A crise no Império Romano, as Legiões… e a crise atual no Governo Brasileiro
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro*
Lúcio Septimio Severo foi imperador romano de abril de 193 a fevereiro de 211 d.C. Era de ascendência árabe berbere e cartaginesa (Líbia), com um histórico militar e de ascensão ao status senatorial, assim como consular, impecáveis. Sua carreira se deveu ao brilhante período do Imperador Marco Aurélio, o último dos “cinco bons imperadores” a governar na era de ouro do Império Romano.
A ascensão de Septimio ao cargo de imperador começou com o assassinato do dissoluto governante Cômodo, no último dia do ano de 192 d.C. O sucessor imediato de Cômodo, o respeitado General Pertinax, não atendeu às exigências da Guarda Pretoriana, que reclamava por privilégios e pagamentos retroativos – prometidos por Cômodo e, portanto, foi assassinado.
O episódio abriu espaço para um “leilão” do cargo de imperador, regulado pela própria Guarda Pretoriana, resultando o período (193 d.C.), como o “ano dos cinco imperadores”, findos após Séptimo Severo, então governador da Panônia (hoje Albânia), com suas tropas, tomar o poder e, rapidamente, dissolver a Guarda Pretoriana existente, substituindo-a por uma unidade de guarda-costas muito maior, recrutada das legiões danubianas (germânicas) sob seu comando.
Para fortalecer a sua autoridade na Itália, Severo erigiu três novas legiões (I-III Parthica), alocou a segunda delas não muito longe de Roma, em Alba, e aumentou o número de vigílias, coortes urbanas e outras unidades da cidade, ampliando consideravelmente a guarnição geral de Roma. Algo impensável desde quando Júlio Cesar havia invadido Roma com suas Legiões, desafiando o Senado Romano – atravessando o Rio Rubicão.
Severo se notabilizou pelas suas reformas no exército. Não só ampliou o tamanho da força, como também aumentou o soldo anual dos soldados, de 300 a 500 denários (algo que não ocorria desde o período do imperador Domiciano, em 84 d.C.).
Severo, para pagar esses aumentos, teve de desvalorizar a moeda de prata e, tal como Cômodo, estimulou a inflação da economia com efeitos, aparentemente “mínimos” – impondo pressão fiscal na população civil.
Com olhos postos na força militar, Severo encerrou a proibição de casamento, que existia no exército romano, dando aos soldados o direito de ter esposas – estendendo direitos legais às esposas dos soldados e suas filhas.
Tão preocupado estava Severo com a lealdade do exército, que, no seu leito de morte, segundo dizem, teria aconselhado os seus dois filhos, Caracala e Geta: “Sejam bons um com o outro, enriqueçam os soldados, e dane-se o resto”.
A lição foi seguida, pela dinastia Severo… mas abriu a crise sucessória, no Século III, que levou à própria decadência das Legiões, à cisão da governança territorial de Roma e à decadência militar irrefreável do Império, levando o governo ocidental a sucumbir no Século IV.
Por óbvio que a marcha da história, nos tempos atuais, fez com que séculos se transformassem em anos, e décadas em meses. Exemplo disso é a ascenção e queda do III Reich alemão, considerado dono da melhor e mais bem gerida força militar da história após as Legiões do Império Romano, sob o comando de psicopatas – como aprendi lendo a excelente obra de Arther Ferril, décadas atrás.
Portanto, como diz o poeta Fernando Pessoa, tudo tem fim:
“No fim do mundo de tudo
Há grandes montes que tem
Ainda além para além
Um grande além mago e mudo.”
Mas… o que tem isso a ver com o Brasil? Tudo!
Séptimo Severo me veio á mente, por conta das medidas decontenção do descontentamento generalizado na tropa, enfrentado pelo atual Comandante Geral do Exército brasileiro, General Tomás Paiva.
O Comandante enviou uma ordem interna, para todos os militares, contendo várias determinações objetivandoc o “fortalecimento da coesão” e valorização da “família militar”.
