Somos dispositivos orgânicos interagindo com dispositivos digitais. No ciberespaço, o resgate pode estar simplesmente no amor.
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro
A cibernética é a essência do nosso ecossistema atual. Ela reduziu, digitalizou e eliminou a mecânica, pôs a informação ao alcance da mão e diretamente sob nossas vistas, democratizou a comunicação e fortaleceu nosso modo de sobrevivência em rede, integrando a máquina às nossas atividades cotidianas e personalíssimas. Eliminou também, com isso, nosso distanciamento crítico em relação à máquina. Não somos mais senhores. Viramos parte integrante de uma enorme rede de dispositivos digitais.
O ciberespaço é nossa nova casa. Nos tornamos dispositivos orgânicos em simbiose digital com máquinas. Ganhamos conectividade, porém nos desumanizamos. E o amor?
É essencial desenvolver esse tema…
Evolução dispositiva
A evolução eletrônica possibilitou o acesso leigo a atividades que exigiam habilidade mecânica. Com isso, ela permitiu que os dispositivos servissem a nós sem que precisássemos, aparentemente, dedicar um momento exclusivo de nosso tempo para servi-los.
Ledo engano. Esse conforto funcional gerou enorme dependência tecnológica e nos envolveu a todos em um processo de distorção cognitiva em rede, que obstrui nosso distanciamento crítico em relação à realidade das coisas que nos cercam.
A era industrial gerou a simbiose homem-máquina. Agora atingimos um novo estágio evolutivo nesse processo e o aspecto vital da relação com a cibernética é nossa absoluta inserção dispositiva no ciberespaço.
O ciberespaço é nossa nova casa
O ciberespaço é integrado pela internet das coisas, pelas redes sociais, pela comunicação digitalizada, pelas conferências, correios de mensagens e documentos eletrônicos, pelo armazenamento de informações e sua transmissão. Ele, hoje, compreende a maior parte da comunicação entre os bilhões de seres humanos, destes com outros seres vivos e, também, dos próprios dispositivos interconectados a outros dispositivos. Vivemos nele, nossa casa digital.
Essa interconectividade encerra a moderna relação humana que privilegia bilhões de indivíduos e segrega literalmente da economia outras centenas de milhões de miseráveis excluídos digitais.
O efeito excludente é similar à eletrificação ocorrida entre o final do Século XIX e a primeira metade do Século XX. A eletricidade definiu a nova civilização integrada à rede de fornecimento de energia, distanciando-a das economias e comunidades que permaneceram nas trevas.
Estar na rede é o que diferencia o cidadão integrado à civilização do solitário homem das cavernas. Aliás, é seu mais perfeito efeito.
A ciberecologia, como já dito, induz à digitalização das relações sociais. Ela é causa e efeito disso.
Na década de 90 falávamos em networks – redes de relacionamento privadas, impulsionadas pela vontade humana. Vinte anos depois, a dimensão das redes sociais reflete uma capacidade de interconexão absurdamente incrementada, e em escala mundial.
Cada uma dessas redes sociais e comunidades digitais é integrada por milhões de usuários e suportada por outros milhões de máquinas de rastreamento, identificação, seleção e pesquisa.
Vivemos nesse ciberespaço. A ciberecologia fundiu a informação digital às formas vida. Como a nova biologia evolutiva, que compreende todas as formas de vida como redes ecossistêmicas, a ciberecologia simplesmente as digitalizou.
Filtramos nossa realidade material pela via digital. Isso ampliou nosso universo e, igualmente, multiplicou nosso sofrimento – afinal, viver é interagir com o meio e sofrer as circunstâncias.
Biologia “Skynet”
Há no ciberespaço verdadeiros biomas digitais – gamas e gamas de cibersistemas ecológicos simbióticos. Esse novo processo nos fez evoluir da simbiose homem-máquina para algo mais complexo. Ou seja: hoje, mais que uma simbiose orgânica, vivemos uma completa simbiose de máquinas (ou simbiose eletrônica).
O fato é comprovado numericamente. Em 2008, o número de equipamentos interconectados na rede mundial (internet), já superava o número de habitantes no planeta. Em 2020, cinquenta (50) bilhões de dispositivos estarão interconectados.
Não precisamos de ciborgues – nos tornamos um
O efeito “Skynet” – previsto no filme “O Exterminador do Futuro”, nos anos 80, pressupunha uma disputa entre seres humanos operadores e máquinas segregadas em centros de processamento de dados que resolveram atuar em rede.
A realidade confirma em parte a ficção. No entanto, o efeito “Skynet” foi absolutamente fagocitado pelos modernos dispositivos de recepção e transmissão de dados, fixos ou móveis, totalmente interconectados, que, se por um lado não mais dependem da “vontade humana” para procurar, identificar, destacar, apresentar e otimizar o diálogo entre pessoas, por outro acabou por envolvê-las e integrá-las no seu universo.
