Usado há mais de 50 anos em países como França, Alemanha, Espanha e Estados Unidos, este instrumento é comprovadamente o mais poderoso para a gestão racional dos recursos hídricos.
Por Paulo Bezerril Júnior
No dia 30 de dezembro de 2005 foi publicada a Lei nº.12.183, que dispõe sobre a cobrança pela utilização dos recursos hídricos de domínio do Estado de São Paulo.
Essa lei, que tramitou por mais de sete anos na Assembléia Legislativa, chega com um atraso de 14 anos. Na teoria, a cobrança foi tornada obrigatória pelo art. 211 da Carta Magna Paulista de 1989, além de reiterada explicitamente no art. 14 da Lei nº. 7.663, de 30 de dezembro de 1991, que criou a Política Estadual de Recursos Hídricos, bem como o Sistema Integrado de Gerenciamento de Recursos Hídricos.
O Estado de São Paulo foi o pioneiro no Brasil no que se refere à edição de moderna legislação sobre recursos hídricos, inclusive serviu de modelo para o governo federal e a maioria dos estados brasileiros. Em razão de não ter implantado a cobrança pelo uso de suas águas, permitiu que esses entes tomassem a dianteira no processo. O Estado do Ceará cobra o uso de suas águas, por decreto, desde 1996. A União iniciou a cobrança em 2003, pela bacia do rio Paraíba do Sul e, a partir de 2006, será a vez da bacia dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí.
A cobrança pelo uso dos recursos hídricos, que é feita há mais de 50 anos em paises do Primeiro Mundo como a França, Alemanha, Espanha e os Estados Unidos da América, tem comprovado ser o instrumento mais poderoso para a gestão racional das águas. Infelizmente, na história da civilização, uma das restrições que realmente funciona é a imposta pelo preço. Portanto, o grande atraso na implantação da cobrança em São Paulo certamente trouxe diversos e amplos prejuízos de difícil mensuração, porém, reais.
A legislação tem como base o princípio do “usuário-pagador”. Cobrará não o valor material da água como bem econômico, mas o direito da sua utilização. Desta forma, objetiva fomentar a racionalização do uso, a conservação e a recuperação dos recursos hídricos, viabilizando a gestão e o planejamento dos mesmos por meio de mecanismos econômicos e financeiros. Os critérios da cobrança são:
Quem paga? Todos os usuários urbanos, industriais e rurais que utilizarem as águas superficiais ou subterrâneas de domínio do Estado de São Paulo. Está isenta de cobrança a utilização destinada às necessidades domésticas de propriedades e de pequenos núcleos populacionais distribuídos no meio rural, bem como os usuários finais residenciais que comprovem seu estado de baixa renda.
Pelo que se paga? Os volumes captados ou extraídos, bem como as cargas de poluentes dos efluentes lançados. Terão influência na quantia devida: o volume consumido, a disponibilidade hídrica local, a natureza do corpo de água (superficial ou subterrâneo), a finalidade a que se destina, a classe de uso preponderante em que estiver enquadrado o corpo de água no local de captação e/ou de lançamento, a sazonalidade do consumo, as práticas e o manejo do solo e da água, o tratamento dado aos efluentes lançados e, finalmente, a natureza da atividade do usuário. Os Comitês de Bacias poderão propor diferenciação dos valores a serem cobrados de acordo com as peculiaridades das respectivas unidades hidrográficas.