Qualquer ser pensante denota que, clamar por união, revela desunião e, portanto, há uma crise á vista.
As medidas baixadas incluem desde o esforço para “afastar a imagem de que o Exército atua fora da legalidade”, até o foco nas patentes mais baixas, visando “estudar uma proposta de aumento salarial para os militares”.
A Ordem Fragmentária nº 1 foi assinada pelo General Tomás em meio a um processo evidente de perda de credibilidade da instituição militar, face a milhões de cidadãos – testemunhas da atitude dúbia adotada pela Força com relação a milhares de militantes bolsonaristas que acamparam em frente aos quartéis – em todo o Brasil, solicitando que as Forças Armadas se posicionassem quanto à crise decorrente da alegada falta de legitimidade, sentida no processo eleitoral de 2022.
Sem ir adiante nessa questão, é fato que, queiram ou não magistrados e governantes, o atual presidente, eleito em 2022, busca esvaziar praias onde se banha e fechaa o tráfego nas avenidas por onde trafega – dada sua evidente impopularidade – enquanto o ex-presidente toma voo comercial e é aplaudido pelos demais passageiros…
Mas o problema não se esgota na vertente bolsonarista. Qualquer pesquisa de popularidade verifica que o Exército Brasileiro perdeu credibilidade junto aos cidadãos brasileiros moderados também; e está, neste momento, sendo deliberadamente desmoralizado por ações e medidas de ordem legislativa e jurisdicional – provocadas pela própria base do governo eleito. É vítima de deliberada vinculação institucional da Força com atos imputados a militares que serviram ao Presidente Bolsonaro – alvo de uma articulação evidentemente revanchista promovida por quadros incrustrados no Governo, Parlamento e Poder Judiciário.
Enfrentando uma “guerra assimétrica”, de caráter híbrido, em várias frentes, o Comando atual do Exército está em crise – e está sob clara pressão dos seus subordinados – atingidos na honra e no pundonor militar.
“Os quadros da Força devem pautar suas ações pela legalidade e legitimidade, mantendo-se coesos e conscientes das servidões da profissão militar, cujas particularidades tornam os direitos e os deveres do cidadão fardado diferentes daqueles dos demais segmentos da sociedade”, escreveu o General Tomás no início de sua “Ordem”, quando analisa o contexto atual.
A situação do Exército, prossegue o documento, apresenta a necessidade de consolidar o “sentimento de pertencimento” dos militares à Força e a vontade de melhorar a comunicação diante do “desconhecimento, por parte da sociedade, das ações desenvolvidas pela Força Terrestre”.
O operoso Comandante busca intensificar o processo de “fortalecimento da coesão” e valorização da “família militar”, afastando a “imagem” de que a Força atua fora da legalidade (???) e focando atenção nas “patentes mais baixas”, acenando com proposta de aumento salarial para os militares. Com efeito, ele praticamente aceita a provocação lançada pela esquerda brasileira, de que as Forças atuaram “fora da legalidade”, oficiais ganham acima do que devem e as praças muito menos…
Para “inverter a situação”, a Força pretende criar pautas positivas e estimular uma associação nacional de “amigos do Exército Brasileiro” para proporcionar a “interlocução com personalidades e autoridades civis” (estapeando moralmente todas as associações de amigos das forças hoje existentes – como se elas não fossem formadas por “personalidades” e “autoridades civis”).
A ordem fragmentária foi divulgada nos canais internos do Exército na última sexta-feira (18). Seu teor é um avanço da ofensiva de Tomás para ampliar a comunicação com as tropas e reverter um cenário de “piora na percepção pública sobre as Forças Armadas”.
O ato precedeu reunião dos comandantes das três Forças com o ministro José Múcio Monteiro (Defesa) e o Presidente Lula, no Palácio da Alvorada, no último domingo (20 de agosto), onde, segundo relatos feitos à Folha de São Paulo, os chefes militares prometeram punir “todos os oficiais comprometidos com os atos antidemocráticos de 8 de janeiro”.
