Por Ricardo Farah e Gianini Ferreira
“Só nos tornamos homem quando nos superamos”
(Aristóteles)
A partir de nosso contínuo amadurecimento pessoal e experiência profissional, fica cada vez mais claro para nós que a importância em se ter conversas corajosas. Mas afinal, o que são estas conversas? São todas aquelas que precisamos ter com nós mesmos ou com os outros e que por uma série de “razões” sempre adiamos.
Atualmente a sociedade vive a síndrome do “silêncio perturbador”. Podemos encontrar em todo tipo de núcleo social situações veladas, relacionamentos disfuncionais e sofrimento. Encontramos um paradoxo bem contemporâneo: de um lado é possível perceber pessoas com muito barulho interior, levando-as à surdez social e do outro, curiosamente, uma liberdade de expressão que desvirtua as relações. Com o fenômeno das mídias sociais os “fantasmas” são exacerbados. Testemunhamos uma época na qual todos têm opinião sobre tudo, julgam instantaneamente, fazem ataques gratuitos sem freio e são senhores da “verdade”. E é neste momento que a temperança dá lugar à intolerância. Expressar-se sem filtro ou reflexão não tem nada a ver com conversas corajosas.
A evolução humana acontece em ciclos. E hoje, enxergamos que passamos por um ponto de ruptura, onde nossa capacidade de conviver é continuamente testada. O dia-a-dia profissional faz-nos observar um fértil laboratório social corporativo. Por isso, ao conduzir processos de coaching, mentoria e formação de líderes, vemos a urgência e a necessidade em apoiar as pessoas a conduzirem e participarem de conversas corajosas.
Uma conversa corajosa está intimamente ligada à nossa habilidade de nos comunicar. A comunicação é a primeira e mais importante competência para a interação humana. É quando delega-se, fornece-se feedback, faz-se gestão de conflitos, dá-se orientação estratégica e desenvolve-se talentos. A tomada de decisão e as ações correspondentes são bem-sucedidas quando o processo de se comunicar é pensado e desenvolvido considerando três pilares: coragem, realidade e diálogo.
Causa raiz
A causa raiz para falta de conversas corajosas é a má gestão de uma de nossas emoções básicas: o medo.
O medo é fomentado por algumas razões internas e externas: medo de nos machucarmos ao enxergarmos a verdade, medo de perdermos a autoimagem que demorou tanto tempo para ser construída, medo de perdermos a imagem que o outro tem de nós, medo da reação do outro à nossa conversa corajosa, medo da eventual retaliação em caso de poder hierárquico, medo de perdermos amigos, de perdermos relacionamentos e assim por diante. Conversas corajosas tornam-se cada vez mais necessárias para superar “esses fantasmas” que paralisam o processo decisório, atrasam projetos, desmotivam equipes e fazem com que empresas percam oportunidades preciosas ao perderem tempo com relacionamentos velados.
Precisamos ir ao encontro desta causa raiz e dominar as emoções que ela traz. A conversa deve ser movida pela intenção genuína de superar o desconforto que tira a paz de espírito, a franqueza do olhar e acima de tudo nossa capacidade de enxergar a situação com a clareza necessária. Ao não fazer isso, continuaremos a correr o risco de fugirmos de nós mesmos e do outro, entregando assim à própria sorte a missão que nos cabe. Não podemos delegar ao destino, ao tempo, ao outro ou a quem quer que seja, a incumbência de resolver o que está ao nosso alcance por covardia, incompetência emocional e inabilidade em dialogar. É essencial e urgente preparar toda uma geração para esses desafios.
Exemplos de conversas corajosas:
Conversar com determinado colega de trabalho que apresenta comportamento agressivo ou faz comentários preconceituosos;
Dar feedback ao chefe ou ao liderado sobre o comportamento deles;
Desligar colaboradores;
Comunicar que a área será desativada e as pessoas serão alocadas em outras unidades;
Conversar sobre a descontinuidade de um projeto ou produto no mercado;
Conversar com colegas que estão escondendo ou restringindo o acesso à informação;
Reuniões de orçamentos e estabelecimento de metas;
Conversas sobre porque os resultados não estão sendo alcançados;
Dar um parecer desfavorável sobre um projeto, programa ou atividade de outra área;
Reunião gerencial de cortes de orçamento;
Conversas sobre mudanças estratégicas de alto impacto: fusão, aquisição, reestruturação, venda de unidades, demissões coletivas, acordos sindicais;
Implementação de novas políticas e ferramentas;
Desdobramento da estratégia.
