Mudança do Clima em área etnicamente atritada aumenta risco de conflito armado
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro
Mudança do Clima como fator de risco de conflito armado
Um estudo intitulado “Riscos de Conflito Armado Incrementados por Desastres Climáticos em Países Etnicamente Fracionados” (Armed-conflict risks enhanced by climate-related disasters in ethnically fractionalized countries), foi publicado no final do mês de julho de 2016, pelo Proceedings of the National Academy of Sciences – PNAS. Ele revela uma importante linha de pesquisa para definir fatores de risco na interação dos eventos climáticos com os conflitos humanos.
O pesquisador alemão Carl-Friedrich Schleussner e seus colegas Jonathan F. Dongesa, Reik V. Donnera, e Hans Joachim Schellnhubera, do Instituto Potsdam para Pesquisa de Impacto do Clima, autores do estudo, encontraram uma taxa de correlação de 9% entre conflitos humanos e desastres naturais como ondas de calor ou seca. A pesquisa do Instituto também revela que cerca de 23% dos conflitos armados, entre 1980 e 2000, em países com muitas diferenças étnicas, coincidem com calamidades climáticas.
O enunciado do estudo científico afirma que divisões étnicas desempenham um papel importante em muitos conflitos armados em todo o mundo e podem servir como linha para determinar o surgimento de conflitos em tensões sociais rapidamente emergentes, decorrentes de eventos perturbadores como desastres naturais. Os pesquisadores afirmam no estudo terem obtido provas, em conjuntos de dados globais, que o risco de surto de conflito armado é reforçado pela ocorrência de desastres relacionados com o clima em países etnicamente fracionados.
“Embora não termos encontrado indícios de que os desastres ambientais podem acionar diretamente os conflitos armados, nossos resultados sugerem que os desastres podem atuar como um multiplicador de ameaças em várias das regiões mais propensas a conflitos do mundo”, conclue a equipe.
A observação dessa interação étnico-climática tem implicações importantes para políticas de segurança nas regiões mais propensas a conflito, como norte da África, África Central e Ásia Central – áreas vulneráveis tanto à ação humana sobre o clima quanto marcadas por profundas divisões étnicas.
O estudo não é isolado. Suas conclusões seguem uma tendência.
Análise coincide com Universidade de Barcelona e ONU
A Universidade Autônoma de Barcelona, juntamente com 23 universidades e organizações de justiça ambiental de 18 países, organizaram alguns anos atrás um mapa dos conflitos ambientais pelo mundo. O projeto foi desenvolvido sob responsabilidade do EJOLT – Environmental Justice Organizations, Liabilities and Trade, um grupo europeu de organizações de justiça ambiental.
A própria Organização das Nações Unidas apontou o problema em meados de 2014, quando o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, expressou sua preocupação. “Deixar as pessoas sem água potável é violação de um direito humano fundamental. Pôr a população civil como alvo e negar-lhe fornecimentos essenciais é uma clara violação dos direitos humanos e do direito humanitário internacional”, afirmou Ban Ki-moon.
O Secretário Geral da ONU se referia ao uso da água como arma de guerra e de segregação social. No entanto, o fator importante que reforça essa segregação advém das mudanças climáticas. As secas ocorridas na Síria e na Somália, por exemplo, contribuíram de forma determinante para o conflito armado e guerra civil nestes países. Seca prolongada também constitui fator decisivo no Iraque e Afeganistão. Todas essas regiões sofrem com problemas relativos à segregação étnico-religiosa.
Há exemplos na história antiga e recente
Civilizações inteiras, no passado da humanidade, já foram destruídas por desastres naturais. Não são poucos os historiadores que apontam a alteração do clima e a escassez de recursos ambientais como determinantes para a queda da civilização Hitita, na Ásia ou Maia, na América, por exemplo.
Mas, na história moderna, devemos nossos sistemas pluralistas e democráticos também a um evento climático.