Ocorre que, conforme deixa cada vez mais evidente as sessões da CPMI sobre os atos de 8 de Janeiro, em curso no Congresso Nacional, o que parecia claro… torna-se a cada dia mais nebuloso.
A falta de clareza sobre a mistura de pantomima e destruição, ocorrida no dia 8 de janeiro, é tão evidente, que a base governista de Lula parece agir para obstruir que se busque esclarecer os fatos – contando com sistemático atropelo de decisões e medidas judiciais emanadas da Cúpula do Poder Judiciário – questionáveis sob todos os aspectos elementares de defesa das garantias essenciais aplicadas ao processo penal (basta ler os debates sobre o tema nos jornais e boletins jurídicos, e ouvir o que se diz a respeito nas rádios, redes sociais e TVs.).
Militares de variadas patentes, de sargentos a oficiais-generais, das três Forças Armadas, mas sobretudo do Exército, são investigados por suspeitas de todo tipo – de “muambagem” a “conspiração”, apoiadas na “lacração” midiática erigida como evidência judiciária… e, por óbvio, o alvo do establishment, é Bolsonaro.
É evidente que toda essa celeuma não diz respeito ao cidadão brasileiro e, sim, à disputa político-eleitoral entre forças radicais e antagônicas.
Está claro, também, que “desvio de Rolex”, ou troca de mensagens em grupos de whatsapp de fardados – bem como o questionamento da validade das urnas eletrônicas sem impressão de voto (cuja impressão, aliás, ocorre hoje na maior parte do planeta que “eletronizou” o voto), ou o quebra-quebra de 8 de janeiro, em nada periclitaram o Regime Republicano e Democrático do Brasil. Pelo contrário, causaram menor prejuízo que o somatório de decisões arbitrárias que hoje testemunhamos, emanadas do próprio STF, solicitadas ou não por organismos policiais e policialescos… a título de “proteger” a Democracia que, com isso, se deteriora a cada dia.
A imprensa internacional, hoje, já denuncia o fato, e dirigentes internacionais já não vêem Lula como o “democrata” merecedor de Nobel… como antes.
Nesse sentido, a crise em curso no âmago das Forças Armadas, sintomaticamente externada pela Ordem publicada pelo Comando do Exército – revela algo similar ao período que antecedeu a dinastia dos Severos no final do Século II em Roma: a busca por fidelizar a soldadesca concedendo-lhe benefícios financeiros… como forma de substituir a FORÇA pela LEGITIMIDADE.
Tal como em Roma… o resultado foi desastroso a longo prazo. O que significa “curto prazo” nos dias atuais.
Um governo que já aportou a impressionante soma de 40 bilhões de reais em emendas e benefícios parlamentares, em oito meses de gestão, sem conseguir reverter a crise de legitimidade ou gerar conforto na sua base congressual, não irá se firmar buscando cooptar uma Força Militar doutrinariamente imune ao populismo desde o final da Segunda Guerra Mundial.
Ao que tudo indica, estamos observando a superfície de um vulcão… que aparenta estar adomercido apenas na crosta superficial da cratera.
Se o Presidente Temer pode ter sido um “Marco Aurélio”, enfrentando conflitos no Senado… Bolsonaro não é Cômodo, Lula não é Séptimio Severo e o Exército Brasileiro, por sua vez, é muito maior que a Guarda Pretoriana da crise “dos cinco imperadores” de 193 d.C.
Aguardemos a marcha dos acontecimentos…
*Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor institucional e ambiental. Sócio fundador do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrou o Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, foi professor da Academia de Polícia Militar do Barro Branco, docente do NISAM – Núcleo de Informações e Saúde Ambiental da USP e foi Consultor do UNICRI – Interregional Crime Research Institute, das Nações Unidas, UNDP, Banco Mundial e IFC. Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB, do Conselho Superior de Estudos Nacionais e Política da FIESP – Federação das Indústrias do Estado de São Paulo e Vice-Presidente da Associação Paulista de Imprensa. É Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View.
Fonte: The Eagle View
Publicação Ambiente Legal, 27/08/2023
Edição: Ana Alves Alencar
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