A falta de conversas corajosas afeta as relações de negócios, infiltrando-se silenciosamente na cultura organizacional, formando líderes despreparados para a habilidade mais exigida: tomar decisões difíceis. Essas conversas são e serão cada vez mais necessárias para desinibir profissionais em suas vidas profissionais e pessoais, de forma que atuem com um pensamento claro, após reflexões e com foco.
Coragem
Temos que ser muito corajosos para expressar sentimentos e ao mesmo tempo habilidosos o suficiente para direcionar a conversa para um propósito. Uma mente consciente e um coração corajoso fertilizam o terreno da interação humana. Ser verdadeiro na expressão do sentir e amoroso ao ter conversas corajosas consigo e com o outro pode gerar a abertura necessária para encorajar as pessoas a dizerem o que precisa ser dito com afetividade. Equivocado quem lê afetividade como fraqueza. Fraqueza está mais ligada à negação dos sentimentos, substituindo os verdadeiros sentimentos pela “força”. Ser levado a atacar usando esta força traduz-se muitas vezes em covardia. Agressividade é um sério sinal de incompetência emocional.
É sabido que coragem não é ausência de medo. Segundo São Thomás de Aquino, a coragem é a força da alma. Um poder de ação física e moral. Uma causa agente que produz efeito. A coragem nos leva a viver a despeito de mil obstáculos e, paradoxalmente, às vezes a morrer, com a doação de nossa vida. Saímos do medo pela coragem. Não se pode ser valente sem antes sentir medo.
O assunto é amplo e inspirador, mas para os objetivos desta conversa concluímos dando enfoque à aplicação da coragem. Do ponto de vista psicológico ou sociológico, a coragem é verdadeiramente estimável quando se põe, pelo menos em parte, a serviço de outrem ou de uma causa maior. Não podemos valorizar a coragem de alguém egoísta, que usa esta virtude com o reduzido intento de preservar sua própria imagem, vida, cargo ou poder.
Realidade
Ser verdadeiro não significa ser o dono da verdade, mas estar bem consciente de que em determinada situação aquilo traduz uma realidade na qual eu vivo ou o outro vive. Ao querer afirmar a “minha” verdade perante o outro, inevitavelmente negarei a verdade do “outro” e isto por si só́ gerará conflito.
Autoconhecimento é a premissa para a busca da realidade. Um dos comportamentos chave da autodescoberta é a humildade. Segundo Ram Charan, quanto mais você puder conter seu ego, mais realista será sobre seus problemas, os problemas da área e do negócio. Mostra que pode aprender. Seu orgulho não o prejudica quando precisa obter informações para atingir melhores resultados. Cometer erros é inevitável, mas a humildade permite-nos reconhecer nossos erros. O processo decisório é aprimorado ao longo do tempo, pois a humildade possibilita que enxerguemos uma realidade mais ampliada, a partir do entendimento de outros pontos de vista.
Nas conversações corajosas quando ambos, eu e o outro, somos verdadeiros e amorosos, surge a possibilidade de uma escuta ativa e de juntos resolvermos a situação criando uma terceira “verdade” (possibilidade) comum.
O que é ser amoroso neste contexto? É ser empático, colocando-se no lugar de quem vai nos ouvir, sentindo os mesmos sentimentos que teríamos se estivéssemos naquela situação. Um exemplo, apenas para ilustrar: suponha que você̂ entrou junto com seu colega ao mesmo tempo na empresa. Ficaram amigos, as famílias se frequentam etc. Você é promovido a líder deste colega e precisa dar-lhe alguns feedbacks. Como começar esta conversação corajosa? De forma amorosa, por exemplo, dizendo-lhe que você̂ terá́ de falar com ele, mas isto gera em você sentimentos tais quais: “para mim é difícil falar-lhe isto, em função de nossa amizade, mas, embora não seja fácil, tenho de fazê-lo porque meu papel de liderança e minha coerência exigem que eu o faça”.
Mas há que se ter a coragem de “ter a conversação corajosa”. O famoso ditado “conhecei a verdade e ela vos libertará” faz todo o sentido ao desmancharmos crenças ilusórias que nos limitam ou limitam ao outro e que nos impedem de avançar, mudar ou crescer.
Em uma organização, entre pares e entre lideranças e liderados, há tantas coisas a serem ditas referentes aos “problemas” de trabalho, mas nosso medo de perder a amizade ou da reação defensiva do outro pode fazer com que fiquemos na inação. Vamos refletir um pouco: se ficarmos sem ter as conversações corajosas que estes momentos exigem, condenamo-nos a permanecer no estado de “coisas mal resolvidas”. A quem isto ajuda? A ninguém! Eu perco, meu colega perde e a organização perde, porque não há mudança de comportamentos, processos e/ou rotinas. Vive-se o “estado do faz de conta”. Neste estado ninguém cresce. Pior que isto, como eu escolhi não ter a conversação corajosa necessária, não posso também me fazer de vítima das circunstâncias.
