Câmara de Comércio Internacional monta um cenário ideal e louvável, mas que não se aplica aos países tomados pela burocracia estatal como o Brasil
Por Paulo Araújo e Antonio Fernando Pinheiro Pedro
O patamar de integração global, alcançado pela atual economia, proporciona ao mercado uma competição agressiva.
Esta agressividade competitiva favorece a concentração de renda na mão de alguns investidores, resultando na desigualdade econômica que se alastra por todo o globo.
Apesar disso, esforços são desenvolvidos por alguns agentes para criar um cenário de inclusão e colaboração em pelo menos um ramo do mercado.
Por mais utópico que possa parecer, é concebível sua aplicação em nações onde a economia não gira em torno do Estado.
A Câmara de Comércio Internacional (“CCI”), entidade que objetiva criar políticas para favorecer e incentivar o comércio nos mais variados setores do mercado, reuniu opiniões de diversos contribuintes e estabeleceu uma série de princípios que, segundo ela, se aplicados, poderão levar a uma mudança na interação dos mais diversos investidores do mercado internacional, no que diz respeito à indústria de tecnologia.
Para que seja criado esse ecossistema inovador no mercado de tecnologia seriam necessários quatro fatores chave: criar confiança para o investidor; treinar trabalhadores capacitados em um ambiente que promova a troca de conhecimentos; mercados abertos para trocas e investimentos; assegurar um sistema de propriedade intelectual adequado para incentivar investimentos em inovações e promover colaboração tecnológica.
Segundo a CCI, para que exista confiança do investidor, no que diz respeito ao mercado financeiro, deve existir diálogo com o governo. É dever do Estado criar normas que proporcionem um mercado que seja ao mesmo tempo estável e que recompense os riscos tomados pelo investidor.
O desenvolvimento tecnológico requer força de trabalho qualificada e troca de conhecimentos.
Novamente o Estado, em parceria com o setor privado, tem por responsabilidade investir em infraestrutura de educação, de modo a fomentar instituições acadêmicas e de pesquisa, e viabilizar a especialização dos trabalhadores. A colaboração e compartilhamento de todo o conhecimento produzido é de suprema vitalidade para que investidores possam aproveitar o potencial regional em locais que encontram dificuldades críticas e que impossibilitam o desenvolvimento local.
A troca de conhecimento, todavia, encontra barreiras como o protecionismo mercantil nacional e as normas de propriedade intelectual, nas palavras da CCI.
Atualmente, governos impõem diversas restrições à entrada de produtos estrangeiros e não tomam medidas adequadas para facilitar a entrada de capital estrangeiro.
Ao invés de criar atrações ao investimento, governos criam normas que deixam o investidor reticente.
Tanto o investidor quanto o governo desfrutariam de mais sucesso com a estruturação de um mercado aberto para a comercialização e para investimentos, sem criar tratamento diferenciado entre bens nacionais ou internacionais, de sorte que a própria contratação com um dado Estado não deveria estabelecer critérios que privilegiassem um parceiro nacional.
As próprias leis de mercado cuidariam de levar investimentos para as áreas de necessidade por conta de barateamento de custos, uma vez que o vácuo de conhecimento e de estrutura viabilizaria a entrada de um investidor.
No que diz respeito a assegurar um sistema de propriedade intelectual que incentive o investimento em inovações e também promova a colaboração tecnológica, a CCI acredita que sistemas de propriedade intelectual, previsíveis e efetivos, com processos e procedimentos céleres e eficientes sejam necessários para incentivar investimentos e permitir a comercialização de ideias.
Embora respeitável, a proposta da CCI não encontra aplicabilidade no mundo fático, principalmente com relação ao Brasil.
Primeiramente, criar confiança para que o investidor possa atuar assumindo riscos é fundamento de qualquer iniciativa. Porém, o Estado brasileiro parece não ter competência para tanto.
O Brasil adota postura de quem parece não se importar com o investidor: não só o regime de direito internacional implantado pelo Brasil complica a aplicação de qualquer tratado, como também nossos governantes se negam a assinar os chamados Bilateral Investment Treaty (“BIT” – tratado de investimento bilateral) – tratados internacionais que visam estabelecer termos e condições para que investidores do setor privado de um país atuem em outro.
Em verdade, o Brasil assinou três BITs, mas com a mudança de governo em 2002 não houve a ratificação de nenhum deles.
Outro fator que causa a não ratificação e assinatura de tais tratados pelo Brasil são as cláusulas que permitem que controvérsias que venham a ocorrer sejam entregues a tribunais que não o local, como tribunais de arbitragem, por exemplo.
Tais cláusulas vão contra princípios adotados por nossa administração pública, em especial os que determinam que conflitos em que exista o “interesse público” tenham de ser conduzidos em cortes brasileiras.
Isso deve a ser alterado com a adoção da arbitragem, em alguns casos, pelo Poder Público. Entretanto o cenário ainda é nebuloso demais para cravar alguma previsão.
Quanto à criação de uma força de trabalho altamente qualificada através de investimentos maciços em educação, o Brasil novamente falha. A “pátria educadora” corta investimentos na educação, quando deveria se espelhar no exemplo dos Tigres Asiáticos, que na década de 1980 operaram uma revolução na educação e atualmente colhem os frutos. Esses países mantêm estabilidade econômica invejável por conta de uma indústria que emprega trabalhadores de grande especialização.
O governo do Brasil cria dificuldades para o investidor, com relação a qualquer tipo de investimento. Não oferece garantias legais, levanta inúmeros obstáculos burocráticos, isso sem entrar no mérito dos diversos casos de corrupção em empresas ligadas à Administração Pública, objetos de investigações e processos judiciários em tribunais estrangeiros.
A CCI parece estar sendo inocente e superficial ao querer criar um mercado de comércio onde exista produção intelectual e industrial em todos os diversos pontos do planeta.
Talvez busque justamente isso: voltar aos princípios básicos que regem o comércio internacional, apontar para a necessidade de resgatar cenários ideais como paradigmas.
No entanto, a idéia poderá ficar apenas no papel, se não se aproveitar a oportunidade da respeitável avaliação e estabelecer parâmetros factíveis de aplicação.
Para o investidor o que compensa é a criação de polos específicos, onde exista uma concentração de intelectuais que criam conhecimento e novas tecnologias; uma concentração de “know how”, para posterior distribuição do conhecimento.
Paulo Araujo é estudante de direito (PUC – SP), membro estagiário do escritórioPinheiro Pedro Advogados
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Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados, Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro da Comissão de Direito Ambiental do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e da Comissão Nacional de Direito Ambiental do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB. Jornalista, é Editor- Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View.
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