São Paulo, a “selva de concreto”, também é abrigo para centenas de espécies de pássaros
Por Vitor Lillo
Todos os dias, aves de 477 espécies “passeiam” pelos céus de São Paulo. Muito além do periquito-verde (Brotogeres tirica) e do bem-te-vi (Pitangus sulphuratus) são encontradas raridades como a garça-moura (Ardea cocoi), o pavó (Pyroderus scutatus) e o tucano-de-bico-verde (Ramphastos dicolorus), as duas últimas em risco de extinção.
Essas aves podem ser encontradas em vários pontos do município, como os parques do Ibirapuera, do Jaraguá e da Água Branca. Esses são alguns dos locais que mais atraem observadores de aves, sempre munidos de binóculos e gravadores de áudio, como se quisessem provar a adaptabilidade dessas aves a um ambiente tão hostil.
“Algumas aves adquiriram um comportamento diferente”, explica Marco Pizo, do Departamento de Zoologia da Universidade Estadual Paulista (UNESP). “Por exemplo, aves que conseguem abrir saco de lixo, aquelas garrafas antigas de leite, quando as colocavam na porta de casa. Os pardais são ótimos em fazer isso”.
Pouca gente imagina, mas há quase trinta anos o Hospital Veterinário da Universidade de São Paulo (USP) possui um Ambulatório de Aves, que faz 150 atendimentos por mês, além de outras clínicas e hospitais veterinários. Uma prova da convivência difícil entre esses animais e a metrópole.
O bom, o mau e o feio
As cidades, ao contrário do que se imagina, favorece algumas espécies de aves, como por exemplo, a andorinha (Notiochelidon cyanoleuca), ave típica das Américas Central e do Sul, protetora natural das lavouras que se adaptou bem aos ambientes urbanos.
Medindo não mais que 13 centímetros, de corpo roliço com plumagem azul-marinho e branca, além do bico pontiagudo – ideal para caçar insetos – as andorinhas são “[aves] migratórias que se concentram durante as estações quentes. Por causa também da iluminação urbana, elas estão seguras contra predadores”, explica o professor Pizo.
Os prédios podem servir como base para a construção do seu ninho, geralmente feito de restos de lama e vegetais que são fixados no alto das paredes. A andorinha só leva seus filhotes assim que a nova “casa” estiver segura. As andorinhas também podem ser vistas em postes de luz e no alto das antenas de TV e rádio.
Outro pássaro adaptado ao ambiente urbano é, sem dúvida, o pombo-doméstico (Columba livia), este não tão “bonzinho” assim. A ave adulta mede entre 32 e 37 centímetros de comprimento, em média. A espécie mais comum possui pluma acinzentada e tons metálicos, mas existem também as brancas e as marrons.
Essas aves já eram criadas pelos asiáticos há mais de 5 mil anos. Chegaram à Europa séculos mais tarde, onde foram introduzidas como pombo-correio. Mas “depois deixaram soltos. O certo seria não ter, porque não pode ficar solto”, afirma o especialista Luiz Fernando de Andrade Figueiredo, do Centro de Estudos Ornitológicos (CEO).
A abundância de sementes de árvores frutíferas – muitas delas plantadas para a decoração de vias, além dos grãos de comida – quem nunca atirou uma migalha de pão para um pombo? – e da facilidade que ela possui para se reproduzir foram as principais razões para sua expansão populacional.
Com isso surgiu um grave problema de saúde pública, ganhando a alcunha nada lisonjeira de “ratos voadores”. A razão está nas fezes da ave, que carregam bactérias e parasitas causadores de doenças de pele e até mesmo a toxoplasmose, doença que pode até matar.
Não à toa, os especialistas recomendam não alimentar os pombos e vedar possíveis locais de reprodução, como telhados.
Outro animal que tem causado grande dor de cabeça, ao menos para os habitantes de São Paulo, é o sabiá-laranjeira (Turdus rufiventris). Essa ave, homenageada nos versos de Gonçalves Dias, é pequena, mede entre 17 e 25 centímetros, mas tem um gorjeio potente: 75 decibéis, nível pouco abaixo do barulho do tráfego normal de uma avenida.
Apenas os sabiás machos cantam e por duas razões básicas: demarcação de território e atração da fêmea para o acasalamento (muito comum durante a primavera). Mas o problema dessa ave não está no canto em si, mas sim no horário. “O sabiá cantando às 4h não é normal. Ele só canta quando amanhece o dia, o problema é que a cidade é iluminada o dia todo”, explica Figueiredo.
Urubu-de-cabeça-preta (Coragyps atratus) e carcarás (Caracara plancus) são aves de características bem similares,exceto pelo fato do primeiro ser um abutre e o segundo uma espécie de falcão. Ambas são de grande porte, com tamanhos que vão dos 50 cm de comprimento do carcará, até os 1,60 do urubu, e também são desprovidas de beleza. Mas a principal característica comum delas é o risco que oferecem para aviões e helicópteros.
Dados do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (CENIPA) apontam que, em 2012, foram registradas mais de 1300 colisões entre pássaros e aeronaves, número que equivale a quatro colisões por dia. E isso é fonte de preocupação constante nos dois aeroportos da capital: Congonhas e Guarulhos.