Quanto se paga? O valor máximo pela captação ou extração está limitado a 0,001078 UFESP (R$ 13,30 em dezembro de 2005 por metro cúbico). Tomando-se como exemplo uma indústria com consumo médio de 3.000 metros cúbicos por mês, o acréscimo em sua conta de água será de, no máximo, R$ 43,00. Os valores a serem cobrados pelas cargas poluidoras nos efluentes lançados nos corpos de água poderão chegar ao triplo do cobrado pela captação, isto é, 0,003234 UFESP ou R$ 0,0430122. É importante destacar que mesmo que o usuário pague o valor máximo pelo lançamento, isso não o desobrigará de atender os padrões de controle de poluição de lançamento estabelecidos pela legislação ambiental vigente. O produto da cobrança será vinculado às bacias hidrográficas em que for arrecadado e será aplicado nas ações, obras e serviços voltados para a racionalização, recuperação e conservação dos recursos hídricos definidos nos Planos de Recursos Hídricos, aprovados pelo Conselho Estadual de Recursos Hídricos e pelos respectivos Comitês de Bacias. Até 10% do total arrecadado poderá ser aplicado em despesas de custeio e pessoal do Sistema Integrado de Gerenciamento. A cobrança do preço público pelo uso da água será realizada pelas agências de bacias ou, em sua ausência, pela entidade responsável pela outorga do direito de uso na bacia hidrográfica. O valor arrecadado será creditado na sub-conta do Fundo Estadual de Recursos Hídricos (FEHIDRO).
A data para começar a cobrança dos usuários urbanos e industriais terá início após a regulamentação da lei que se fará no prazo de 180 dias da sua publicação, isto é, a partir de 1o. de julho deste ano. Para os demais usuários (por exemplo, irrigação) somente em 1o. de janeiro de 2010.
As sanções previstas são para inadimplência e informação falsa de dados relativos aos parâmetros para o cálculo da cobrança. Essas duas ocorrências, além das sanções penais, acarretarão a suspensão ou a perda do direito de uso, a critério do outorgante, na forma a ser definida em regulamento. O inadimplente arcará com o pagamento de multa de 2% sobre o valor do débito acrescido de juros moratórios de 1% ao mês. A sanção para a informação falsa será o pagamento do valor atualizado do débito apurado, acrescido de multa de 10% sobre seu valor, dobrada a cada reincidência. Caberá recurso à autoridade competente.
Os dispositivos relevantes da lei paulista que merecem ser ressaltados são: O aumento do poder decisório das entidades da sociedade civil, notadamente as representativas de usuários pagantes de recursos hídricos, no âmbito das deliberações do Conselho Estadual de Recursos Hídricos e dos Comitês de Bacia. Tais entidades terão maior peso – 40% nas votações relativas à fixação dos limites, das condicionantes e dos valores da cobrança;
A fiscalização e o acompanhamento da aplicação dos recursos cobrados em cada um dos Comitês de Bacia serão feitos por comissão designada pela Assembléia Legislativa;
Serão adotados mecanismos de compensação e incentivos para os usuários que devolverem a água em qualidade superior àquela determinada em legislação e normas regulamentares;
O Comitê da Bacia Hidrográfica do Alto Tietê deverá destinar, pelo período de 10 anos, no mínimo 50% dos recursos oriundos da cobrança para investimentos em conservação, proteção e recuperação das áreas de mananciais que atendam à sua área de atuação.
A cobrança pelo uso dos recursos hídricos para atender às necessidades de operadoras públicas e privadas de serviços de saneamento (abastecimento de água e tratamento de esgoto sanitário), será de 50% do valor cobrado dos demais usuários, até dezembro de 2009, mediante comprovação da realização de investimentos com recursos próprios ou financiamentos onerosos, em estudos, projetos e obras destinados ao afastamento de esgotos (exceto redes) e tratamento dos mesmos. De acordo com esse dispositivo, um usuário urbano residencial que consome 30 metros cúbicos de água por mês terá acrescido em sua conta de água o valor máximo de R$ 0,22.
A lei paulistana, que vem completar os instrumentos necessários para o efetivo desenvolvimento da Política e do Sistema Integrado de Gerenciamento dos Recursos Hídricos, permitirá ao Poder Público, com a imprescindível participação da sociedade civil, a criação de mecanismos capazes de garantir o uso da água em quantidade e com padrões de qualidade satisfatórios para as atuais e futuras gerações do Estado de São Paulo.
Paulo Bezerril Júnior é engenheiro civil e sanitarista e mestre em Saúde Pública. Na década de 1990, em sua passagem pela CETESB, coordenou um grupo de trabalho que elaborou a minuta do projeto de lei da cobrança pelo uso da água em São Paulo. Foi superintendente do DAEE e presidiu a Associação Brasileira de Engenharia Sanitária.