Esperança não é estratégia!
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro*
A tragédia das chuvas e tempestades que puseram o Estado do Rio Grande do Sul literalmente sob as águas mobilizou governo e sociedade, em um movimento importante de solidariedade e senso de emergência.
No entanto, a tragédia também permitiu que víssemos o grau de despreparo de nossos administradores… para enfrentar a questão.
O MUSEU DE GRANDES NOVIDADES
Exemplo disso foi o ajuntamento de autoridades “com lugar de fala” na coletiva de imprensa ocorrida neste fim de semana (5 de maio), quando da nova visita do Presidente da República e sua extensa comitiva de ministros.
As intervenções e falas deram a medida do problema.
A coletiva, bem como o pronunciamento dos ministros … revelou-se um museu de ideias alheias, apresentado por engenheiros de obras feitas num teatro para babões…
A mediocridade reinante explica, de fato, muita coisa.
Primeiro, o que sempre constato nesses debates: o “salvacionismo” e todo o discurso repetitivo a respeito do protagonismo antrópico sobre o planeta.
De fato, precisamos ter humildade para ampliar nossa resiliência e adaptabilidade aos fenômenos climáticos na superfície da Terra. Esses fenômenos são fruto de interações as mais diversas, incluso a nossa… mas é fato que já ocorreram cataclismos antes e… ocorrerão outros DEPOIS de nós.
A “surpresa” com o evento não se justifica em nenhuma hipótese. Em verdade já ocorreu fato semelhante no ano de 1941, na mesma região – razão de terem sido construídos diques e barragens no sistema hídrico, para conter o efeito hidrológico das enchentes. A região sul do Brasil é a mais sujeita à eventos extremos como esse, bem como aos ciclones.
Assim, tivemos tragedias nas últimas décadas e no século XX, como tivemos no século XIX também.
A área sul do Brasil é sujeita, da mesma forma como o Sul da África e a Malásia, à maior ocorrência de células chamadas zonas de baixa pressão ao sul do equador. Se assim é e… de posse, no Brasil, de dados seculares de cheias históricas em todas as grandes bacias… já era tempo de termos um plano nacional de prevenção, contingência e emergência para chuvas e… também estiagens.
Algo mais eficaz e técnico que o proselitismo de ocasião.
HORA DE PENSAR NA RECONSTRUÇÃO
Quando as águas baixarem, teremos um estado em ruínas.
Serão necessários:
1- recursos bem administrados para obras emergenciais e apoio intenso do Corpo de Engenharia do Exército para recompor parte da infraestrutura de abastecimento e transporte;
2- Contratação de Navios-Geradores para fornecimento de energia e navios hospitais da Marinha para atender suplementarmente as emergências- em especial a endêmica de leptospirose;
3- Instalação de mini-estações de purificação de água – como as de tecnologia israelense;
4- Recomposição do sistema de telefonia celular – talvez com o uso de um sistema “starlink” – já em uso na Amazônia;
5- Distribuição de geradores de energia a motor, para as áreas afetadas na região serrana e vales;
6- Um “Plano Marshall” – referência ao plano de reconstrução da Europa pós-guerra, articulado junto aos organismos financeiros multilaterais, para reconstruir a infraestrutura e reestimular a economia.
MAIS DO MESMO… COM OS MESMOS
Meu temor é ver que todo esse desafio será enfrentado por um quadro de atores e circunstâncias que desfavorecem a credibilidade na eficiência e eficácia de uma reconstrução do Estado…
Não se fará nada com dirigentes incapazes de aprender até mesmo com a própria experiência. E esse fato é o primeiro grande desafio!
No entanto, como diz o dono do boteco da esquina, esse é o “que temos para hoje”.
Por outro lado, o povo gaúcho, como já ocorreu com os catarinenses num passado próximo, tem uma impressionante capacidade de superação. São cidadãos organizados e com grande capacidade de mobilização. E isso é um grande alento.
No âmbito da Iniciativa DEX, comandada pelo amigo e General da Reserva Rui Matsuda, já estamos nos mobilizando para agir e também propor.
Assim, convido os amigos envolvidos na gestão pública e privada a articular esforços e auxiliar intelectualmente no enfrentamento aos desafios da reconstrução. Será necessário estratégia, planejamento, engenharia e governança.
Vamos agir propositivamente, de olhos postos no País e em nós, brasileiros. Temos o futuro pela frente e… esperança não é estratégia !
*Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor institucional e ambiental. Sócio fundador do escritório Pinheiro Pedro Advogados, é diretor da AICA – Agência de Inteligência Corporativa e Ambiental. Integrou o Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional e Presidiu o Comitê de Meio Ambiente da Câmara Americanade Comércio – AMCHAM. Foi professor da Academia de Polícia Militar do Barro Branco, docente do NISAM – Núcleo de Informações e Saúde Ambiental da USP e Consultor do PNUD e do UNICRI – Interregional Crime Research Institute, das Nações Unidas. Possui vários trabalhos e consultorias publicados para o Banco Mundial, IFC e outros organismos multilaterais. Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB, é Conselheiro no Conselho Superior de Estudos Nacionais e Política da FIESP – Federação das Indústrias do Estado de São Paulo. Coordenador do Centro de Estudos Estratégicos da Iniciativa DEX, preside a tradicional entidade UNIÁGUA – Universidade da Água. Foi Secretário do Verde e Meio Ambiente (Gestão Régis de Oliveira) e primeiro Secretário Executivo de Mudanças Climáticas (Gestão Ricardo Nunes), da Cidade de São Paulo. Fundou e Presidiu a Comissão de Meio Ambiente da OAB SP, sendo declarado membro emérito pelo Conselho Seccional. Coordenou o Grupo Técnico organizado para elaborar o texto substitutivo do PL da Política Nacional de Mudanças Climáticas, na Relatoria do Deputado Federal Mendes Thame – apresentado, aprovado e sancionado em 2009. Vice-Presidente da Associação Paulista de Imprensa – API. É Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View.
Fonte: The Eagle View
Publicação Ambiente Legal, 06/05/2024
Edição: Ana Alves Alencar
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