Diálogo
Você sabe a diferença entre discussão, debate e diálogo?
Não basta ter coragem para uma conversa, é preciso habilidade. Muitas conversas corajosas, por falta de habilidade para dialogar, podem desembarcar em discussões ou debates sem fim.
Conforme Alkíndar de Oliveira, a característica básica da discussão é o fato de o emocional se sobrepor ao racional, criando desentendimentos e rancores. No Brasil, o termo discutir vai além do sentido etimológico, isto é, as pessoas que utilizam a expressão “vamos discutir este assunto” querem dizer “vamos debater esse assunto” ou “vamos dialogar sobre este assunto”. No entanto, é saudável lembrar que o convite para discutir determinado assunto faça-nos entender que “nós não vamos discutir, vamos dialogar”.
Inteligência Emocional, a capacidade de perceber e gerenciar as minhas emoções e as emoções do outro, é essencial para o sucesso de uma conversa corajosa. Controlar o outro é uma ilusão, nossa primeira responsabilidade é ter domínio próprio. Não podemos controlar qual será a reação do outro diante de uma conversa difícil, mas podemos escolher como vamos reagir diante de sua postura. A autoconsciência é o primeiro passo para dominarmos as nossas próprias emoções e a consciência do outro; é o caminho para gerenciar, não controlar, as emoções do outro.
A principal característica do debate é que ao final temos um vencedor e um perdedor. Oliveira explica que se ouve que é preciso debater à exaustão determinado tema conflitante para chegar a um consenso. Há um grande equívoco nessa afirmação, pois a pessoa que procurar vencer com suas ideias as opiniões dos outros dificilmente chegará a um consenso. Diferentemente do diálogo, no debate as pessoas comportam-se como rivais. No diálogo não tentamos vencer. O desafio é achar a maneira correta de fazer ou mesmo nada fazer, assim todos vencem. As características do debate não contribuem para uma conversa corajosa, pois o debate pelo debate em si distancia-se da necessidade do entendimento e busca por um objetivo comum essencial para o sucesso da liderança e da organização. Não negamos que no mundo corporativo possam existir pessoas com postura competitiva, mas isso pode levar a organização ao declínio quando funcionários da mesma empresa comportam-se como adversários, ou mesmo, no auge da disfunção relacional, inimigos.
Para que uma conversa corajosa seja produtiva o instrumento de interação deve ser o diálogo, pois ele inspira confiança entre as partes. No diálogo abrimos mão de ideias prontas e evitamos impor nosso ponto de vista. Testamos nossas ideias e acolhemos as dos outros para construirmos um reservatório de informações relevantes. Estimulamos o compartilhamento de visões. No debate a postura é pressupor que exista uma única resposta certa e que você a tem, enquanto no diálogo a orientação é buscar o máximo de respostas que se complementem. A premissa não é vencer, mas colaborar, chegar ao consenso. Dar significância ao outro, reconhecer e admitir seu ponto de vista sem encerrar a conversa. Admitir, mesmo que discordemos, que o pensamento do outro pode ampliar a nossa visão conduzirá a conversa para um desfecho mais produtivo. O diálogo não é em si método decisório, mas é o tipo de interação humana mais eficaz para construir relacionamentos mais saudáveis e um ambiente transparente e fértil para conversas corajosas produtivas.
O diálogo não pode ser visto somente como um instrumento utilitário a serviço da eficácia organizacional. Antes de tudo ele é um meio de conexão humana para o fluir dos sentimentos mais nobres, entre eles a compaixão. A compaixão nos iguala na condição humana. Não somos nem superiores e nem inferiores e, se a intenção de nosso coração é a de efetivamente nos ajudarmos ou ajudarmos ao outro, a inclusão e a conversação corajosa acontecerão.
Nesse momento, convidamos você a visitar “a pasta das situações mal resolvidas”. O que acha, está pronto para uma conversa corajosa?
* Ricardo Farah, consultor da Atitude Positiva, é Mestre em Psicologia Social pela Universidade de São Paulo, com 29 anos de experiência em consultoria educacional em Vendas, Negociação, Liderança e Desenvolvimento do Potencial Humano. Coach, membro da ICC.
* Gianini Ferreira, Consultor da Atitude Positiva, Coach e Especialista em Liderança, Gestão Estratégica de Pessoas, Negociação e Habilidades Gerenciais. Atua desde 2001 em projetos de Desenvolvimento Organizacional e Educação Corporativa
.