As dúvidas são muitas e as perspectivas obscuras. A grande certeza que sairemos dessa…
Por Raul Sturari (*)
Este artigo é um resumo livremente adaptado de uma matéria¹ publicada pela Singularity University, de autoria da Dra. Shelly Xuelai Fan, neurocientista pela Universidade da Colúmbia Britânica, no Canadá. Nada como acreditados especialistas para acender algumas luzes de conhecimento, em meio às trevas de ignorâncias ideologizadas, de diversos matizes, que têm dominado o ambiente mundial e, em especial, o brasileiro.
Centros de pesquisa de todo o mundo estão trabalhando intensamente para vencer o Covid-19, mas a verdade é que não se sabe, ainda, como será o fim do jogo. Todavia, há um certo consenso entre os pesquisadores no sentido de que a imunidade é fundamental, seja por meio de segura e eficaz vacinação, seja quando uma quantidade suficiente da população conseguir se recuperar das infecções, de modo a ganhar imunidade coletiva. Alguns afirmam que, para isso, é preciso que pelo menos 70% da população de um determinado território esteja imune.
Como a maioria dos processos em biologia, a imunidade ao SARS-CoV-2 é complexa e misteriosa, com resultados que podem rapidamente divergir em muitos futuros possíveis. Desse modo, o tempo em que o vírus permanecerá causando estragos pode variar de meses até a eternidade, como é o caso da gripe.
As perguntas ainda sem resposta são muitas: as pessoas são passíveis de reinfecção com o Covid-19? Serão descobertas vacinas eficazes? Os efeitos da vacina serão perenes ou temporários? Os testes positivos de anticorpos — mostrando que a pessoa já foi infectada — representam um passaporte de imunidade?
A complexidade de nossa resposta imunológica é o principal motivo pelo qual um teste de anticorpos positivo pode não significar exatamente que a pessoa é imune ao Covid-19. E um teste de anticorpos negativo não significa necessariamente que a pessoa não é imune. Diante desse quadro e considerando o que já se sabe sobre epidemias anteriores, extrapolações abalizadas permitem delinear três cenários possíveis, apresentados a seguir.
Vamos começar com o melhor cenário, retirado de nossa resposta imunológica contra o vírus da catapora, chamado varicela-zoster. A infecção com esse vírus — ou a vacinação contra ele e muitas outras doenças infecciosas na infância — pode ser desconfortável, mas é única. Vale dizer que a infecção direta ou a vacinação podem tornar nosso sistema imunológico capaz de resistir por toda vida. Se é assim que a pandemia ocasionada pelo SArS-CoV-2 se desenrola, eventualmente seremos libertados do Covid-19 para sempre. Denomina-se esse como “cenário catapora”.
Infelizmente, parece bom demais para ser verdade. Pesquisas anteriores sobre a família dos coronavírus sugerem que, embora tenhamos alguma imunidade, ela pode não durar. Além disso, nem todo mundo infectado com o vírus Covid-19 parece ser capaz de gerar anticorpos. No entanto, um estudo de pré-impressão que analisou macacos rhesus infectados com SARS-CoV-2 descobriu que dois que foram reinfectados 28 dias após a recuperação confirmada foram capazes de combater eficazmente o vírus. Com base nesses dados muito preliminares, parece que teremos pelo menos imunidade temporária — ou seja, uma vez recuperados do Covid-19, não voltaremos a recebê-lo imediatamente. Sem dados e pesquisas em humanos, no entanto, esse é realmente apenas um palpite.
Isso nos leva ao “cenário devagar e sempre”: obteremos imunidade, mas não será perfeitamente para sempre. Ou seja, poderemos potencialmente pegar o vírus novamente, mesmo após a infecção inicial ou com uma vacina. O motivo é que, para alguns vírus, os anticorpos podem diminuir gradualmente, de uma forma “use-os ou perca-os”. Um estudo sobre o vírus OG SARS que aterrorizou boa parte do leste da Ásia, em 2003, por exemplo, apontou que os níveis de anticorpos caíram drasticamente após três anos da infecção inicial. O lado positivo, nesse caso, é que nosso sistema imunológico retém a memória do SARS-CoV-2. Então, quando os anticorpos encontrarem o vírus novamente, eles rapidamente iniciarão uma resposta imune. Ou seja, você ainda pode ficar doente, mas não será tão terrível quanto na primeira vez.
Finalmente, o pior cenário, o “cenário influenza”, ou a batalha sazonal de gato e rato. Se o vírus for capaz de sofrer mutações rápidas e drásticas o suficiente para superar nosso sistema imunológico, a reinfecção poderá ser tão grave ou pior que das outras vezes. Parece um cenário frustrante, mas é exatamente o que acontece com a gripe, todos os anos. O vírus da gripe sofre uma mutação rápida, o que significa que estamos sempre um passo atrás e o vírus se torna um incômodo sazonal.
A boa notícia é que nem todos os vírus têm a superpotência da gripe. Estudos preliminares descobriram que o SARS-CoV-2 parece sofrer mutações muito mais lentas que a gripe, o que é uma ótima notícia para o poder de permanência das vacinas.
A verdade desconfortável é que ninguém sabe como terminará a batalha contra o Covid-19. Mas, a menos que o SARS-CoV-2 seja uma total aberração da natureza, provavelmente cairá em um dos três cenários descritos. E, embora eles não sejam particularmente animadores, devemos acreditar que a humanidade irá vencer o vírus, como já fizemos em inúmeras outras oportunidades, mesmo quando a ciência ainda engatinhava.
Nota:
[1] Disponível em https://singularityhub.com/2020/04/28/how-will-covid-19-end-it-depends-on-our-immunity-three-possible-outcomes/.
(*) “Prospectivista diletante”, o Coronel Raul Sturari é Oficial da Reserva do Exército Brasileiro com 34 anos de serviço ativo (1970 – 2003). Foi assessor de Estratégia do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional do Ministério da Justiça (2004). Secretário Executivo do Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República e Diretor Nacional do Projeto Brasil 3 Tempos: 2007, 2015 e 2022, de Planejamento Estratégico nacional com base em Prospectiva (2004 – 2007). Sócio fundador do Instituto SAGRES – Política e Gestão Estratégica Aplicadas (2004). Professor de Planejamento Estratégico e Governança Corporativa em cursos de pós-graduação da Funiversa, da Universidade Católica de Brasília (2006 – 2009). Professor de Prospectiva Estratégica (pós-graduação) da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP) de São Paulo (2009 – 2013). Atualmente exerce a chefia de gabinete parlamentar na Câmara dos Deputados, em Brasília.
Fonte: The Eagle View
Publicação Ambiente Legal, 08/05/2020
Edição: Ana A. Alencar