Por Elizabeth Oliveira*
- Com cerca de 3 milhões de hectares que atravessam 50 municípios em São Paulo, Paraná e Santa Catarina, a Grande Reserva Mata Atlântica forma a maior área de florestas contínuas do bioma, o mais devastado do Brasil.
- Criada em 2018 por um movimento hoje formado por 700 pessoas, a Grande Reserva tem o papel de estimular empreendimentos locais, disseminar informação e mobilizar a gestão pública.
- Dado o inestimável valor das paisagens preservadas da área, o ecoturismo desponta como uma das alternativas mais promissoras para tornar a região uma referência em sustentabilidade.
Cenário da colonização do Brasil desde o primeiro contato, a Mata Atlântica hoje concentra 72% da população e responde por 80% do Produto Interno Bruto do país. Não por acaso, é o mais devastado dos biomas brasileiros. Restam 24% da sua cobertura vegetal original, mas somente a metade disso é de áreas remanescentes bem conservadas e capazes de manter a viabilidade da sua biodiversidade no longo prazo.
A maior parte desses remanescentes está numa extensa área contínua que abrange o litoral de três estados: São Paulo, Paraná e Santa Catarina. Foi ali que, em 2018, um grupo de entusiastas de várias esferas – pública, privada, comunitária e não governamental – se uniu para impulsionar ações de desenvolvimento local focadas no turismo de natureza.
Criou-se, então, a Grande Reserva Mata Atlântica, um mosaico de 110 Unidades de Conservação que se estende por 50 municípios e 3 milhões de hectares – 665 mil deles em proteção. O elo que a conecta é a Rede de Portais, uma plataforma colaborativa que busca formas de estimular a área como destino turístico, o que inclui ações de empreendedorismo e inovação, qualificação profissional e parcerias institucionais, além da divulgação de roteiros através do site oficial. Já são 700 pessoas envolvidas.
O movimento se inspirou no conceito de “produção de natureza”, da Fundação Rewilding Argentina. Essa organização ambientalista se tornou referência internacional gerando novo modelo de desenvolvimento local com base na preservação dos ecossistemas e no empoderamento das comunidades.
Ricardo Borges, coordenador de Comunicação e Relações Estratégicas da Grande Reserva Mata Atlântica, explica que o conceito está sendo usado para dialogar com a sociedade sobre a importância da natureza para o bem-estar humano. “Esse é um dos poucos lugares do Brasil onde ainda se consegue entrar em contato com a Mata Atlântica em toda a sua exuberância”, observa.
Com paisagens naturais únicas e uma das maiores densidades de áreas protegidas do país, Ricardo afirma que esse recorte de floresta representa uma grande oportunidade de coexistência entre natureza e identidades culturais, como a das comunidades caiçaras. A região tem também a maior concentração de quilombos em Paraná e São Paulo – alguns, inclusive, desenvolveram projetos de turismo de base comunitária.
Empreendedorismo sustentável
O turismo é reconhecido como carro-chefe da Grande Reserva e, segundo Ricardo pode ser fortalecido a partir do estímulo ao empreendedorismo sustentável. Atividades como canoagem, passeios de barco, esportes aquáticos e observação de aves são cada vez mais demandadas. Revoadas de guarás (Eudocimus ruber) e dos raros papagaios-de-cara-roxa (Amazona brasiliensis) são algumas das possibilidades de contemplação da biodiversidade existente por lá.
Como exemplos de experiências que podem ser vividas na região, o coordenador cita o Pico Paraná, o maior da Região Sul, com 1.877 metros de altura, e o circuito de ciclismo em meio à paisagem da Estrada-Parque da Serra da Macaca, inserida no Parque Estadual Carlos Botelho, no sul do estado de São Paulo.
“Aqui não inventamos nada novo, mas costuramos soluções possíveis, acreditando que a Grande Reserva pode ser destino de natureza internacional”, afirma. “Mas não é qualquer tipo de turismo e de empreendimento que queremos. Não queremos turismo a qualquer custo”, adverte.
Após a pandemia da covid-19, ele observa que tem crescido um movimento de pessoas em busca de ecoturismo, o que tende a favorecer a região. “As comunidades contribuem para manter tudo isso em benefício de toda a sociedade e tudo isso é produto de alto valor agregado”, opina.
Para Ricardo, o Brasil ainda é um país com baixa autoestima, apesar de suas riquezas naturais e culturais reconhecidas mundialmente, fenômeno que também se reflete no caso da Grande Reserva Mata Atlântica. Superar esse obstáculo depende do fortalecimento de parcerias e engajamento de diferentes segmentos sociais, além do impulsionamento de iniciativas socioeconômicas compatíveis com a proteção do seu patrimônio natural e histórico-cultural.