Ainda que nestes dois aeroportos a ocorrência desse tipo de acidente seja rara, a presença dessas aves é frequente. Isso porque elas estão cercadas por bairros residenciais. E bairros residenciais produzem muito lixo e restos de carne, alimento predileto delas.
Procuradas pela reportagem, tanto a Infraero Aeroportos, empresa pública que administra o Aeroporto de Congonhas, quanto a GRU Airport, gestora privada do Aeroporto Internacional de Guarulhos, afirmaram por meio de suas assessorias de imprensa que adotam um planos de manejo para aves, aprovados pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
Esses planos envolvem medidas como instalação de barreiras físicas, como telas, o manejo de corte do gramado e a disposição adequada de resíduos, além de cães, falcões e gaviões treinados, além de armadilhas. Os animais capturados são tratados, quando necessários nos centros de manejo dos aeroportos e, em seguida, encaminhados para instituições e universidades, conforme o caso.
Predadores e protetores
Se a cidade grande é diferente da floresta, o mesmo vale para os predadores dos animais. Em grandes espaços urbanos, as principais ameaças são aves de grande porte como gaviões, fios elétricos, cães e, adivinhe, gatos domésticos. Os felinos parecem dóceis, mas só na aparência.
“Nos Estados Unidos, um bilhão de aves são mortas por ano por aves domésticas. O cachorro é mais lerdo, ele não sabe ficar de tocaia. Já o gato tem aquele comportamento de ficar escondido, de ficar na espreita”, esclarece Luiz Fernando. “Eu até fui checar a informação [do Smithsonian Conservation Biology Institute] para saber se não era um milhão, mas não é”, completa com bom humor.
Outra ameaça aparentemente improvável são os prédios envidraçados. “Isso acontece porque geralmente o vidro fica como um espelho, então o pássaro enxerga aquilo como sendo o céu e vai com toda a velocidade até dar de cara [com o edifício]. Há muitas mortes de aves por esse motivo”, alerta Rodrigo Ferreira da Exoticare, clínica especializada em animais exóticos.
Clínicas e veterinários especializados no tratamento de aves como essa são cada vez mais comuns nesse mercado que já movimenta bilhões de reais ao ano. A semente foi plantada pela USP com seu Serviço de Ambulatório de Aves do Hospital Veterinário da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, criado há 27 anos.
O Ambulatório faz cerca de 150 atendimentos por mês, de aves silvestres ou domésticas com ou sem donos, que dependendo do caso podem ser encaminhados ao Ibama. A parceria com o instituto se estende para o trabalho de registro e identificação da origem dos pássaros recolhidos para combater o tráfico ilegal de animais silvestres.
Ainda que com número inferior ao do Ambulatório de Aves, a clínica Exoticare faz trinta atendimentos por mês. Mas os tipos dos casos são semelhantes. “Os casos principais vão desde fraturas ortopédicas que foram causadas por cães, gatos ou alimentação inadequada”, aponta Ferreira.
Luiz Fernando de Andrade Figueiredo é médico de gente, mas também atua em prol da vida… Dos pássaros. Seu grande trabalho é o Centro de Estudos Ornitológicos (CEO), uma ONG sem fins lucrativos que reúne fãs e pesquisadores de aves. Dentre as inúmeras atividades desenvolvidas pelo instituto está a realização de atividades de observação de pássaros, o bird watching, prática que cresce a cada ano.
“Tem crescido o interesse, principalmente pela fotografia de aves. Às vezes ele nem possui um conhecimento específico do assunto. Ele simplesmente vai até o parque, tira a foto e depois compartilha na internet em busca de mais informações sobre a ave”, relata Figueiredo.
Uma das principais referências para os observadores de pássaros na internet é o portal Wiki Aves, criado com apoio de instituições nacionais e estrangeiras, que visa montar um catálogo de fotos, sons e informações de aves brasileiras coletadas tanto por pesquisadores quanto por observadores comuns.
“Tem gente comum que coloca. Existem registros de espécies novas, para o Estado de São Paulo e até para o Brasil. A pessoa foi viajar, fotografou a ave na beira da praia e quando compartilha, consta como sendo uma espécie ainda não catalogada”, completa Luiz Fernando.
Na cidade de São Paulo, que não tem praia e nem é cercada de florestas, existem – acredite se quiser – cinquenta pontos para a prática do bird watching. Nada que cause espanto em uma metrópole que oferece espaço para quase tudo, e todos.
Serviço
Divisão Técnica de Medicina Veterinária e Manejo da Fauna Silvestre (DEPAVE-3)
Av. IV Centenário, Portão 7A, Parque do Ibirapuera
Segunda a sexta-feira, das 7h às 19h
Telefone/Fax: (11) 3885-6669
E-mail: faunasvma@prefeitura.sp.gov.br
Hospital Veterinário da USP (Atendimento à Aves)*
Av. Prof. Dr. Orlando Marques de Paiva, 87, Cidade Universitária
Segunda a sexta-feira, das 8h às 17h
Telefone/Fax: (11) 3091-7669
*São cobradas tarifas de atendimento