ATIVISMOS” PARA TODO LADO… RELATIVISMO PARA TODOS
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro
DEPOIS DE FAZER MUITO BARULHO POR NADA, o Conselho Nacional do Ministério Público, em longa sessão, resolveu restabelecer o procedimento levado a cabo pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, anteriormente impedido por decisão “liminar” do Conselho, de fazer a oitiva do ex-presidente Lula e sua esposa, Dna. Marisa Letícia, nos autos de investigação sobre o escândalo da BANCOOP.
O Conselheiro Valter Shuenquener de Araújo, que havia proferido a decisão impeditiva, foi literalmente “enquadrado” pelos demais membros no CNMP.
Sem argumentos, voltou atrás e votou a favor de manter a investigação com a participação do promotor de justiça Cassio Conserino.
Com isso, o procedimento do Ministério Público paulista foi validado.
Não poderia ser diferente.
A decisão anterior estava imbuída de puro “ativismo” – doença que atinge os membros da pior judicatura da história do Supremo Tribunal Federal e… pelo visto, está contaminando demais organismos de controle do judiciário, ministério público e, até mesmo, da advocacia…
De fato, atendendo a um pedido esdrúxulo de um deputado do PT, o Conselho Nacional do Ministério Pùblico, na pessoa do conselheiro Araújo, havia suspendido a oitiva do ex-presidente Lula e sua mulher, investigados pelo Ministério Público paulista, com relação ao uso de um apartamento em prédio construído pela BANCOOP.
A alegação era de que um dos promotores que tomariam os depoimentos era de “outra promotoria” e, portanto, se estaria ferindo o “princípio do promotor natural”.
Tamanha bobagem poderia ser ouvida do funcionário ali na esquina… jamais de um membro do conselho do ministério público, pois essa história de “promotor natural” não é princípio, é entendimento absolutamente vinculado ao princípio da independência funcional do promotor – esse sim, um princípio constitucional.
De fato, a unidade e a indivisibilidade são princípios constitucionalmente estabelecidos para o funcionamento do Ministério Público.
De acordo com o princípio da unidade, sempre que um membro do Ministério Público está atuando, qualquer que seja a matéria, o momento e o lugar, sua atuação será legítima se estiver dirigida a alcançar as finalidades da Instituição.
Em outras palavras, todos os membros de um determinado Ministério Público formam parte de um único órgão, sob a direção de um mesmo chefe.
A divisão do Ministério Público em diversos organismos se produz apenas para atender a uma divisão racional do trabalho, porém, todos os promotores atuam guiados pelos mesmos fundamentos e com as mesmas finalidades, constituindo, pois, uma única Instituição.
Pelo princípio da indivisibilidade, quem está presente em qualquer processo é o Ministério Público, ainda que seja por intermédio de um determinado promotor ou procurador de justiça. Por isso, a expressão “representante do Ministério Público” não é tecnicamente adequada – afinal, não há “representação”, há o próprio Ministério.
Esse princípio elimina qualquer subjetividade e permite que os membros da Instituição possam ser substituídos uns por outros no processo. Claro que a substituição não se dá de maneira arbitrária e, sim, nos casos legalmente previstos (promoção, remoção, aposentadoria, processo disciplinar, impedimento expresso na lei, licença, morte, etc.), sem qualquer alteração processual.
Estes princípios são constitucionais, e, portanto, precisam ser interpretados de modo a assegurar efetividade à atuação ministeria – chamada obrigação de resultado.
A unidade e a indivisibilidade, portanto, não podem conduzir a um divórcio com a efetividade do processo. Logo, ao se dar início a ações criminais ou civis públicas particularmente relevantes, faz-se necessário planejar integradamente a atuação ministerial desde a propositura da ação até os futuros recursos nos tribunais superiores – estratégica que revela ser o Ministério Pùblico um organismo, não um ajuntamento aleatório de promotores.
Já o princípio da independência funcional significa que os membros do Ministério Público, no exercício de suas funções, atuarão de modo independente.
Ou seja, no exercício de seu mister, o promotor de justiça atua sem nenhum vínculo de subordinação hierárquica, inclusive em relação à chefia da Instituição. Deverá guiar sua conduta somente pela lei e suas convicções (respaldadas na lei).
De fato, somente no plano administrativo-disciplinar se pode reconhecer subordinação hierárquica dos membros do Ministério Público à Chefia ou aos órgãos de direção superior da Instituição. Jamais no plano funcional, no cumprimento de sua função jurídica. Nesse plano, seus atos estarão submetidos à apreciação judicial – nos casos de abuso de poder e demais hipóteses que possam lesar direitos.
No caso da oitiva do ex-presidente e sua esposa, portanto, pouco importa QUEM do Ministério Público estaria designado para fazer a oitiva – e muito menos competiria ao órgão interno do MP interferir na atividade finalística do promotor em questão.
No entanto, o Conselho Nacional do Ministério Público, que tem se omitido sistematicamente de cumprir com seu papel de controle administrativo da atividade, apareceu no cenário nacional para atropelar o direito constitucional e fazer as vezes de Poder Judiciário: interrompeu um procedimento investigativo por meio de decisão órfã, sem observar quaisquer dos princípios relativos à atividade do promotor.
O manual utilizado pelo digno conselheiro para fundamentar o embróglio, com certeza foi o “Direito Constitucional Para Colorir” – “obra doutrinária” utilizada como “atividade” por vários “ativistas”, próceres do direito nacional, incluso no “Supremo Triturador da República” – também chamado Supremo Tribunal Federal…
No entanto, antes que todos nós voltassemos aos bancos escolares, o Conselho Nacional se redimiu de forma colegiada.
Na alentada sessão, o conselheiro Valter de Araújo, após defender os argumentos que o levaram a conceder a polêmica liminar na semana passada, recuou e admitiu que não pode se imiscuir no caso e que a investigação contra Lula deve ficar com Cassio Conserino. Resignado, ele interrompeu a votação para esclarecer sua posição: “A atuação do requerido e dos demais promotores se deu pautada por atos deste Conselho e, ainda que fundada numa interpretação eventualmente equivocada, eles atuaram com respaldo em atos normativos.”
Menos mal. Com o qual, sem o qual, apesar do qual, tudo permanece tal e qual…
De volta à atividade, espera-se que o Ministério Público Paulista cumpra o seu papel.
Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e da Comissão Nacional de Direito Ambiental do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB. É Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View.
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