Chorume gerado e acumulado em aterros: seus potenciais riscos ao operador, ao ambiente e à saúde pública
Por Walter Plácido, Luís Marinheiro e Clóvis Bevenuto
Os aterros, os resíduos e o chorume
Os resíduos sólidos urbanos dispostos em forma de aterro sanitário, equipamento de saneamento básico para resíduos sólidos, executado diariamente no meio ambiente, sujeito, portanto, às variações climáticas, produz um efluente denominado lixiviado, popularmente chamado de chorume, que é um liquido de composição altamente complexa e poluidor do meio ambiente, se não devidamente tratado.
A composição do chorume é resultado de um conjunto de processos biológicos, químicos e físicos que ocorrem no interior da massa de resíduos que, fundamentalmente, em combinação com as substâncias específicas que compõe os resíduos, tipo de solo de cobertura e regime pluvial local, gera um líquido fétido e de cor escura.
Os Resíduos Sólidos Urbanos, RSU, são assim compostos por uma massa heterogênea de materiais, biodegradáveis e não biodegradáveis, perigosos e não perigosos, solúveis e não solúveis em água. Com o aumento da exigência de controle e fiscalização da poluição ambiental, com atendimento aos padrões de qualidade do efluente tratado, seja do chorume do aterro sanitário, ou seja, dos “aterros controlados” ou lixões (vazadouros) ainda existentes, incrementam-se os esforços para o tratamento do chorume por várias rotas tecnológicas e isso, nem sempre é o melhor caminho do ponto de vista técnico e da engenharia. O tratamento deverá ter sempre em atenção a vazão, a complexidade e variabilidade da composição do chorume e o padrão permitido de lançamento do efluente tratado, o que diferencia, enormemente, o chorume de outras águas residuais tais como o esgoto urbano.
Fases de decomposição dos resíduos
Basicamente duas fases principais diferentes podem ser identificadas nos aterros durante a decomposição dos resíduos:
i) a fase aeróbia acetanogênica, que causa um decréscimo do pH do chorume, mas uma elevada concentração de ácidos orgânicos e de íons inorgânicos. Nesta fase o chorume é caracterizado por uma elevada carga orgânica (tipicamente DBO5 > 10 g/L, elevada biodegradabilidade e pH ácido (tipicamente 5 a 6));
ii) a fase metanogênica, em que vigoram condições anaeróbias. Nesta fase o pH varia tipicamente entre 7,5 a 8,5 e caracteriza-se por baixa carga orgânica, reduzida biodegradabilidade e teores de amônia elevados. As concentrações de metais pesados dependem dos tipos de resíduos recebidos e são, teoricamente, baixas no caso dos aterros de resíduos sólidos urbanos, que não recebam resíduos diferentes dos RSU.
Destinação do chorume e poluição
Outro aspeto importante é a destinação do chorume proveniente de aterros sanitários, “aterros controlados” e lixões, para tratamento conjunto em estações de tratamento de esgoto (ETE). Nesta prática as estações de tratamento de esgoto poderão estar sujeitas a elevadas concentrações de amônia presente no chorume bruto, resultante da fase metanogênica. Pode também ocorrer um aumento dos componentes não biodegradáveis, (expressos na forma dos parâmetros DQO recalcitrante e AOX) no efluente final, caso a instalação (ETE) não esteja projetada para a remoção desses componentes. Ainda também relevante é a possibilidade do chorume poder conter substâncias tóxicas. Esta situação é tanto mais provável quanto houver a possibilidade do aterro, do qual o chorume provém, ter recebido resíduos não urbanos (como resíduos industriais e resíduos hospitalares) ou resíduos urbanos de áreas em que não exista a coleta seletiva de resíduos tóxicos de origem domiciliar.
O caso dos metais merece também particular atenção. Saliente-se que os contaminantes metálicos normalmente inibem a cinética das bactérias nitrificantes e heterotróficas presentes nos processos biológicos, pelo que os metais são considerados poluentes prioritários.
Por exemplo nos aterros em fase acetanogênica as concentrações de zinco podem ser elevadas e durante o tratamento biológico a maior parte deste micro contaminante precipita e mantém-se nas lamas (lodos). Estudos feitos também apontam em muitos casos para a acumulação de manganês.
Obviamente estes cenários são um risco elevado de não cumprimento das normas de lançamento do efluente tratado e de transferência de contaminantes para o solo e o meio hídrico em geral. Isto caracteriza-se como severo risco à saúde pública e a qualidade ambiental, dada a transferência de contaminantes para os ecossistemas e a cadeia alimentar, através da contaminação de aquíferos e eutrofização de massas de águas superficiais.
A legislação ambiental proíbe a diluição de efluentes como método de tratamento e isso deve ser observado com todo rigor.
