Nesses dez anos em que ainda se discute a falta de obediência ao Código Florestal, não cessou o registro de números horrorosos de destruição de florestas
Por Marcus Eduardo de Oliveira* e Mário Mantovani**
Nos dias de hoje, fica cada vez mais claro – ao menos para os atores sociais que conseguem perceber com suficiente clareza o nível de desajuste planetário (crise civilizatória) que atingimos – que agregar valores de sustentabilidade é absolutamente central na tomada de decisão das empresas e na elaboração de acordos comerciais, por exemplo.
No cenário internacional, é dado como certo que o País que consegue implementar uma legislação ambiental mais rigorosa logo se destaca e sai na frente na sempre necessária transformação da sociedade em suas dimensões políticas e ambientais. Franca e abertamente, há razões de sobra para dizer aqui que essa é a pauta que define as coisas no mundo dos negócios. E é justamente nessa direção que precisamos avançar.
Criado para estabelecer as áreas de proteção em imóveis rurais, Áreas de Preservação Permanente (APPs), de Reservas Legais (RL – na Amazônia, p. ex., é preciso conservar 80% da vegetação) e de Áreas de Uso Restrito (AUR), o Código Florestal, CF – na verdade, a Lei de Proteção da Vegetação Nativa 12.651, de 25 de maio de 2012 -, uma década depois de aprovado pelo Congresso Nacional, ainda não foi cumprido e há muito por fazer.
Balanço feito, dez anos depois, num cenário desfavorável à agenda ambiental, resta pouca coisa para comemorar. A fiscalização é morosa e os passos (na direção de consolidar as regras de proteção da vegetação em áreas particulares, reconhecendo as áreas consolidadas para regularização dos imóveis rurais, objetivo-chave do CF) são demasiadamente lentos. Falta vontade política, tanto quanto falta mobilização social.
Em outras palavras e em termos gerais, a perceptiva lentidão na implementação do Novo Código Florestal – a nosso ver quase que de forma deliberada – pelo Governo Federal em conluio com a Bancada Ruralista no Congresso Nacional, agravada pela falta de transparência (vide a capacidade de verificação daquilo que está cadastrado, atrapalhando o Programa de Regularização Ambiental, PRA), ajuda a criar um cenário de elevado risco e muita insegurança para o investidor, dois fatores contrários ao razoável equilíbrio socioambiental de qualquer sociedade.
Dito isso, vamos aos fatos. A Comissão de Meio Ambiente (CMA) do Senado aprovou o relatório de avaliação de política pública de Regularização Fundiária no último dia 2 de novembro, com foco nos impactos ambientais gerados pela grilagem na Amazônia Legal. Ali avaliou-se a Implementação do CAR, apontando que tem sido utilizado como um corta caminho para legitimar a grilagem em terras públicas em todo país, com destaque para o arco do desmatamento nas franjas da Amazônia; e mesmo sendo um instrumento muito utilizado pelos Governos do Pará e Mato Grosso, não lograram sucesso com esse instrumento de monitoramento e regularização ambiental dos imóveis rurais. “Por isso, a ligação entre a grilagem marcada pelo CAR e a retirada da floresta como meio de comprovar a posse sobre a terra, sem nenhum interesse imediato na produção ou no aproveitamento adequado da área, é um dos principais impulsionadores do desmatamento. Cerca de 66% dos casos ocorreram dentro do perímetro declarado ilegalmente como particular, segundo o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia”, assim destaca o documento lido na ocasião pelo presidente da Comissão de Meio ambiente.
No cenário internacional, é dado como certo que o País que consegue implementar uma legislação ambiental mais rigorosa logo se destaca e sai na frente na sempre necessária transformação da sociedade em suas dimensões políticas e ambientais. Franca e abertamente, há razões de sobra para dizer aqui que essa é a pauta que define as coisas no mundo dos negócios. E é justamente nessa direção que precisamos avançar.
Criado para estabelecer as áreas de proteção em imóveis rurais, Áreas de Preservação Permanente (APPs), de Reservas Legais (RL – na Amazônia, p. ex., é preciso conservar 80% da vegetação) e de Áreas de Uso Restrito (AUR), o Código Florestal, CF – na verdade, a Lei de Proteção da Vegetação Nativa 12.651, de 25 de maio de 2012 -, uma década depois de aprovado pelo Congresso Nacional, ainda não foi cumprido e há muito por fazer.
Balanço feito, dez anos depois, num cenário desfavorável à agenda ambiental, resta pouca coisa para comemorar. A fiscalização é morosa e os passos (na direção de consolidar as regras de proteção da vegetação em áreas particulares, reconhecendo as áreas consolidadas para regularização dos imóveis rurais, objetivo-chave do CF) são demasiadamente lentos. Falta vontade política, tanto quanto falta mobilização social.
