Um exemplo de gestão municipal com sensibilidade social…
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro
Samir é um cidadão em estado de rua. Um dos 14 milhões de indivíduos vitimados pela depressão econômica que afeta o Brasil.
Samir não vive enfurnado em uma barraca obstruindo a via pública, não é um “nóia” incomodando transeúntes, não é um vendedor ambulante que usa o logradouro para atividade comercial clandestina. Samir está na rua há pouco tempo, desamparado, não teve mais como pagar o aluguel, é uma vítima do capitalismo sem mérito, da economia de mercado dos amigos, da política de favorecimento dos corruptos, da falta de emprego e da falência da classe média paulista.
Como cidadão, no entanto, Samir tem direito de entrar, sair e transitar pelo país com seus bens e pertences pessoais. No caso de Samir, seus bens pessoais resumem-se em um carrinho de supermercado – cobertor, muda de roupa, e outros poucos pertences de higiene pessoal. Com esse carrinho, Samir circula nas proximidades da Estação Conceição da Linha 1-Azul do Metrô, na zona sul paulistana,
No entanto, Samir foi abordado pelos fiscais da Prefeitura de São Paulo, que cumpriam a determinação do Prefeito João Dória de tornar nossa cidade linda…
Exercendo sua autoridade de vistor, os fiscais recolheram o carrinho de Samir – afinal, toda miséria é feia… e a cidade deve ser linda.
Os funcionários da prefeitura seguiram a determinação do Prefeito da Cidade, de recolher objetos de moradores de rua que obstruíssem as calçadas – e, pelo visto, no entendimento da prefeitura, cobertores e carrinhos de supermercado (quando em mãos de pobre, bem entendido), obstruem…
Para executar esse importante mister administrativo, os fiscais fizeram-se acompanhar de dois Guardas Civis Metropolitanos, um dos quais, pelo visto, resolveu por Samir “no seu devido lugar”. Para conter o cidadão que via “sua vida” ser recolhida pela fiscalização, o GCM não hesitou em usar a força para muito além do necessário. Exacerbou, deverá ser punido pela agressão praticada.
O desespero de Samir justificava-se. Seus únicos bens e o carrinho, estavam sendo recolhidos pela fiscalização. A vida de Samir havia sido enquadrada como “infração administrativa”, e tamanha arbitrariedade é mesmo motivo de desespero.
Já a reação do Guarda Civil Metropolitano… não tem justificativa. Não se utiliza “dos meios necessários” passando rasteira no cidadão, enchendo-lhe de humilhantes tapas e derrubando-o no chão a ponto de provocar-lhe uma lesão no pulso.
Porém, se a agressão do GCM foi absurda, a fria ação fiscalizatória e de recolhimento das coisas do Samir, pelos funcionários civis, foi pior.
Ao que tudo indica, o procedimento da Administração Municipal não apenas foi dirigido ao Samir mas visa atingir todos os pertences dos cidadãos em situação de rua – uma determinação de CARÁTER HIGIENISTA, ao que parece.
E nem se venha tirar responsabilidade do Prefeito. Foi Dória, pessoalmente, quem retirou o veto do Decreto de seu antecessor, permitindo que colchonetes, cobertores e carrinhos fossem recolhidos, autorizando o uso da Guarda Civil Metropolitana se necessário. Assinou a desumanidade, aliás, no primeiro mês de mandato. O fato é que papel e caneta, somados ao deslumbramento do cargo, resultam em decisões aparentemente bem intencionadas, mas que autorizam desastres como o produzido com Samir…
A corporação – GCM, por óbvio, não tem nada a ver com a agressão protagonizada por um de seus membros, isoladamente. O problema é que a fiscalização, como também resta claro no episódio, está tratando de recolher bens pessoais de cidadãos que nada mais têm de seu, bens que não dizem respeito à prefeitura e não constituem barreira ao uso de logradouros e à ninguém. A atitude revela muito mais do que um conflito ocasional – revela a sistematização da supressão da dignidade de gente que já nada mais possui. Há desumanidade no procedimento e, portanto, o potencial de atrito, como visto, é enorme.
Nada mais natural, portanto, que perguntar ao prefeito:
1- Recolher o cobertor e o carrinho do Samir, caro João Dória, torna a cidade linda?
2- Esse tipo de “sensibilidade social” irá tornar “linda” a cidade de São Paulo?
3- Será esse o modelo de conduta pretendido para o Brasil?
Enquanto isso, em Roma, o Papa dá exemplo de gestão urbana cristã:
veja o vídeo de Samir em: Notícias R-7
Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e das Comissões de Política Criminal e Infraestrutura da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB/SP. É Vice-Presidente da Associação Paulista de imprensa – API, Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View.
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