Confesso que, quando me deparei com o estudo, me lembrei de imediato da importante relação da intensa atividade serial do Gigantesco Vulcão Laki, ocorrida na Islândia, em 1783, no final do século XVIII, com a produção de uma enorme pluma que diminuiu o grau de insolação e fez reduzir a temperatura média do globo terrestre em aproximadamente 6°C.
O súbito esfriamento cobriu a Islândia com uma pesada calota de neve e gelo só recentemente reduzida. Causou chuvas ácidas na América do Norte, resfriamento da Groenlândia, um dos mais rígidos invernos na Sibéria e a pior seca em mais de 600 anos no Egito. Enormes contingentes de indivíduos sofreram com a intoxicação das cinzas da enorme pluma sobre o continente europeu.
Houve quebra das safras, provocando o colapso na agricultura do norte da Europa, países baixos e França. O resultado foi a migração em massa de retirantes para Paris e a convocação, pelo Rei Luís XVI, dos Estados Gerais, em 1789 – estopim para a Revolução Francesa…
O fato histórico da Revolução Francesa, quase sempre é relacionado com a crise agrícola e econômica existente naquele período. No entanto, pouquíssimos estudos relacionam a crise agrícola e a migração em massa para Paris, com a alteração do clima na Europa ocasionado por atividades vulcânicas em série – que podem tornar a se repetir…
Daí a importância de se inferir essa relação clima-segregação-conflito, nos modernos conflitos analisados pelo estudo publicado.
Estudo usa base de risco conceitual
Voltando à pesquisa do professor Schleussner e sua equipe do Instituto Potsdam, muitos fatores de risco com potencial de gerar conflito foram identificados, tais como pobreza, desigualdade de renda, governança fraca ou conflitos históricos pré-existentes.
O estudo não esqueceu de elencar a hipótese dos interesses econômicos sobre os recursos naturais escassos. A ligação com ativos financeiros ligados à explosão de recursos naturais também foi abordada e tem sido discutida em vários trabalhos similares.
Porém, aponta o estudo do Instituto Potsdam, vem crescendo o número de estudos que indicam ser a divisão étnica um dos fatores-chave para determinar o risco de conflito armado em várias sociedades.
Embora não tenham exatamente raízes em tensões étnicas, cerca de dois terços de todas guerras civis desde 1946 tiveram algum componente étnico. O papel proeminente da etnia nos conflitos pode estar relacionado ao acesso seletivo ao poder político ou a recursos que frequentemente são divididos seguindo a etnia, assim como o potencial rápido de mobilização étnica que emerge da concentração geográfica de grupos e dos laços sociais fortes entre pessoas da mesma etnia.
Esses dois fatores podem contribuir para fraturas sociais em fronteiras étnicas em caso de tensão social rápida gerada por eventos como desastres naturais. Além disso, parece que os grupos étnicos podem ser impactados de maneira bastante diferente por desastres naturais.
A concentração geográfica pode ser reforçada por outros fatores, como modos de vida específicos (o caso de comunidades ribeirinhas e pastoris) ou discriminação sócio-econômica que aumenta a vulnerabilidade aos desastres.
O estudo especifica impactos dos desastres em termos de prejuízo econômico ao Produto Interno Bruto (PIB) dos países em conflito, usando uma base de dados de alta qualidade desenvolvida para propósitos comerciais do setor de resseguros.
Para testar as correlações estatísticas entre eventos climáticos e o momento dos conflitos armados, Schleussner e equipe utilizaram o método de “análise de coincidência de eventos”, conceitualmente relacionado à sincronização de eventos e abordagens parecidas que são usadas em neurociência.
O estudo é recomendável para quem quer se aprofundar no entendimento ambiental dos conflitos modernos.
Para acessar o estudo, clique aqui.
Fonte:
http://www.pnas.org/content/113/33/9216.abstract
Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados, integra o Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional. Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB, membro da Comissão de Infraestrutura e Sustentabilidade e da Comissão de Política Criminal e Penitenciária da Ordem dos Advogados do Brasil – Secção São Paulo (OAB/SP). Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal. Responde pelo blog The Eagle View.
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