Com esses propósitos, além de utilizar ferramentas de gestão como a criação de áreas protegidas, ele ressalta que é importante apostar na economia restaurativa. “Buscamos conversar com a sociedade sobre a importância da proteção da floresta, do solo, dos polinizadores e de outros elementos centrais à garantia de serviços ambientais fundamentais à nossa qualidade de vida”, conclui.
Metodologia é inovadora, afirma ambientalista
Clóvis Borges, diretor da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS), comenta que a metodologia usada nessa iniciativa não tem paralelo no Brasil. A organização atua com projetos de proteção da natureza desde a década de 1990 e monitora espécies em extinção como o mico-leão-de-cara-preta (Leontopithecus caissara) e o papagaio-de-cara-roxa.
“O conceito de produção de natureza, inspirado na iniciativa argentina, tem sido colocado na prática e os resultados têm sido surpreendentes”, afirma o ambientalista. Como questão desafiadora, ele aponta o esforço de manter unido e coeso o grupo de pessoas envolvido na rede de ações colaborativas.
E para que o turismo de natureza possa avançar, gerando oportunidades de novos negócios e empregos, o diretor da SPVS opina que outro grande desafio envolve avançar em termos de infraestrutura nas Unidades de Conservação do Paraná e de Santa Catarina para alcançar o padrão já observado em São Paulo. Ele reforça que é preciso impulsionar a instalação de restaurantes e a preparação de guias de trilhas, entre outras demandas.
Em contrapartida, Clóvis questiona sobre como avançar nesses propósitos em cenários de agravamento da crise climática e de perda acelerada de biodiversidade. “Tem que haver consciência de ousar e estimular terceiros, além de envolver a sociedade tendo a expectativa de ampliar a escala de todos os esforços”, analisa.
Ao mesmo tempo, opina que não podemos “nos contentar com projetos que não mudem cenários”, destacando que a proposta de proteção da Grande Reserva Mata Atlântica representa um conjunto de valor “que é como ouro para a população que vive na região”. Segundo conclui, “precisamos nos pautar pelas iniciativas bem-sucedidas de terceiros [como a inspiração argentina]”, já que “as coisas estão acontecendo, muitas vezes de forma silenciosa”.
Cidade do Paraná quer fazer da natureza sua maior receita
Considerada referência em natureza conservada, Antonina, no litoral do Paraná, quer transformar o turismo ecológico em principal fonte de geração de receita para os cofres municipais nos próximos anos, como adiantou à Mongabay o prefeito José Paulo Vieira Azim. Atualmente, as atividades portuárias ocupam a primeira posição na economia local. Integrante da Grande Reserva da Mata Atlântica, o município foi um dos primeiros a assinarem a carta de adesão à Rede de Portais.
Para o prefeito, a proteção da natureza deve ser reconhecida como uma causa fundamental dos municípios brasileiros e precisa ser melhor compreendida pela sociedade. “Entre tantos outros benefícios, enxergamos a biodiversidade como ativo capaz de prover os direitos fundamentais dos cidadãos”, opina.
Com nove Unidades de Conservação em seu território, o município arrecadou R$ 37,2 milhões de Imposto sobre Mercadorias e Serviços Ecológico (ICMS Ecológico) entre 2005 e 2022. Parte desse valor se deve à presença das duas maiores Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPN) da SPVS: a Reserva Natural Guaricica, com quase 9 mil hectares, e a Reserva Natural das Águas, de cerca de 3 mil hectares.
Esse incentivo fiscal previsto de forma pioneira na legislação do Paraná e em outros 17 estados brasileiros compensa os municípios pela proteção da natureza a partir da gestão de áreas protegidas, de acordo com critérios estabelecidos pelas leis estaduais. Em Antonina, esses recursos representam 10% da arrecadação municipal anual.
Considerando a vocação da cidade para a conservação da natureza, Azim está tentando engajar proprietários rurais para a criação de novas RPPNs. Por essa adesão, eles podem ser beneficiados pelo Programa de Pagamento por Serviços Ambientais (PSAM) já regulamentado no município em 2022. Para isso, são definidas metas de qualidade ambiental segundo critérios do Instituto Água e Terra (IAT-PR), órgão ambiental estadual.
Fonte: Mongabay Brasil
Publicação Ambiente Legal, 15/01/2024
Edição: Ana Alves Alencar
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