Deslealdade, tibieza, mesquinhez, leviandade e ignorância, não se prestam a legitimar uma liderança em tempos de crise…
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro*
Da mesma forma que pimenta do reino no “Bloody Mary”, a cloroquina compõe um extenso coquetel de substâncias, cuja proporção irá depender de outra série de fatores “ao gosto do freguês”.
A cloroquina pode surtir efeito contra o coronavírus mas com certeza, isoladamente não cura a doença. É um remédio legal cuja receita sequer ficava retida. Passou a ter uso mais restrito justamente porque Bolsonaro fez propaganda e os hipocondríacos saíram comprando o que podiam, causando escassez nas farmácias e prejudicando quem realmente precisava – como os portadores de lúpus, malária e outras doenças crônicas.
Mas o componente da fórmula ganhou destaque por absoluta falta de pretexto para gerar uma polarização.
Explico:
O único interesse nessa discussão cloroquinada é “criar lado”. Nada a ver com a saúde da população.
Na verdade, foi Donald Trump, quando ainda agia de maneira completamente irresponsável em relação á pandemia – que agora devasta os EUA, quem decidiu anunciar ao mundo que a cloroquina é um medicamento de eficácia 100% comprovada. Trump patrocinou uma fake news farsesca com um mero componente de um coquetel muito complexo e que varia de acordo com o paciente, como já se comprovou.
Mas o estímulo ao anti-intelectualismo, típico dos ressentidos, é norma de conduta entre os que sistematicamente desacreditam da ciência e Trump, ao apontar a cloroquina como salvação (não faz mais isso, hoje em dia), procurava se prevenir do comportamento europeu e asiático de impor quarentenas em cidades inteiras.
Assim, a “brilhante” ideia republicana foi a de convencer a população de que o vírus podia ser facilmente curado com cloroquina – dessa forma não haveria porque se impor medidas de isolamento e a recessão não iria interferir nas eleições no EUA.
Porém, seguindo aquela máxima da doutrina Monroe, de que “o que é bom para os EUA, é bom para o Brasil”, essa mesma bobagem leiga sobre um debate científico foi importada e reprocessada pelos “gênios” do bolsonarismo – o famoso “gabinete do ódio”.
O “gabinete do ódio” é formado por um grupo de assessores formais e dezenas de outros informais, que se identificam como “olavistas” e “direitistas” – embora os verdadeiros direitistas os desprezem e o próprio Olavo de Carvalho negue o chamado “olavismo”.
Essa troupe de artistas do teclado, mestres do twitter e manequins de youtube, não sabe ao certo o que é ser de direita ou o que é “olavismo”, e no entanto entanto cuidam de “blindar” e “defender” o Presidente Jair Bolsonaro nas redes sociais e mídias digitais. Para tanto, fabricam todo tipo de material destrutivo e produzem desinformação. Em verdade, o grupo forma um núcleo de baba-ovos do teclado, que sonham vestir Hugo Boss com braçadeira mas não passam do bermudão da Renner com chinelo de dedo.
O grupo aconselha (mal) o presidente, que por mais que seja também (bem) aconselhado pelo seu gabinete, por razões familiares óbvias empresta seus ouvidos às intrigas montadas por aquela troupe.
Os efeitos desse grupo foram nefastos para a própria liberdade de expressão da cidadania. A poluição que causaram nos meios digitais foi a principal razão dos mecanismos de impulsionamento e compartilhamento nas redes sociais se encontrarem, hoje, extremamente reduzidos e absurdamente caros para o cidadão comum.
O gabinete sobrevive da simbiose formada pelo atrito constante do governo com a extrema imprensa, extrema esquerda, intervencionistas, globalistas e toda ponta visível do chamado establishment. Também busca se justificar como fornecedor de conteúdo para governistas fanáticos, soberanistas, e direitistas de todos os matizes. No entanto, é um “remédio” que intoxica e pode matar o paciente…
Ocorre que esse grupo de “gênios”, sempre dissimulado e negado oficialmente pelo palácio, no episódio da pandemia do coronavírus, não se sabe se por obra divina, terminou se expondo, a ponto de poder ser facilmente identificado – o que irá facilitar sua remoção e profilaxia no governo, se realmente houver vontade política em salvar a República e atender à imensa maioria que votou nas reformas e nas mudanças de comportamento – contra o populismo e a demagogia barata.
