Tribunal de Justiça impede o Teatro Hilton de voltar a funcionar
Por Pedro Mastrobuono
O juiz Sérgio Moro tem devolvido aos brasileiros a boa sensação de que a lei vale sim para todos. Não obstante, o comportamento de outros magistrados, que dirigem carros apreendidos por exemplo, nos provoca um certo “choque de realidade”.
Há poucos dias, lamentavelmente, um novo choque. Recebi com muita surpresa a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo de negar a solicitação da OAB/SP para que o Teatro Hilton voltasse a funcionar.
Não só o sentimento de indignação me compeliu a escrever, na tentativa de chamar a atenção para certos fatos e circunstâncias. Mas, por acreditar que seja um verdadeiro exercício de cidadania, peço que reflitamos sobre alguns aspectos.
Paulistanos com mais de trinta anos de idade, certamente reconhecem no Teatro Hilton um local de muitas memórias, de saudoso desfrute cultural. Muitos, como eu, tiveram o privilégio de ver por lá, bem de pertinho, grandes nomes das artes cênicas, como Lima Duarte, entre tantos outros.
No começo dos anos 2000, o Hotel Hilton deixou o prédio da Avenida Ipiranga e o edifício foi posteriormente alugado para o Tribunal de Justiça de São Paulo, que o destinou para ali instalar os gabinetes dos desembargadores da referida Corte.
Ora, como dito no início, a lei no Brasil deve sim valer para todos, inclusive nossa legislação referente ao inquilinato. No caso em questão, o Tribunal de Justiça é apenas e tão somente o inquilino do prédio. Nada mais que isso.
Pois bem, invocar o poder de decisão sobre reabrir ou não um importante espaço cultural, sendo mero inquilino do prédio, parece tão sem propósito quanto entregar àquele Tribunal a análise e decisão sobre se o valor de seu aluguel mereceria ou não ser majorado.
O Tribunal de Justiça, por ser inquilino, seria a legal instância decisória? Quer me parecer que não. Caso contrário, no exemplo já mencionado, se de fato o aluguel estivesse defasado, o inquilino decidiria também se seria o caso de aumentá-lo? Há algum sentido nisso? Afinal, o Tribunal de Justiça de São Paulo é parte ou instância julgadora? Cabe, pois, refletir sobre aquilo que no meio jurídico se conhece por “conflito de interesses”.
Quer me parecer que S. Exa. Desembargador Presidente do Tribunal, equivocou-se ao entender que a questão diga respeito a um comezinho recurso em julgamento em sua Egrégia Corte.
Ledo engano.
Caberia, pois, a indagação se, neste caso específico, os proprietários do edifício foram de fato ouvidos.
Já se manifestaram a respeito? Mais ainda. Qual a real extensão desse contrato de locação? O quê exatamente tal contrato estabelece sobre o uso do teatro? Há alguma previsão ou é simplesmente omisso?
Aliás, tal contrato é público. Aliás, o dinheiro investido para reformar o prédio também é publico. Assim como é público o interesse de ver um aparelho tão importante quanto o Teatro Hilton devolvido à nossa fruição cultural.
Causa estranheza certos argumentos arguidos por S.Exa. Desembargador Presidente do Tribunal de Justiça para, de plano, negar a solicitação da OAB. Sabe-se que as dependências do referido teatro foram recém reformadas e agora se prestam a tão somente sediar cursos e seminários dirigidos aos ilustres desembargadores.
Isto posto, seria o caso de outra verificação: será verdadeiro o fato de que ali são ministradas aulas de português para magistrados? Em caso positivo, como são custeadas? Serão pagas com dinheiro público? E o povo sem teatro?
Feitas todos estas considerações, entendo que S. Exa. deva sim ao povo de São Paulo a exibição do contrato firmado, pago com dinheiro público. Deva explicações de porque seminários e aulas podem desde já ser ministradas naquele local, mas concomitantemente invoca falta de segurança para que a população se valha do mesmo espaço, recém reformado com nosso escasso dinheiro. Consta que no prédio foram gastos R$ 36 milhões.
O presidente da Comissão de Direito às Artes, Dr. Evaristo Martins de Azevedo, acompanhado do próprio presidente da OAB paulista, Dr. Marcos da Costa, visitaram o local e juntos constataram que o teatro estaria em excelentes condições, contendo inclusive rampas de acesso, banheiro para deficientes, locais especiais destinados a cadeirantes e acompanhantes, camarins impecáveis, cortinas novas, assim como novos sistemas de iluminação e sonorização, dentre outras características constatadas.
Faltaria apenas alguma adaptação para isolar o saguão principal do prédio da entrada do público do teatro propriamente dito. Só isso.
Registre-se que a Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo, respondeu o Ofício da OAB-SP, manifestando, de forma bastante entusiasmada, seu interesse e se colocou a disposição em ajudar na reabertura do teatro.
Por fim, não é demasiado lembrar que nossa Constituição Federal garante à sociedade civil organizada direito à voz na defesa de nosso patrimônio cultural. E a OAB é sim sociedade civil organizada.
Lamentável inversão de valores. Lamentável choque de realidade.
Pedro Mastrobuono, advogado, é Diretor Jurídico do Instituto Volpi
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