Dispositivos conversam com dispositivos, aprendem, apreendem e interconectam-se automaticamente também com os humanos. Significa dizer: nós próprios, os seres humanos, nos transformamos em “Cyberdyne Systems Model 101 – 800 Series” – o ciborgue interpretado por Arnold Schwarzenegger.
Não mais precisamos ser eliminados pela máquina – que antes segregávamos em obsoletos Centros de Processamento de Dados. Somos ela…
Absorção digital
Há um porém evolutivo paradoxal.
O “Big Data”, que está provocando uma revolução em nossos hábitos e relações – gerou como primeiro efeito, um estarrecedor ensimesmamento.
Quanto mais nos conectamos digitalmente, em rede, com o mundo, mais nos distanciamos dos nossos próximos…
Perdemos calor humano na medida em que empoderamos nossa capacidade intelectual de interagir digitalmente.
O indivíduo digitalmente absorto se desumaniza, torna-se intolerante e desorganiza sua cognição.
O processo gera o paradoxo da alienação na integração. Passamos a ter diante de nós infinitas possibilidades de conhecimento e… no entanto, desconhecemos cada vez mais.
Emocionalmente, geramos outro paradoxo com o ensimesmamento digital: perdemos nossa afetividade para com o próximo na medida em que nos tornamos extremamente sensíveis e intolerantes em rede.
O equilíbrio ciberecológico é servossistêmico. Aparentemente libertadora, a simbiose digital é absolutamente entrópica. Gera desorganização nas relações interpessoais. Torna as pessoas absortas, induz à dispersão e nubla a afetividade.
Os sintomas são claros. Basta observar o impressionante aumento da intolerância nos debates políticos, culturais e nos relacionamentos interpessoais. Geramos irrascíveis em grande escala e produzimos conceitos toscos manipulados por medíocres organizados em rede. Esse é o lado negro da geração ciberconectada em rede.
recado transcendental…
Se o novo mal do século, portanto, é o ensimesmamento, a saída está no resgate do afeto.
Afetividade é algo sentido, não aprendido. É químico, psicológico e etéreo. Não há um circuito orgânico que determine o afeto, embora todos os circuitos do organismo trabalhem em função desse sentimento, quando ele ocorre.
O templo de toda afetividade, a lei maior, é o amor.
O amor não é digital.
O amor é revolucionário. Rompe padrões. É preciso sentir para sabe-lo…
Nosso grande desafio é e será, sempre reconquistar nossa capacidade de socialização orgânica, resgatar o amor em meio à socialização digital.
Esse resgate permitirá recompor o necessário distanciamento crítico dentro do ciberespaço. Nos permitirá desenvolver o intelecto sem reproduzir padrões cognitivos massificados – pois essa entropia poderá gerar o nosso fim.
É preciso, portanto, abrir a mente e seguir para bem adiante da polarização entre a negação à realidade digital e a digitalização da realidade.
Precisamos ir um pouco mais além. Compreender a funcionalidade digital, aprender e crescer intelectualmente com ele – retornando os frutos dessa convivência, primeiro, para nossa convivência social e familiar – priorizar a quem amamos.
Temos que voltar a compreender e reinterpretar essa nova realidade que se nos apresenta.
Comecemos por retirar qualquer venda ou preconceito religioso e… reler à luz da era digital, o que foi analogicamente prescrito no livro sagrado: a Bíblia.
Interessante leitura. Até o mais cético irá, com ela se surpreender.
O amor, o remédio para a externalidade negativa na nova ciberecologia já estava prescrito pelo Senhor na Bíblia, em Coríntios:
“E ainda que tivesse o dom de profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, e ainda que tivesse toda a fé, de maneira tal que transportasse os montes, e não tivesse amor, nada seria.”
“O amor é paciente, o amor é bondoso. Não inveja, não se vangloria, não se orgulha. Não maltrata, não procura seus interesses, não se ira facilmente, não guarda rancor. O amor não se alegra com a injustiça, mas se alegra com a verdade. Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.”
O amor não é digital. Segue muito além do ciberespaço. Olhar para o lado, ainda que o olhar tenha tido início pela tela… pode representar o regate do ser humano em meio à vida digital.
Impressionante como a tal “bula sagrada”, vira e mexe… sempre nos resgata.
Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados, integra o Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional. Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB, membro das Comissões de Infraestrutura e Sustentabilidade e Política Criminal e Penitenciária da Ordem dos Advogados do Brasil – Secção São Paulo (OAB/SP). Editor do Portal Ambiente Legal e do blog The Eagle View.