Petrobras deveria ser instrumento de políticas de Estado, voltado para interesses maiores da cidadania, e não para a minúscula parcela de sócios da jogatina financeira
Por Geraldo Luís Lino *
Desde o ano passado, a alta de 16% nos preços do gás de botijão elevou de 16,1% para 17,6% o número de lares brasileiros que passaram a utilizar lenha e carvão vegetal para cozinhar. Isto significa que mais 1,2 milhão de pessoas passaram a depender da lenha, o combustível mais primitivo usado pela humanidade, e do carvão vegetal, mais apropriado para assar churrascos, para cozinhar diariamente os seus alimentos.
Em paralelo, nos últimos 12 meses, o óleo diesel também acumulou 16% de aumento nas bombas (56% nas refinarias), levando ao desespero os caminhoneiros responsáveis por quase 70% da movimentação de cargas no País (o aumento da gasolina foi de quase 18%).
Essas altas absurdas, que contrastam com uma inflação oficial de 3% em 2017 (e a acumulada nos quatro primeiros meses de 2018, abaixo de 0,7%), se devem à política de consolidação da Petrobras como uma empresa eminentemente de “negócios”, em detrimento da sua função precípua de empresa de Estado, adotada ostensivamente pelo governo Temer, empenhado em uma “privatização branca” da empresa.
Em julho de 2017, a Petrobras passou adotar reajustes praticamente diários nos preços desses derivados, principalmente, o diesel e a gasolina, de acordo com as variações dos preços do petróleo nos mercados internacionais, nos quais as cotações têm apenas uma reduzida ligação com os níveis de produção e muito mais, com as oscilações de humores geopolíticos e os apetites especulativos dos seus operadores vinculados à alta finança “globalizada”. Apenas em maio, o preço do diesel já sofreu 15 reajustes.
O resultado pode ser visto na segunda-feira 21 de maio, com milhares de caminhoneiros paralisando o seu trabalho e o tráfego em rodovias de 18 estados, como forma de protesto contra a disparada dos preços. O problema é que as suas reivindicações levam ao cerne do caráter pró-rentista da estrutura das finanças do Estado brasileiro, pois pedem que as alíquotas tributárias incidentes sobre o diesel (PIS/Pasep, Cofins e Cide) sejam zeradas, o que contraria diretamente as metas fiscais do governo, ferrenhamente comprometidas com o serviço da dívida pública. Por outro lado, a diretoria da Petrobras já antecipou uma pressão contra o governo, ameaçando um pedido de demissão coletiva se houver qualquer “interferência” na política de preços da empresa (Valor Econômico, 22/05/2018).
Aparentemente, a chantagem funcionou, pois o governo anunciou a retirada do Cide (responsável por apenas R$ 0,05 no preço atual do diesel) e, para preservar a “autonomia” da gestão da Petrobras, estabeleceu a contrapartida de uma reoneração da folha de pagamentos de mais de 50 setores produtivos – leia-se um novo aumento da carga tributária, cujas consequências dispensam conhecimentos de economia para se anteciparem.
Para se entender a “lógica” de usar preços internacionais como referência, quando a maior parte do petróleo e dos derivados é produzida no País, é preciso ter em conta que, em uma empresa “de negócios”, seus dirigentes se guiam pelos chamados custos de oportunidade. Ou seja, se, em vez de vender combustíveis no mercado interno a preços mais baixos, ela priorizar as exportações para obter preços melhores, a empresa estará “perdendo dinheiro” com lucros não realizados.
A isso, some-se a decisão da atual direção da empresa, de reduzir a oferta de derivados produzidos nas suas próprias refinarias (que estão funcionando em média com 75% da sua capacidade), para favorecer as importações, de modo a criar um ambiente de negócios “competitivo”. Em 2017, o volume de importações de derivados de petróleo foi o mais alto desde 2000, registrando um aumento de 25% em relação a 2016.
Todo o imbróglio remete à questão crucial de que, num País majoritariamente dependente do transporte terrestre (e no qual mais de 30 milhões de pessoas ainda cozinham com lenha), os preços dos combustíveis deveriam ser estabelecidos de acordo com uma política de Estado, e não segundo os humores voláteis dos “mercados”. Consequentemente, a Petrobras deveria ser um instrumento de políticas de Estado, voltadas para os interesses maiores do conjunto da cidadania, e não para a minúscula parcela de sócios da jogatina financeira, para os quais os cidadãos não passam de vacas leiteiras a serem sugadas até o esgotamento.
Mas isso, certamente, ficará para outro governo.
Nota:
in Movimento de Solidariedade Ibero-americana (MSIa) Economia – 24 de maio de 2018
*Geraldo Luís Lino é Geólogo, Diretor do Movimento de Solidariedade Ibero-Americana, ex-consultor ambiental
Fonte: The Eagle View