A eficiência do grupo em produzir o mal, não se reflete em eficácia para o bem do governo. No caso da pandemia, por exemplo, a troupe até o momento não acertou uma…
Primeiro, manobrou errado, apostando que haveria “revolta e desobediência civil contra a quarentena” – e esse fato desgastaria os governadores. Então o grupo aconselhou o presidente a não baixar uma norma nacional de comportamento preventivo contra a pandemia.
O Brasil, assim, ficou privado de ter uma orientação federal que priorizasse o afastamento social e estabelecesse a quarentena apenas nos lugares necessários.
Diante da omissão – que se revelou proposital, os Governadores e Prefeitos assumiram a condução do gerenciamento da crise e seguiram o plano de contingência nacional, que prevê quarentena e isolamento. Alguns foram adiante e isolaram suas cidades.
Porém… com tudo isso, e apesar do proselitismo presidencial “culpando” os governadores por um pandemônio na pandemia… a população se conscientizou dos riscos e a esperada “revolta” não ocorreu.
Frustrado na sua primeira expectativa, o grupo de “gênios” decidiu então que o presidente deveria minimizar os efeitos da pandemia, atraindo para si os que seriam prejudicados economicamente pela quarentena. Sem no entanto ousar adotar na caneta qualquer medida no sentido do seu discurso (vai que…).
Surgiu então a tese da “gripezinha” e da minimização das consequências da doença. Justamente na semana em que Itália e Espanha expunham ao mundo os efeitos maléficos ocasionados pelo vírus, subestimado inicialmente pelos respectivos governos.
O resultado do discurso do presidente brasileiro foi um desastre de reflexos internacionais e logo precisou ser corrigido. A correção de rumos deu-se, então, sob a orientação do gabinete da presidência, formado pelos ministros militares, que puderam auxiliá-lo a fazer um pronunciamento neutro, dirigido oficialmente à Nação.
Frustrado de novo em suas expectativas, o grupo de “gênios” tirou da manga o velho truque populista do salvacionismo, restaurando a ilusão americana da cloroquina. Com certeza, após seus membros assistirem alguns capítulos de Breaking Bad e se iluminarem com a ideia das pedrinhas alucinógenas que viciam.
A primeira resistência que encontraram foi justamente o corpo técnico instalado no Ministério da Saúde – razão pela qual iniciaram o bombardeio sobre o ministro Mandetta, provocando uma cisão interna na política de combate à pandemia, no momento em que se apresentavam bons resultados na estratégia adotada pelo ministério de buscar se articular com os estados, evitando atritos políticos.
Como o debate técnico sobre o método de prevenção física à pandemia (adotar isolamento vertical ou isolamento horizontal), não resultava em algo “binário”, facilmente perceptível para uma massa de gente apavorada pela campanha de pânico adotada pela mídia mainstream, o grupo de gênios do mal entendeu que o antagonismo teria que se dar em torno de uma substância milagrosa, a fórmula que salva. Dessa forma, o “grande e genial líder” seria vinculado à “salvação” do Brasil.
A cloroquina, portanto, entra nesse coquetel marqueteiro. Não pela sua composição química, mas sim pela simplicidade de compreensão do vulgo.
Os “cloroquinadores” do “Breaking Bad” entenderam que um produto “simples” seria o rótulo ideal. E foi daí que surgiu o objetivo de colar nas redes sociais a imagem do “Capitão Cloroquina” no Capitão Bolsonaro.
Mas a tarefa não resultava, por mais que essa troupe tenha despejado a colagem de imagens sobre as redes sociais, com o auxílio dos seus robozinhos humanos (que repassam sem pensar qualquer lixo que recebam pelas infovias).
O problema estava justamente na fórmula e nos seus aplicadores.
