Ambientalista alerta para atraso na implantação: “nesse ritmo, o código estará plenamente implementado em 60 anos, tarde demais para as florestas”
Por Oscar Valporto*
Quando o novo Código Florestal (Lei 12.651/12) foi sancionado em 2012, ambientalistas protestaram porque a nova legislação reduzia a proteção às florestas em comparação com o código de 1965, válido até então. Mas novos dispositivos estabelecidos no Código Florestal traziam a esperança que sua implantação conseguisse efetivamente reduzir e controlar o desmatamento. “Em 10 anos, foi dado apenas o primeiro passo dos seis passos necessários para implantação do Código Florestal; nesse ritmo, o código estará plenamente implantado em 60 anos, tarde demais para as florestas”, afirma a secretária-executiva do Observatório do Código Florestal, Roberta del Giudice.
O observatório – uma rede formada por 39 instituições – foi criado, em 2013, exatamente para monitorar a implantação da Lei 12.651, sancionada em 25 de maio de 2012, com a intenção de gerar dados, promover discussões e propor ações para potencializar aspectos positivos, mitigar os negativos e evitar novos retrocessos. “É preciso dar um sinal que o Código Florestal será implementado”, alerta a Dal Giudice, que concedeu esta entrevista ao #Colabora às vésperas do evento Código Florestal +10, evento que busca marcar os dez anos da edição da lei de proteção da vegetação nativa do Brasil, através de debates, reuniões, workshops e oficinas a partir desta segunda (23/05) até o dia 2 de junho.
Colabora – O que efetivamente avançou no país com estes 10 anos de Código Florestal?
Roberta Dal Giudice – Acho que o mais avançou foi o conhecimento que a gente tem. O Cadastro Ambiental Rural trouxe informação efetiva sobre o meio ambiente rural no Brasil. Hoje a gente consegue ver os grandes déficits e a também os excedentes de reserva legal. O CAR é uma ferramenta de geopolítica para formação de política pública excelente. E não só o CAR foi um avanço; a gente tem hoje à disposição ferramentas privadas, da sociedade civil, temos o MapBiomas, que é um termômetro do Código Florestal e permite análise de campo. Temos mais transparência também nos dados da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), que permite saber de onde vem a safra. Podemos usar essas ferramentas, que avançaram muito nesses 10 anos, para ajudar na implantação do código, para a justiça social no campo, melhoria até do escoamento de safra, melhoria das políticas públicas no meio ambiente rural como um todo. Esse foi o grande avanço nesses 10 anos: a produção de todo esse conhecimento. Agora, nós precisamos passar para o próximo passo que é a implementação do Código Florestal.
E quais as medidas mais urgentes para implementação do código? Quais os próximos passos?
Nós temos inúmeros gargalos para a implementação do Código Florestal. O código tem um passo a passo para sua implementação. A gente ainda está começando o segundo passo – e são, pelo seis, para a completa implementação. Esse segundo passo é a validação dos cadastros ambientais rurais. Nós tivemos um povoamento da base, com o cadastramento de 6 milhões de imóveis rurais, mas essa inscrição foi feita de forma declaratória. O segundo passo é a validação, a análise desse cadastro, a verificação das informações.
E essa validação está sendo feita?
Muito, mas muito lentamente. Só 0,4% dos imóveis foram validados – os dados cadastrados foram confirmados e eles estão de acordo com o Código Florestal. Mas a falta de transparência dos registro do CAR não permite que a gente verifique o que foi feito para o imóvel ser considerado validado. A gente não sabe o que é analisado. Não tem uma portaria, uma regulamentação que diga que o cadastro está validado porque foi analisado se tem área de preservação permanente, se tem reserva legal, se tem excedente de vegetação. A gente tem apenas um boletim do próprio CAR sobre a validação. Não há transparência.
Com esse índice de validação de 0,4% (dado do próprio Serviço Florestal Brasileiro, de 2021), como enfrentar os gargalos seguintes?