Em outras palavras e em termos gerais, a perceptiva lentidão na implementação do Novo Código Florestal – a nosso ver quase que de forma deliberada – pelo Governo Federal em conluio com a Bancada Ruralista no Congresso Nacional, agravada pela falta de transparência (vide a capacidade de verificação daquilo que está cadastrado, atrapalhando o Programa de Regularização Ambiental, PRA), ajuda a criar um cenário de elevado risco e muita insegurança para o investidor, dois fatores contrários ao razoável equilíbrio socioambiental de qualquer sociedade.
Dito isso, vamos aos fatos. A Comissão de Meio Ambiente (CMA) do Senado aprovou o relatório de avaliação de política pública de Regularização Fundiária no último dia 2 de novembro, com foco nos impactos ambientais gerados pela grilagem na Amazônia Legal. Ali avaliou-se a Implementação do CAR, apontando que tem sido utilizado como um corta caminho para legitimar a grilagem em terras públicas em todo país, com destaque para o arco do desmatamento nas franjas da Amazônia; e mesmo sendo um instrumento muito utilizado pelos Governos do Pará e Mato Grosso, não lograram sucesso com esse instrumento de monitoramento e regularização ambiental dos imóveis rurais. “Por isso, a ligação entre a grilagem marcada pelo CAR e a retirada da floresta como meio de comprovar a posse sobre a terra, sem nenhum interesse imediato na produção ou no aproveitamento adequado da área, é um dos principais impulsionadores do desmatamento. Cerca de 66% dos casos ocorreram dentro do perímetro declarado ilegalmente como particular, segundo o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia”, assim destaca o documento lido na ocasião pelo presidente da Comissão de Meio ambiente.
Decorrido todo esse tempo desde sua criação, de acordo com o relatório da CMA, denúncias apontam que o Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural tem recebido registros sobrepostos de propriedades ilegais em terras públicas destinadas e não destinadas. Trata-se, no mais das vezes, de registros sobrepostos a Florestas Públicas Não-Destinadas (FPND), Terras Indígenas (TI) e Unidades de Conservação (UC) que não poderiam ser aceitos no sistema como propriedade privada ou mesmo posse legítima; portanto, com direito de registro no CAR.
Indo direto ao ponto crítico: não avançar na regularização ambiental das propriedades rurais (por conta de travas de gestão) resulta favorecer o desmatamento ilegal, um de nossos reconhecidos dramas. Da mesma forma, não avançar na remuneração pelos serviços ambientais, outro ponto bastante vulnerável, dificulta manter os benefícios (recuperação da cobertura vegetal, combate à fragmentação de habitats e assim por diante) que os ecossistemas desempenham para os seres humanos.
Colocado às claras, vamos aos números com mais detalhes: do total de 6 milhões de imóveis cadastrados, apenas 29 mil – ou 0,4%, (2% da área) – foram analisados com sucesso, informa o Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural. Todavia, até agora, nenhum estado brasileiro superou a marca de 4% dos cadastros validados. Logo, não é exagerado afirmar pontualmente que o sistema funciona de forma irregular. Se, de um lado, São Paulo, Pará e Mato Grosso avançam no método e na forma de análise, Alagoas e Sergipe, do outro, sequer regulamentaram o Programa de Regularização Ambiental. Por conseguinte, esses números escandalosamente baixos não permitem qualquer sinal de comemoração. Sendo rigoroso na análise, foram poucos os avanços, ainda que, hoje em dia, se saiba como o meio rural brasileiro está ocupado, qual o seu tamanho, onde estão as áreas degradadas e as que ainda estão conservadas.
Mas parece mesmo que o Sistema está sendo usado para garantir que as questões fundiárias tornem o problema ambiental brasileiro maior ainda, uma vez que não deixa de garantir, guardadas as proporções, as mesmas regras das oligarquias rurais e, quem sabe, capitanias hereditárias e sesmarias, com concentração de terras e exclusão social, senão vejam: grosso modo, mais de 80% das propriedades rurais detém 20% das terras, enquanto 20% das propriedades rurais tem o inverso, com grande concentração de terras.
Em números gerais, o Brasil tem 860 milhões de km2, sendo 60 milhões km2 para agricultura e 200 milhões km2 para a pecuária, e declarados mais de 560 milhões km2 em áreas com propriedades privadas, sendo 300 milhões km2 sem produção declarada, apenas para ocupação e especulação, base para os crimes fundiários. Decerto, isso torna a situação ainda mais perversa, afinal, grandes proprietários são irrigados pelo crédito agrícola como justificativa para garantir o agroexportador e superávit primário.