A substância não age de per si. Aliás, isoladamente ela é uma droga – uma nitro-glicerina que “explode” o paciente se for mal manipulada. Apenas um ingrediente, um tempero em um enorme coquetel de antibióticos, anticoagulantes, anti-inflamatórios, zinco, etc. Não por outro motivo, os protocolos adotados a nível federal e nos estados, limitava o seu uso.
Mas a ciência era a última das preocupações do grupo, empenhado em criar um personagens de história em quadrinhos. Daí, sobreveio a necessidade de também ampliar o marketing do mal com um coquetel suplementar de maldades virtuais. Era preciso criar “lado” para a cloroquina e, portanto, era necessário criar “vilões” e “heróis” – contra e a favor da cloroquina.
A cloroquina passou a usar braçadeira e a quarentena tornou-se um método comunista… e a difamação passou a correr solta nas redes sociais – tornando os imbecis ainda mais idiotas e ousados nos diálogos agressivos em grupos de discussão.
Posto isso, o gabinete do ódio tratou, nas últimas duas semanas, de metralhar e moer reputações de ministros, médicos, cientistas, prefeitos, governadores, deputados, jornalistas, etc… Sempre opondo todos à salvação, preconizada pela cloroquina, aposta no cenário alucinógeno como uma miragem para a volta ao trabalho e a recuperação econômica.
Mas tudo tem limite. Nesse caso, a corda puxada pela troupe de bermudão… está esticada demais e pode se romper. De fato, por maior que seja a manipulação, não cabe tamanha simplicidade de raciocínio em algo tão complexo como é o combate á pandemia.
O resultado é que a estratégia de manipulação não gerou o personagem super-herói de histórias em quadrinhos. O que deveria ser a redenção do Capitão Cloroquina, tornou-se uma imensa poluição de bobagens nas redes sociais, gerando profunda cisão até mesmo entre apoiadores do governo e verdadeiros defensores técnicos da própria substância.
O desgaste parece ser maior que o benefício.
A poluição causada nas redes sociais tornou-se facilmente identificável. A origem das maledicências parece estar colada na figura do presidente e a futilidade da manobra politiqueira, bem como o comportamento leviano adotado, inclusive do líder – que alterna pronunciamentos oficiais neutros com performances que incentivam à desobediência civil.
O risco parece óbvio: na hipótese de um acirramento do combate à pandemia, toda essa manobra poderá custar muito caro ao governo Bolsonaro.
O risco assumido é muito grave. Nessa pantomima alucinógena, nosso presidente pode trombar feio com a dura realidade e arriscar a governabilidade do país.
De uma forma ou outra, a deslealdade, a tibieza, a mesquinhez, a leviandade e a ignorância, não se prestam a legitimar uma liderança em tempos de crise. Isso, o senso comum do povo identifica e não perdoa.
O grupo de “gênios” ao qual nosso presidente costuma dar ouvidos, não irá salvar o palácio da cólera pós coronavírus. Pelo contrário, está conduzindo o Planalto para um labirinto lotado de armadilhas e impasses, e isso parece já estar sendo observado pelo gabinete real, oficial, que não veste bermudão e que combateu a verdadeira turma das braçadeiras – a que de fato vestia Hugo Boss, tempos atrás…
Esse grupo atiça um traço de desconfiança complexo do líder, estimula desavenças, expõe ministros, afasta aliados, prejudica acordos e alianças, atrapalha articulações importantes, provoca incidentes diplomáticos e destrói reputações. Nada faz de bom pelo regime, pela república, pelo Brasil.
Há, portanto, que se por um fim a esse vírus. Não o coronavírus, mas o “gabinete do ódio”, inoculado na assessoria do presidente, no Palácio do Planalto.
Essa profilaxia se fará pelo bem do governo e do Brasil.
*Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e Vice-Presidente da Associação Paulista de Imprensa – API. É Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View”. Foi integrante da equipe que elaborou o plano de transição da gestão ambiental para o governo Bolsonaro.
Fonte: The Eagle View
Publicação Ambiente Legal, 12/04/2020
Edição: Ana A. Alencar