Nós temos seis passos para chegar à implementação do Código Florestal. Nós estamos começando o segundo passo. Nesse ritmo, se a gente levar mais 10 anos para dar esse segundo passo, da validação, a gente vai levar 60 anos para a implementação completa. Isso não pode acontecer, vai ser tarde demais para as florestas. O primeiro passo foi dado sem planejamento. Para dar este segundo passo, é preciso planejamento: priorizar áreas que tenham impacto ambiental mais positivo, ter indicadores de implementação e validação, estabelecer ações estratégicas. A gente precisa caminhar de um forma muito mais eficiente nesta implementação. Mas aí nós temos o gargalo macro que é a vontade política para que o Código Florestal funcione, para que ela seja eficientemente implantado no campo.
Antes de falarmos desse macro gargalo: quais são esses seis passos básicos para implementação do Código Florestal?
O passo seguinte – o terceiro, depois da validação de todos os imóveis – é o Programa de Regularização Ambiental, feito através de termos de compromisso dos proprietários de imóveis. Esses termos estabelecem como o código será cumprido naquela propriedade, como a área de preservação será recuperada, como a perda de vegetação será compensada. Depois, o quarto passo é a implementação efetiva desses termos no campo, com acompanhamento. O quinto passo é o monitoramento e fiscalização desses termos de compromisso, com punição para quem não está cumprindo os compromisso. Finalmente, com o monitoramento e a fiscalização, o último passo seria a conversão das multas de quem descumpre o Código Florestal em serviços ambientais.
Qual foi o impacto da transferência do Serviço Florestal, órgão responsável pela implementação do código, do Ministério do Meio Ambiente para o Ministério da Agricultura?
Em primeiro lugar, passa um sinal, uma imagem muito ruim de que o ambiente, a floresta, é menos importante que a produção agrícola. O Código Florestal é gestão ambiental, não gestão da produção agrícola. Mas eu não vejo que tenha maior importância a localização da gestão do SICAR. O problema é a eficiência, eficiência na implantação, eficiência no planejamento, eficiência e transparência nos dados do CAR. Esses são os principais problemas hoje na gestão do Sicar (Sistema Nacional de Cadatro Ambiental).
E o que precisaria ser feito para melhor na eficiência e avançar na implementação?
O principal é dar um sinal que o Código Florestal será implementado, que serão tomadas medidas para isso: um sinal político. Se não são criadas políticas para a proteção florestal, está sendo dado um sinal de que a lei não precisa ser cumprida. Nós tivemos no período mais recente sinais muito negativos em relação ao Código Florestal. A gente tem um Executivo que não age, que não promove a implantação efetiva da lei; a gente tem um Congresso Nacional com inúmeros projetos que alteram e enfraquecem o código, a maioria com objetivo de reduzir a proteção; e a gente teve o reconhecimento da constitucionalidade, pelo STF, dos dispositivos da própria lei de criação do código que reduziam a proteção, o que abre caminho para novos retrocessos legislativos.
Esse retrocesso é uma ameaça real?
Definitivamente, são muitos os projetos que ameaçam o Código Florestal. O que acontece hoje é quem a gente tem um monte de projetos de lei em tramitação para obrigar a redução da proteção prevista pelo Código Florestal, para reduzir as áreas de preservação permanente ainda mais, para reduzir a reserva legal. Eles se aproveitam desse entendimento do STF, mas creio que agora as decisões do Supremo serão para garantir o cumprimento da lei julgada constitucional.
Qual o reflexo na área rural das ações em Brasília?
Esses recados do governo federal, de não colocar nenhuma ênfase na implementação da lei, e do Congresso, de discutir muitas propostas de alteração para reduzir a proteção, geram um entendimento no campo que o Código Florestal é uma lei que não precisa ser cumprida. ‘Por que vou cumprir uma lei que não está sendo implementada?’ ‘São 10 anos de uma lei que está só papel’. Esse é o sinal que vem do Executivo e do Legislativo. A gente precisa mudar esse cenário. E o primeiro passo para isso é estabelecer uma política eficiente para a implementação da lei, com planejamento e metas, com os módulos eletrônicos necessários para implementar o código, com a validação real do CAR.
*Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Está de volta ao Rio após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. É criador da página no Facebook #RioéRua, onde publica crônicas sobre suas andanças pela cidade.
Fonte: Projeto Colabora
Publicação Ambiente Legal, 25/05/2022
Edição: Ana Alves Alencar
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