Este texto foi escrito em 2001. Repetido em pronunciamento na Câmara Municipal de São Paulo.
Tudo continua na mesma em grande parte da cidade, apesar da expressiva melhoria na qualidade da gestão municipal desde 2004, e em especial, nesta administração Gilberto Kassab.
Todavia, ainda continua com muito vigor o ataque do capital criminoso que financia esta atividade contra as autoridades que decidem enfrentá-los. E o que é mais triste, com a cumplicidade de um Judiciário que, ingenuamente, aceita os sofismas de sempre das quadrilhas organizadas sob a bandeira do desemprego e do “ deixe-nos trabalhar, temos família para sustentar….”.
Comércio de Rua:
DES ECONOMIA
DES EMPREGO
DES URBANIZAÇÃO
DES EDUCAÇÃO
IN SEGURANÇA PÚBLICA
Por Edison Farah*
Os camelôs exercem uma atividade privada sobre o espaço público, prejudicando todos que o utilizam e servindo de modelo e pretexto para outras formas de violação desse espaço. Nesse e em outros sentidos (p. ex., por não recolher impostos), eles exercem uma “pedagogia negativa”, à medida que são tolerados e até adulados pelo poder público em nome da sua carência.
O comércio informal – na escala monstruosa em que é praticado em São Paulo – tem, na chamada economia do crime ou criminal (tráfico de drogas, contrabando, carga roubada, etc..), o seu aliado preferencial, a ponto de, hoje, se constituírem numa só unidade. Além disso, esse comércio reproduz, de forma exacerbada, as relações de exploração do trabalho que se enxerga no capitalismo mais arcaico.
Em estreita associação com a economia do crime, a sonegação de impostos, a ocupação abusiva dos espaços públicos e o suborno, o comércio dos camelôs configura uma nova categoria social que é:
- parasitária, porque não contribui para o tesouro público e se instala no espaço público;
- predatória, por arruinar logradouros, equipamentos urbanos e a economia formal;
- geradora de violência, por sua natureza intrinsecamente deletéria e não solidária, e pela pressão sobre os transeuntes, moradores e comerciantes;
- mantenedora e protetora do crime, por impedir a livre movimentação das polícias, por servir de escoadouro ao contrabando, à carga roubada, à pirataria de marcas, grifes, “CD’s”, etc., etc., e tráfico de drogas inclusive;
- deseducadora, pois a aceitação desse conjunto de ilícitos como “inevitáveis”, fomenta e incentiva a criação de gerações inteiras de não-cidadãos, formados na filosofia da “pilantragem”, infensos à obediência das leis, causando portanto, a ruptura definitiva da governabilidade;
- causadora de desemprego em larga escala, pois destrói, pelo contrabando, nossa pequena e média indústria, mormente nos ramos têxteis, brinquedos, calçados, eletro-eletrônico, etc. As autoridades federais e estaduais que permitem este contrabando escancarado cometem crime de lesa-pátria. O lixo da Ásia, vendido em nossas ruas, dá emprego lá. E gera fome aqui!
Da mesma forma que os traficantes, a “classe” subsiste do e pelo crime, se agiganta e aos poucos substitui a cidade urbanizada e formal.
A incúria das autoridades e sua leniência – ou cumplicidade – com estas atividades ilegais e danosas para nosso povo e nossa economia levaram à saturação de diversas áreas, especialmente na região central, numa verdadeira sublevação da ordem, transformando-as em “mercados persas”, onde as autoridades não têm nem mesmo espaço físico para exercer o poder de polícia, ou o controle militar da área e suas cercanias. A rotina da cidade é caótica, e como tal, inadministrável, ideal para a prevalência do comportamento delinquente.
As propostas de regulamentação do comércio dos camelôs patrocinadas por vereadores acenam aos mesmos com um horizonte sem nuvens carregadas, como se esse comércio fosse autossustentável e compatível com a cidade e a economia formal. Todavia a atividade dos camelôs é profundamente desagregadora e não solidária, contaminando as demais maneiras de se relacionar com os outros e com a cidade.
Burla ainda as relações de consumo da população de baixa renda, tornando letra morta os Códigos de Defesa do Consumidor, na medida em que perpetua um modo primitivo, medieval, de relação comercial onde não há identificação cliente-vendedor-fornecedor.
Como consequência, cria-se uma categoria social que, da mesma forma que os traficantes, subsistem pelo crime. Estrutural e operacionalmente gerido pelo gangsterismo internacional e suas regras, gangsterismo este que envolve e corrompe, de um lado, autoridades: de fiscais a policiais, de ministros a magistrados; de outro e pior, submete e mantém a seu serviço contingente expressivo da população que nela entra iludida ou por desespero, pensando vir e se instalar “por conta própria”. Nova forma de escravidão, com o nome de “consignação”. O pretenso microempresário mercadeja sob comissão. Quando não presta contas, morre!
Mais uma demonstração de que se trata de crime organizado se vê através do morticínio rotineiro, quase semanal, de seus líderes menores. A cada momento, um mata o outro pelo controle de regiões e mercadorias.
O capitalismo financiador dessas atividades é um só, impessoal, internacional, conjugando todo o ilícito do planeta: armas, tráfico, prostituição, jogo, contrabando, roubo de carga, sequestro, caixa 2. É a economia da escravidão, hoje tão poderosa, na casa dos bilhões de dólares anuais, acima das nações.
A grande capa, o sofisma perfeito, tem sido a exclusão social. E, de fato, esta exclusão leva à existência dos milhões de criaturas que hoje, no planeta, por desinformação, pela crueldade dos gestores da economia mundial, e pela incapacidade de exercerem a cidadania plena, vêm na servidão ao capital criminoso sua única possibilidade de subsistência.
A cidade de São Paulo, através de seu histórico, tem sido quase que só objeto de exploração, como uma prostituta, cujos cafetões tem sido setores do estamento público municipal, estadual e mesmo federal, que têm como cliente o capital predatório e míope, que transforma esta ex-urbe no acampamento de desesperados que é hoje.
É preciso dar um basta definitivo a esta catástrofe, e caberá a esta casa liderar o combate pelo resgate de São Paulo para os seus cidadãos, retomando a verdadeira geração de empregos pelas indústrias e empresas nacionais.
* Edison Farah é economista, foi Juiz do Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo, e é presidente do Conselho de Administração da ONG Bairro Vivo.