Números do chorume
Dados disponíveis apontam para uma geração aproximada de 80 milhões de toneladas RSU no Brasil em 2015, sendo que apenas cerca de 58% destes foram destinados aos aterros sanitários. Estimativas bem conservadoras de projetistas e geotécnicos apontam para uma geração de 0,2 litros de chorume por habitante/dia considerando uma precipitação média anual de cerca de 1.500 mm, mas esse número muitas vezes também não condiz com a realidade, normalmente ficando abaixo dos valores apurados. Apenas os aterros sanitários em operação na região metropolitana do Rio de Janeiro geram cerca de 2.000 m³/dia de chorume. Se contarmos com os lixões desativados e os ainda em operação no entorno da Guanabara temos outros 2.000 m³ diários de chorume sendo drenados diretamente para a Baia. Sendo assim podemos supor que a geração de chorume diária no Estado do Rio de Janeiro, contando com outros aterros e lixões, pode chegar perto dos 4 milhões de litros por dia.
Também bastante preocupante e expressivo é o passivo ambiental do chorume acumulado em lagoas nos aterros. Com o aumento das chuvas no verão esse passivo se torna uma grande dor de cabeça e um perigo iminente de vazamento e contaminação. Estima-se que apenas na região sudeste existem hoje mais de 1,5 milhões de m³ de chorume acumulado em lagoas nos aterros e em termos de Brasil esse número deve ser ainda muito mais considerável. Esse passivo deve ser monitorado, controlado e enfrentado tecnicamente com a máxima urgência por conta do seu imenso potencial poluidor.
Tratamento do chorume
O destino adequado do chorume é obrigatório por lei, sendo um tratamento bastante complexo e oneroso.
Calcula-se que em termos gerais represente cerca de 20% dos custos de operação de um aterro. As tarifas pagas pelas Prefeituras aos operadores de aterros de RSU, na maioria das vezes, é muito baixa frente aos reais custos de operação e a inadimplência, a qual além de alta tem subido vertiginosamente nos últimos tempos. Em geral, a intervenção dos órgãos ambientais e de controle no Brasil, face ao problema, não tem sido eficaz, tão pouco idêntica em todos os Estados. A isto se acresce que para muitas empresas operadoras de aterros o tratamento de chorume não é o seu core business. Há uma enorme necessidade de capacidade técnica para operar sistemas de tratamento de chorume.
Há várias soluções técnicas para tratamento de chorume sendo apresentadas ao mercado brasileiro e aos órgãos ambientais, muitas delas não performam adequadamente, ou atingem os padrões exigidos de descarga, tampouco possuem experiência acumulada. Mas por outro lado existem sim alguns casos de sucesso reconhecidos pelo mercado e pelos órgãos de controle, como é o caso das estações de tratamento de chorume com tecnologia de Osmose Reversa instaladas em 2014 no aterro sanitário de São Gonçalo e em 2015 no aterro sanitário de Nova Friburgo, ambos no Estado do Rio de Janeiro.
Considerações finais
O chorume é um efluente complexo, perigoso, agressivo e produzido diariamente em todos os locais de disposição de resíduos. Há uma geração considerável de chorume no Brasil que não está recebendo o tratamento adequado antes do seu descarte e o volume de chorume acumulado nos aterros é assombroso e preocupante, um verdadeiro e gigante passivo ambiental. Hoje em dia soluções tecnológicas confiáveis e relativamente econômicas, para o devido tratamento de chorume existem disponíveis no mercado brasileiro, porém o problema precisa ser percebido na sua totalidade pela sociedade em geral, pelas empresas ligadas ao setor e pelos Governos, antes que potenciais catástrofes ou contaminações invisíveis continuem assombrando as chuvas de verão do lixo nosso de todo dia. Com a palavra os órgãos ambientais e de controle.
Walter Plácido Teixeira Junior
Engenheiro Civil
Consultor Sênior em Ciências do Ambiente e Gestão de Resíduos
Luís Martins Marinheiro
Engenheiro do Ambiente – Universidade de Aveiro
MSc. Eng.ª Biológica – Universidade do Minho
Consultor Sénior em Engenharia do Ambiente
Clovis Benvenuto
Engenheiro Civil – Escola Politécnica da Universidade de São Paulo
MSc. Eng.ª de Solos – Escola Politécnica da Universidade de São Paulo
Consultor em Geotecnia Ambiental
Muito bom o artigo . Gostaria de saber a data que foi publicado para uma citação. Agradeço
Publicado em 16 de dezembro de 2016
Olá!
Gostaria de saber o que pode estar acontecendo no caso em que em um aterro sanitário, o chorume não esteja percolando, pensei em acumulação em algum ponto específico, porém, seria notório… E também quais os problemas riscos este fato pode gerar?
Só não percola se houver disposição de inertes exclusivamente… Caso contrário, deve estar ocorrendo derivação…