confusões procedimentais erguida com esmero por nosso estranho Supremo Pretório, para, seguindo o processo à risca, obter estrondosa vitória contra as chicanas armadas pela aguerrida camarilha situacionista…
E o fazem sorrindo… sob os aplausos da opinião pública sôfrega por atitudes que reponham o País nos trilhos da estabilidade política, econômica e emocional…
Não há dúvidas, Nelson Rodrigues e seu universo descrito em contos, crônicas e peças de teatro, reencarnou na política nacional. Transformou-se em referência doutrinária e até mesmo jurisprudencial…
O impeachment passa, os ministros passam, a história é esquecida e… tenderá a se repetir.
Hora de reler Nelson Rodrigues:
“Antigamente, o silêncio era dos imbecis; hoje, são os melhores que emudecem. O grito, a ênfase, o gesto, o punho cerrado, estão com os idiotas de ambos os sexos.”
Pergunto: quando iremos retomar a nossa voz?
Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e da Comissão Nacional de Direito Ambiental do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB. É Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View.