Nessa mesma direção, não podemos deixar de destacar ainda as agressões do grupo de ruralistas que ajudou a promover esse Código Florestal com o claro desejo de se desobrigar dos compromissos com a proteção do meio ambiente, como se não tivesse obrigação constitucional com a presente e às futuras gerações, e nem mesmo com o equilíbrio essencial à qualidade de vida e bem-estar das populações, deixando de lado o principal, a Função Social da Terra.
De qualquer maneira, que fique claro: todos temos obrigações nas propriedades urbanas, com áreas institucionais e proteção nos loteamentos, recuos nas construções urbanas, calçadas, arruamentos e etc. E uma vez apontado isso, fica a pergunta: nesse particular, como poderiam os proprietários rurais se desobrigarem desses importantes instrumentos da Reserva Legal e APP´s na proteção do nosso grande patrimônio natural Brasileiro?
Para todos os efeitos, esclareçamos algo mais: ainda sobram “consequências” marcadas pelo inaceitável retrocesso na preservação das florestas devido à anistia (perdão) concedida (especialmente a ruralistas, é claro) a infrações ambientais (leia-se desmatamentos) cometidas até julho de 2008 (com base de valores da época, a estimativa era de até 8 bilhões de reais), o que também faz aumentar – e muito – a sensação de impunidade.
Seja como for, queremos enfatizar o seguinte: nesses dez anos em que ainda se discute a falta de obediência ao CF, não cessou o registro de números horrorosos de destruição de florestas. Serve de exemplo: de 2012 a 2020, 32 mil quilômetros quadrados foram destruídos, o que prontamente exige um modelo de economia de restauração.
E tem mais: não bastasse a lentidão já mencionada, é lugar-comum a forte pressão para alterar radicalmente o conteúdo do CF que, se implantado 100%, tem potencial de conservar mais de 150 milhões de hectares de vegetação nativa. De acordo com pesquisadores do Climate Policy Initiative / Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (CPI/ PUC-Rio), há, atualmente, 56 projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional que pretendem alterar o Código Florestal. Um deles, num total desapego à realidade, defende a retirada do estado de Mato Grosso da Amazônia Legal, o que eliminaria de imediato a necessidade de restauração de 3 milhões de hectares apenas nesse estado.
Resistir e enfrentar esse específico tipo de pressão, bem sabemos, é a ordem do dia. Disso não podemos fugir. Inútil dizer, no entanto, que, o que mais chama a atenção, foi o tempo perdido, dada a justificativa da urgência de se corrigir a insegurança jurídica do Código Florestal de 1965, mesmo sabendo que a Bancada Ruralista queria a todo custo anistia às multas e embargos de áreas referentes ao período final dos anos 1990 e início dos anos 2000, quando o desmatamento estava em níveis estratosféricos.
De qualquer maneira, oportunidades foram perdidas. Por exemplo: agregar valores à produção agropecuária brasileira, agregar a biodiversidade contida na Reserva Legal, da proteção das águas e corredores de conexão florestal, e ainda em relação às áreas de Preservação Permanente, valiosos instrumentos de gestão territorial e ambiental que os outros países agroexportadores não possuem e sequer poderiam ter.
Detalhe: mesmo que em um primeiro momento não tivesse maior valor de prêmio pela agregação desses citados valores, ao longo do tempo, certamente, poderíamos “marcar” a produção agropecuária brasileira como sustentável. Falando em marcas, vale lembrar o outrora Café do Brasil – produto que faz parte da nossa história.
Por fim, traduzindo outros valores essenciais que ajudam a entender o mundo de hoje, estamos convictos que o futuro (ainda a ser escrito) nos perguntará que tipo de atitude fomos capazes de ter diante das causas maiores da Humanidade: a preservação do meio ambiente e a conservação da floresta e da natureza, parceiras inseparáveis da vida.
(*) Marcus Eduardo de Oliveira – Economista e ativista ambiental. Especialista em Política Internacional pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESP, 1995) e mestre em Integração da América Latina pela Universidade de São Paulo (USP, 2005). Autor de Civilização em Desajuste com os Limites Planetários, (ed. CRV, 2018), entre outros. prof.marcuseduardo@bol.com.br
(**) Mário Mantovani – Geógrafo, especialista em recursos hídricos e ambientalista. Um dos responsáveis pela criação da Associação Nacional de Municípios e Meio Ambiente e pela implementação de Consórcios Intermunicipais de Meio Ambiente.
Atualmente exerce a presidência da Fundação para a Conservação e a Produção Florestal do Estado de São Paulo (Fundação Florestal)
in EcoDebate, ISSN 2446-9394
Fonte: ECODEBATE via ANAMMA
Publicação Ambiente Legal, 17/11/2022
Edição: Ana Alves Alencar
As publicações não expressam necessariamente a opinião dessa revista, mas servem para informação e reflexão.